domingo, 18 de maio de 2008

Duas Caras

Faz muito tempo que eu não publico algo neste blog, por pura preguiça mesmo. Resolvi voltar publicando um texto longo sobre uma de minhas grandes paixões, a telenovela, e com uma idéia que pode parecer absurda a muitos: porque eu gosto de Duas Caras.

Uso a palavra “absurda” pois muito tem sido comentado. O IBOPE da novela é baixo e alguns dizem que a novela é ruim e que os mutantes-trash da Record abalam a audiência. Outros comentários maldosos afirmam que o blog do Aguinaldo Silva – autor da trama—é mais interessante que a própria novela. Pura maldade! Pelo menos de acordo com a minha cabeça doida que jura que “Duas Caras” é a melhor trama de Aguinaldo desde Tieta, esta adaptação do livro Tieta do Agreste de Jorge Amado.



Não vou desprezar a “trilogia” de novelas rurais que seguiram a Tieta (1989) na qual tem sempre uma cidade de interior como cenário principal da trama. Foi assim com a Resplendor de Pedra Sobre Pedra, a Tubiacanga de Fera Ferida—esta inspirada em Lima Barreto – e com a Greenville de “A Indomada”. Depois destas, Aguinaldo escreveu a fraquíssima Suave Veneno – cujo destaque foi somente a Maria Regina de Letícia Spiller à la Isabela Rosselini- e a ótima Senhora do Destino capitaneada pelaatuação de Renata Sorrah, a inesquecível Nazareth Tedesco.

Só para relembrar, segue abaixo o meu resumo sobre a trama da novela, em especial para que está completamente por fora:

“Maria Paula, garota rica do interior paranaense, perde os pais em um acidente de carro e se casa às escondidas com um vigarista que se apresenta como Adalberto Rangel. Após o casamento, ele a faz assinar uma série de procurações dando plenos poderes para ele sobre seus bens. Adalberto vende as propriedades de Maria Paula – incluindo a própria casa em que esta morava-- e foge com o dinheiro sem saber que a mesma está grávida de Renato.

Adalberto faz plástica e adota uma nova identidade: Marconi Ferraço. Com o dinheiro, ele monta uma construtora imobiliária e compra um terreno em Jacarepaguá- Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro – ao lado de um terreno invadido que se transformou na favela da Portelinha. Esta favela tem um líder , Juvenal Antena, que era segurança da empresa que funcionava ali.

Dez anos se passam e Maria Paula mora em São Paulo com o filho trabalhando em um supermercado e disposta a encontrar Adalberto/Ferraço. Até que um dia ela o vê em uma reportagem e decide ir para o Rio de Janeiro – aproveitando uma transferência que o gerente do supermercado propôs a ela e assim poder reencontrar Adalberto/Ferraço para um acerto de contas. Este, por sua vez, vive às turras com Juvenal Antena já que a vizinhança da Portelinha, é um entrave para seu projeto de construção de um condomínio de luxo no terreno ao lado.


Aqui vou enumerar algumas personagens que me chamam a atenção por duas razões em especial que me agradam. A primeira é a existência do “duplo”. Este tema já citei no meu blog antigo, acho, em que cito algus escritores que usam desse tema, tais como Guy de Maupassant, Robert Louis Stevenson, Machado de Assis e Sigmund Freud. A segunda razão é que com a trama basicamente ambientada em alguns “microcosmos” como a Portelinha e a Universidade Pessoa de Moraes, Aguinaldo desfila com personagens e questões que atacam males do Brasil (ou universais), sem perdoar ricos ou pobres, esquerda ou direita... está (quase) tudo ali.


Maria Paula, a heroína da história.




Em uma das minhas aulas sobre Lacan, a professora apontava 3 estruturas básicas apoiadas em patologias: a neurótica, a psicótica e a perversa. Entre as neuróticas tem-se a histeria, na qual sempre existe a necessidade de atingir um gozo perfeito e pleno. Junto com esse blábláblá chato lacaniano ela citava como exemplo Antígona, personagem da Trilogia Tebana de Sófocles. que foi até as últimas conseqüências para enterrar o pai, Édipo.

De certa forma Maria Paula se assemelha à personagem grega – uma heroína de acordo com o próprio autor – e que se revele o seu outro lado, o seu duplo, nessa busca incansável em querer que Adalberto pague pelo que fez com ela. No entanto, Maria Paula descarta a punição legal da polícia e da justiça: ela quer que Adalberto se humilhe a ela e que assuma os crimes que cometeu. Provavelmente imbuída de seu narcisismo que deve se perguntar “por que eu fui rejeitada?”.

E para aumentar mais ainda essa trama, tem-se Renato, filho de Maria Paula e Adalberto, que como Freud aponta o filho é fruto do desejo da mãe e é objeto narcísico da mesma. E ao que parece é ele- desejo da mãe- que vai unir as duas personagens, já que Maria Paula se defronta com o fato de não assumir o seu desejo por Adalberto. Renato fala aquilo que o desejo de Maria Paula tenta dissimular, mas que surge na forma de duas relações fracassadas: com Claudius e, posteriormente, com Narciso – “coincidência” irônica entre o nome do deputado e a natureza do desejo da personagem.

De menina rica e protegida do interior, o golpe sofrido por ela revela uma mulher que decide se sustentar com o seu trabalho e cuidar sozinha de seu filho. E a sua obstinação não fica só aí. A personagem tem um objetivo que é se encontrar com Adalberto e ter o seu acetro de contas, ou vingança, encontro amoroso, seja lá o que for. Algo parecido, guardadas as devidas proporções, com Aurélia Camargo criada por José de Alencar.

É importante assinalar a preferência de Aguinaldo por personagens vingativos: Tieta e Raimundo Flamel (Fera Ferida). Ele também gosta de personagens obstinados, tal como Maria do Carmo de Senhora do Destino, que também busca por algo roubado: Do Carmo buscava a filha roubada por Nazareth, vilã que a impediu de viver o amor da mãe com a filha. Maria Paula tenta buscar o amor perdido e roubado por Adalberto Rangel. Talvez sejam esses os elementos que justificam a tese de Aguinaldo em colocá-la como heroína e centro da história e da transformação de uma personagem que no começo da trama era chata e sem graça.

Adalberto Rangel/Marconi Ferraço/Juvenaldo Ferreira, o vilão?





Uma personagem que figura na trama com três nomes. O nome dá a noção de existência do sujeito e o insere no mundo tomado por linguagem. Juvenaldo ilustra bem isso.

Não é comum ver nas tramas um “vilão” com toda sua origem traçada. Para Adalberto seguem-se 4 fases: a primeira quando ele, no interior de Pernambuco, é vendido pela família miserável para Hermógenes, um trambiqueiro local que usa crianças para seus golpes e lhe dá um novo nome: Adalberto Rangel. Na segunda fase Adalberto adolescente conhece Bárbara – sua futura governanta- e aprende truques e golpes com Hermógenes. Na terceira, já adulto, ele foge roubando o dinheiro de Hermógenes, dá o golpe em Maria Paula, faz uma plástica e muda de nome e de vida. Para enfim vermos o impiedoso Marconi Ferraço, homem mecânico, frio e grosseiro com seus funcionários, dono da Marconi Ferraço Empreendimentos Imobiliários.



Em princípio, creio que o próprio Aguinaldo revelou ter se inspirado em José Dirceu para a “mudança” da personagem. Vale lembrar que, cá na vida real, José Dirceu, ex-líder estudantil na época da ditadura militar, faz plástica para fugir da perseguição política, muda de identidade e casa-se. Anos depois é que a própria esposa de Dirceu vai saber de sua verdadeira identidade. Com a abertura política Dirceu funda o PT sempre criticando os políticos corruptos, tornando-se o principal partido da dita esquerda brasileira e 23 anos depois, quando o partido elege o seu primeiro Presidente da República, ele torna-se Ministro-Chefe da Casa Civil, cargo com muitos poderes. Em 2005 se vê envolvido em uma série de escândalos acusado de chefiar um esquema de compra de votos de políticos da base aliada do governo, o famoso escândalo do “Mensalão”. Euis então as Duas Caras de Dirceu: o militante esquerdista que clama por justiça e político corrupto tão igual quanto os que ele por anos criticou. Estes fatos revelam que Adalberto/Marconi o golpista/ o grande empresário aproxima a trama da telenovela ao nosso dia-a-dia político. Ambos apresentam a arrogância no trato com as pessoas que eles julgam serem inferiores—Dirceu em seu "marxismo em proveito próprio" se vale da sua história pessoal como forma de absolvição --, a frieza e o cinismo.

A riqueza da personagem não pára por aí: na reta final da trama ele mesmo desconhece a sua real identidade, perdida em documentos guardados por Bárbara – personagem que funciona às vezes como o supereu de Marconi e que conhece toda sua história. Questionado por Maria Paula e depois por seu filho, Marconi Ferraço se dá conta que durante anos ao usar identidades falsas tinha varrido pra “debaixo do tapete” (inconsciente) ou para dentro da mala guardada por Bárbara o seu verdadeiro nome: Juvêncio Ferreira. Nome que ele acha feio e que revela a sua real origem e que, a exemplo de Maria Paula, revela uma rejeição por pessoas amadas – no caso, seus pais – que o vende para Hermógenes. A não-existência de Juvenaldo, sepultado por Adalberto e Ferraço, mostra talvez esse “não-desejo” filial e a necessidade dessas duas identidades: Adalberto para a sobrevivência em um mundo miserável e Ferraço que mostra que o desejo do ser humano passa além da mera necessidade. O desejo está além da necessidade.

Ponto para Aguinaldo e para a ótima intepretação de Dalton Vigh à personagem que, a exemplo de muitos patrões deste país, não tem lá grande estudo, recebe a alcunha de “doutô” e trata seus empregados com grosseria e intimidação. O “capitalismo” brasileiro guarda muito dos 400 anos de escravidão que o antecederam e permanecem até hoje.


Juvenal Antena, o pai totêmico.




A melhor interpretação de Antônio Fagundes em telenovelas desde o famigerado e odiado Felipe Barreto criado por Gilberto Braga em “O Dono do Mundo”, ainda que ele continue com aquele “ovo na boca” do Bruno Mezzenga de “O Rei do Gado”. Juvenal Antena é mais que uma personagem: é uma aula de filosofia política e psicanálise se for considerado o que Freud descreve em “Totem e Tabu”.

Na ficção a nascente comunidade da Portelinha se vê diante da necessidade de ter um líder. E de cara este líder já está ali: Juvenal Antena, ex-chefe da segurança da empresa dona do terreno invadido. Freud fala da horda primitiva, do assassinato do pai – que dá origem ao tabu do Édipo—e da presença desse pai totêmico (base do suprereu, instância psíquica que nos diz sobre o certo e errado) como forma de organizar a civilização. Na Idade Média as invasões dos chamados bárbaros do Norte da Europa forçaram às pessoas viverem em feudos fechados e dando status aos cavaleiros, responsáveis pela “proteção” e guerras naqueles tempos.

Juvenal atualiza isso para o Brasil do começo do século XXI, ainda às voltas com líderes populistas e ao Rio de Janeiro tomado pelo narcotráfico e de favelas com suas “milícias”. Rio das Pedras, favela de Jacarepaguá que inspirou a fictícia Portelinha, e tal como a favela da ficção é tida como exemplo por “viver em paz” ou como local onde “traficante não se cria”, tudo isso às custas de uma ordem severa e punitiva.

Outra pessoa pode ter em mente o venezuelano Hugo Chavez e no meu caso eu associo também ao presidente estadunidense George Bush. Juvenal justifica a sua “liderança” e o excesso de poder em suas mãos em nome de segurança da “sua favela”. Juvenal não tem medo de usar o pronome possessivo de primeira pessoa ao se referir à Portelinha. Os vilões de Chavez são a elite venezuelana e os EUA. Os de Bush são líderes de países como o próprio Chavez e os terroristas islâmicos. Os de Juvenal são a chamada “violência” – enquanto ele mesmo usa de violência e intimidação dos moradores – e às investidas de Marconi Ferraço, nas palavras dele “meu maior inimigo”. O venezuelano muda a Constituição, o estadunidense manda uma máquina de guerra para o Oriente e Antena dispõe de “7 anõs” (seus capangas). Chavez vende petróleo pros EUA de Bush, cuja família tem ligações com Osama Bin Laden. E Antena negocia com Ferraço apoio para sua campanha a vereador em troca de favores. A Portelinha, e Antena, são metáforas perfeitas para o mundo de hoje e o de sempre, com o ser humano sempre querendo um líder, um pai, que dê conta de todos os seus anseios, segurança nem que para isso custe a sua própria liberdade. E é desse tipo de coisa que tenho medo, já que isso gerou e ainda gera tantas autrocidades, sejam as da Inquisição Católica, dos monarcas despóticos ou das ditaduras de esquerda e de direita. Tudo isso em nome da “segurança”. A famosíssima premissa de Maquiavel --“Os fins justificam os meios”-- permanece atual. Sendo que “O Príncipe” tem várias caras, não só duas.

Enfim, por hoje é isso...no meu próximo post comento mais!

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Hiato

Só pra não ficar um espaço em branco e jurar que em breve esse blog terá post novo. Juro!