sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sobre o kit ainti-homofobia

Acabo de ler no facebook o comentário de um rapaz homossexual que afirma "não ser muito a favor do kit", o kit sobre homofobia barrado por Dilma, ao que consta, em troca de salvar a pele da (ops!) do Palocci junto à bancada "cristã" no Congresso. Minha reação foi logo de bancar o militante esquerdista-festivo (meu caso) e começar a gritar e achar um absurdo justamente um homossexual se dizer "meio contrário" ao kit. Depois retomo essa discussão. Por ora vou reproduzir a fala da professora Lilian do Valle que saiu hoje no "Globo":


"A professora Lilian do Valle, professora de Filosofia da Educação da Uerj, alerta:

- Quanto mais baixa a idade, mais delicada a situação. É uma idade muito sensível para questões afetivas e psiquícas. Uma palavra mal colocada pode resultar num dano maior do que simplesmente não falar nada. Tem que envolver um trabalho maior, interdisciplinar. Não é simplesmente aprovar uma lei e jogar o kit. É pedir demais do professor esse tipo de responsabilidade. Não se pode esperar que a escola resolva os problemas da sociedade."


Interessante o verbo "alertar" usado no texto, como se estivesse vindo uma catástrofe e a posição digna de Pilatos da professora. A crítica é necessária, vamos aos fatos.

Uma das formas de "dividir" o pensamento, como se isso fosse possível já que ele diverso e está em constante movinento, é colocar em termos do senso comum, o religioso, o filosófico e o científico. Quando um Silas Malafaia da vida brada aos 7 ventos contra o kit (e claro, por ele os homossexuais seriam exterminados) ele está usando o seu referencial dogmático religioso - claro que aliado a esperteza de manter seus fiéis conservadores (essa palavra é possível em Pindorama?) e seus dízimos em seu rebanho. O senso comum é o comentário do tiozinho do churrasco do fim de semana que afirmna ser absurdo expor as crianças a uma coisa dessas,, que isso é uma falta de respeito, ainda que sua experiência pregressa (também do senso comum) aponte para existênciua da sexualidade na infância e sua manifestação numa possível brincadeira de médico ou um troca-troca com primos mais velhos. Ok, é só um exemplo.

Eu pasmo é com aqueles que se colocam em nome do saber científico e filosófico engrossarem o coro. Tenho experiência em trabalho com adolescentes em Saúde Sexual e Reprodutiva, especiamente entre homens jovens. Rapazes entre 15 e 24 anos, justamente a camada mais vulnerável à morte pelas chamadas "causas externas": acidente de trânsito, homicídio, suicídio, etc. Daí a necessidade desse trabalho.

Nas oficinas que faço sempre tenho a preocupação de deixar bem claro a eles que o que está se fazendo é a construção de um conhecimento conjunto e que o objetivo não é estimular alguém a ter relações sexuais. Pelo contrário, o objetivo ali é criar um ambiente no qual o jovem se sinta confortável e, diante da informação coinstruída ali, estar com o poder suficiente que reduza a sua vulnerabilidade e, claro, promover a equidade de gênero. Por vezes jovens evangélicos vieram falar comigo sobre a questão da sua religião fazer pregração contra o sexo antes do casamento e digo-lhes que a decisão quem deve tomar são eles, com toda a responsabilidade, e que meu papel ali é mostrar as alternativas e os cuidados necessários, bem como o conhecimento do próprio corpo e - o que não pode ser nunca excluído- as questões emocionais. Forçar a barra seria aumentar-lhes a ansiedade e desempenhar um papel anti-ético. E olha que nem mencionei a questão da homofobia, que é sempre terreno espinhoso nestas oficinas.

Voltando à fala da professora. Qual a noção de escola que ela tem? Um prédio fechado com doutores do saber distante da sociedade que o cerca? Se a função é educar e promover cidadania porque esse discurso de "não foi feita para mudar o mundo?". Parece-me o cara que joga o papel de bala no chão da rua e diz "todo mundo faz". A professora se iguala ao tiozinho do churrasco ou ao fanático religioso.

Se iguala, por que? Qualquer profissional de educação, em tese, tem cadeiras de psicologia na licenciatura onde deveria ser discutida a questão da sexualidade. O nosso conhecimento está ali para isso e não somente para os doutores de consultório dizerem aos pacientes "sei, a culpa é da mãe!". Tudo bem que eu não sou inocente, eu moro no Brasil e eu mesmo já passei um tempo na licenciatura e vejo como é precária a formação de nossos professores - aliás tema apontado por Dilma em um dos debates que ela participou - e isso não é só na discussão da sexualidade. A formação é precária até mesmo para o professor dar aula em si, ensinar que 2+2=4. Assim sendo, se eu pensasse como a professora Lilian do Valle eu diria: deixemos as crianças analfabetas, pois os professores não estão integralmente preparados e já que a escola não veio para mudar o mundo vamos deixar todos ignorantes.

Em um ponto eu sou obrigado a concordar, até mesmo pela minha experiência: o material didático não deve ser um fim em si mesmo. Infelizmente pelo que leio da opinião tanto pró quanto contra o tal kit é reduzir uma questão fundamental que é a sexualidade a um material. E cabe lembrar que homofobia é sim um tema importantíssimo a ser tratado, mas não é o único. Há muitas questões a serem discutidas que tem relação sim com o campo da sexualidade: as DSTs, a gravidez de adolescentes, o uso abusivo de drogas, a violência de gênero e tantos outros. Claro que não quero fazer da educação sexual uma cruzada conta essas supostas "desgraças", mas que ela seja algo que haja o envolvimento efetivo de alunos, professores e família, mesmo reconhecendo que há dificuldade de todos - em várias orientações sexuais, faixa etária, gênero e classe social - em lidar com o tema que o ser humano mais escamoteia de si mesmo e que carrega uma série de preconceitos da nossa matriz religiosa. Não importa se você é crente, agnóstico ou ateu, eles estão ali na construção de nossa sexualidade que, obviamente, não apresenta só um componente individual.

Os videos foram produzidos pelo ECOS, instituição com a qual já trabalhei e tem um trabalho importantíssimo na área de sexualidade junto a adolescentes. Gostaria e deveria , se conseguir, ver esse material.

O jornal "O Globo" faz um "alerta" pelo fato do kit ser distribuído para crianças de 11 anos. Pera lá! Freud no começo do século XX, ele mesmo um conservador e vivente no puritanismo da Europa vitoriana, sacudiu o campo dos saberes com os seus "Três Ensaios" no qual afirma a existência da sexualidade infantil. Isso ele e todos nós sabemos. Até quem questiona a sua obra afirma o mérito dela nesse quesito. Então me espanta muito quando alguém do meio acadêmico vem à imprensa para reforçar preconceitos sem nenhum critério baseado no saber, como diz a palavra filosofia em sua etimologia.

Sim, os professores devem ser capacitados para lidar com a questão da homofobia. Eles também tem que estar preparados para lidar com as questões de sexualidade, violência, assim como ensinar às crianças que 2+2=4. E quem é da área sabe que a discussão desses temas não é feita da mesma forma para todas as crianças. Tem que ser respeitada a idade e a capacidade de compreensão de cada um. Mas isso não deve ser desculpa para perpetuamos o ciclio de violência que temos em nossa sociedade, ainda mais considerando que ser violento - e a homofobia é uma forma de sermos violentos - é construído ao longo dos anos em nossas famílias, comunidades e instituições como a escola. Se ela não vai mudar o mundo, ela deve cumprir sim seu papel como escola. É o mínimo que se espera. Daí a obrigação do Estado em capacitar os professores para além da mera distribuição. de material didático. No entanto, o que tenho lido é uma celeuma maniqueísta a respeito disso.

Voltando ao rapaz do começo do meu texto. Nós, sejamos homossexuais ou não, temos em nossa formação sexual nossos preconceitos e valores a respeito da sexualidade em si. Não é a minha orientação que vai fazer de mim uma pessoa progressista ou retrógrada. E vejo mais dúvida na fala dele do que certeza. E assim é a sexualidade, campo de dúvidas, descobertas e novidades, já que ela lida com a identidade daquele que inventou uma coisa chamada "consciência de si" para chegar a conclusão que uma resposta definitiva sobre ela é impossível. Esse alguém é o ser humanos, esteja ele inventando dogmas para afugentar sua insegurança diante da vida ou criando saberes inteligentes nos quais vão se somando novas perguntas e descobertas ao invés de uma certeza pura e simples.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Uma certa sabotagem

Se tem um tema que estou sempre conversando com os amigos é esse da sabotagem. Isso acontece comigo e bem como com várias pessoas. Não sei se isso vale como "instinto" da alma ou coisa que o valha, mas mais cedo ou mais tarde ela aparece de várias formas.

Esses dias creio que postei algo sobre alguém que cria regras para si e depois não cumprí-las. Isso é uma forma de sabotagem, pois pode esconder várias potencialidades de alguém com medo de encarar o próprio desejo. Esses dias eu pensei numa outra forma de sabotagem, que é aquela que é dirigida ao outro.

Imagine a cena clássica de alguém que sempre culpa o mundo ou os outros por tudo que dá errado em sua vida. Bem sei que isso é um mote perfeito para um livro de auto-ajuda. No entanto, como nos ensinou Poe no seu conto "A carta roubada" muitas vezes desprezamos o óbvio e deixamos de encontrar a solução mais evidente para o fato.

Voltando para esse acusador do mundo é engraçado que este cria padrões, só que para os outros. É uma forma de se defender contra os próprios desejos. Dia desses conversei com alguém que repetia, por exemplo, o velho e batido discurso de que "ninguém quer algo sério, um envolvimento emocional, um relacionamento", quando é ele próprio que cria condições e situações para que a coisa não dê realmente certo. Assim, se livra da culpa e joga nos outros o que é de sua responsabilidade.

Para usar um exemplo bem besta: imagine que alguém marque um evento ao ar livre, mas no fundo está sem saco. Espertamente marca para um dia em que a meteorologia preveu chuvas. Bem, a meteorologia acerta e chove no tal dia. A culpa do fracasso vai pra conta de São Pedro.

Enfim, tem pessoas que colocam essas sentenças e vão levando isso vida afora. A culpa é dos outros e assim consegue escamotear o que realmente querem. A grande questão que sempre repito é que depois a realidade - aquela que sequer conseguimos definir de todo e não temos controle sobre- vem cobrar a sua conta depois.