terça-feira, 23 de julho de 2013

O investimento de Narciso


Já postei aqui, diversas vezes, quando quero pensar sobre o amor sobre o investimento que é feito no "eu". Seja com aquele jargão psicanalítico, herdeiro do texto do Freud de 1914, ou mesmo no conselho da amiga pra outra "fofa, você tem que ter amor próprio, dane-se se vocês terminaram" e tudo o mais. Está no imaginário coletivo.

Aí na madrugada aparece esse tema mais uma vez. Pensei na questão dos investimentos que fazemos e quando nos damos conta de que estes objetos investidos de amor se perdem e aí desabamos.  E então nos recolhemos, sofremos, nos martirizamos, isso quando não colocamos toda a culpa no outro. Diante da perda amorosa, são várias as respostas possíveis.

Daí eu, que gosto de extrapolar, pensei nas confusões que vejo em redes sociais. A com estranhos porque um quer valer a sua opinião como soberana e digna de ser curtida e admirada. E as inúmeras que vejo entre amigos na qual, aquela pessoa que você ama (amizade é um investimento amoroso) discorda de uma ideia sua. Ele não ama, não se interessa e ao mesmo tempo rechaça aquela ideia que você guarda para si com tanto carinho. Como pode meu amigo ou minha amiga discordar de mim assim?

E daí, o sentimento de aniquilação, que não dorme cria toda a confusão com um objetivo: destruir aquele outro que não te ama. Um objeto destruído pelo eu é mais vantajoso que um outro que me causa desprazer por não concordar comigo. Antes nada do que algo negativo. Ou seja, mais vale eu acabar com aquela opinião do meu amigo e convencer de que estou certo, ou em casos extremos, acabar com a amizade, do que manter a discordância que tanto me incomoda e interfere no meu eu, transmutado na opinião minha de algo, essa traduzida como um objeto.

Outra situação interessante é a timidez. Eu mesmo me considero tímido em muitas situações. E daí me dou conta de que essa timidez é uma tentativa tipicamente neurótica de não sentir o ego abalado. Por exemplo...

... uma pessoa está numa festa e se interessa por outra. A timidez gera um medo que diz assim "não vá até aquela outra pessoa que ela vai te rechaçar. O seu "eu" não maravilhoso vai se mostrar completamente desinteressante, a desistência do outro vai evidenciar isso em você. Te causará esse desprazer. Então a saída é não fazer nada, ainda que o resultado seja exatamente igual ao de quando se é rejeitado, isto é nada acontece tanto para aquele tímido que "não chegou junto" como para aquele que levou o fora.

A diferença no caso é que o tímido, ali, paradão, se sente no controle da situação. "O neurótico goza com o seu sintoma" diria Freud e é mais ou menos por aí. Ou "eu" tenta de alguma forma se manter inteiro e gera a fantasia da rejeição do outro (se eu for, vou me dar mal, vou me ferrar) na qual o enredo está sob o controle de mim e não da ação (real) do outro.

Tem um paradoxo interessante nisso que, ao mesmo tempo em que é um investimento narcísico (não entendido aqui como uma patologia, por favor) é também a eleição de um outro como grande avalista do seu desejo. O estranho com quem brigo por opinião, o amigo em que investi uma relação pra concordar comigo em tudo, ou aquela pessoa ali no canto da festa na qual não chego junto. Para todas elas entregamos um poder que ilusoriamente era nosso.

No meu caso específico, uma chave talvez seja se perceber ridículo - coisa que reparei no divão, por exemplo- e perceber que tem muitas coisas além. Que viver implica sim perdas, ou então era melhor nem ter nascido e daí não ter nem prazer nem desprazer, como é na morte. Lidar com as perdas é difícil, mas nos obriga a deparar de que não somos um inteiro perfeito, mas que somos quebrados e fragmentados em diversas ações, somos faltosos e é justamente essa falta que move o mundo.

Enxergo aí uma chave que me faz pensar sobre a compulsão e a timidez: um investimento falho em um eu inteiro que simplesmente não existe. Enfim, esse assunto ainda rende, não é conclusivo, apesar da confusão que está esse texto. Tipicamente liquididificado.

Protesto

Faz um bom tempo que isso aqui tá abandonado, meio que pegando carona nos protestos que estão rolando no Brasil e tudo e tal. E em terras fluminenses a coisa continua com prisões arbitrárias, tiro, porrada e bomba. Algo que os moradores das periferias e favelas conhece há muito tempo... Mas antes que me taquem pedras, não justifico nenhuma forma de violência, seja na Vieira Souto ou na Passarela 9 da Avenida Brasil.

Os ânimos estava acirrados a ponto de eu ser questionado no facebook por conta de uma charge do Latuff - criticando os coxinhas - de ser um extremista de esquerda sem visão política da realidade ou algo do tipo. Claro que não preciso ficar dando satisfação pra a, b ou c sobre os meus pensamentos desde o momento em que eles não interferem no direito de ninguém, mas é um tanto quanto ilustrativo de como estavam os ânimos.

Sim, teve uma galera que preferiu ficar resmungando e dizer "ah é coisa de coxinha e vla bla bla". Isso pra mim é uma atitude conservadora pra quem se acha libertário. Se você ao menos é contra ao que está sendo dito, faça você mesmo então seu protesto, se organizando, militando, consultando as lideranças e fique pronto(a) para o tiro, porrada e bomba.

Claro, tem o coxinhismo do "sem violência" ou do mandar sentar. Tem aqueles ativistas de facebook que acham ruim porque o trãnsito fica uma merda pra chegar em casa e depois quer pagar de iconoclasta falando mal do Papa. Se você é contra manifestação por direitos legítimos você tão babaca quanto à ICAR pelo conjunto da obra e a tal da cartilha nefasta e preconceituosa que ela anda distribuindo. Enfim, esse é outro assunto. Deixa eu sair da teoria e contar a minha experiência pessoal em relação a isso.

Fui para o protesto em Cabo Frio, maior cidade das Baixadas Litorâneas Fluminenses, me encontrar com um amigo lá. O ônibus parou na entrada para o Centro da cidade e uma mulher com medo - justificável- de levar tirou ou algo do tipo.

Ao chegar encontrei muita gente jovem, muitos estudantes. Mensagens inócuas sim, vazias como "contra a corrupção" e coisas do tipo, mas outras bem direcionadas. O alvo era a empresa Salineira, que detém o monopólio do transporte na região e conta como um de seus acionistas o onipresente Jacob Barata, aquele mesmo que manda e desmanda no transporte rodoviário da capital.

Boa parte dos ônibus é intermunicipal. Até porque a região não ficou imune à praga da criação de trocentos municípios. Assim sendo, se você vai de Araruama a Cabo Frio (40km) você paga os mesmos R$ 4,00 que alguém saindo de São Pedro da Aldeia ou Arraial do Cabo até aquela cidade, mesmo distante 10 km (ou menos) de Cabo Frio.

Rolou o barulho, mas as passagens locais não baixaram. Só o intermunicipal de 4 passou para 3,80 por determinação do Governo Estadual.

O legal é que nós temos o desejo neurótico obsessivo de querer determinar tudo (beijos Viviane Mosé) e morremos de medo do incerto. Claro, "é preciso estar atento e forte" com manobras conservadoras do pior tipo em uma situação como essa. Mas isso não é desculpa pra fazer a linha iconoclasta de botequim e ficar apenas pixando de "coxinha" quando você não faz absolutamente nada.

Essas manifestações me lembram, num primeiro momento o objeto "a" criado por Lacan, aquele que não pode ser dito. No entanto vejo as manifestações como um discurso. Tudo bem, é da classe média, ou daqueles que outrora não estavam engajados. Mas isso não desqualifica o movimento. Se há a necessidade de coisas para serem ditas, que sejam. É legítimo. Ao que parece os que criticam a falta de democracia por vezes agem como reais reacionários.

Por outro lado tem aquele discurso mal direcionado e a papagaiada carnavalesca. Faz parte sim. E tem aquela hipocrisia do coxinha que ouve Charlie Brown Jr porque "é contra o sistema" e curte grafite, mas quando o bicho pega e você fala "fulano, você vai no protesto"..."ah não vou nessas paradas não, sabe como é, o bicho pega e bla bla bla"

Menciono tudo isso porque em mim habita o doido revolucionário, o coxinha do face, o medroso que só se revolta ouvindo aquela musiquinha entre tantas coisas e, obviamente, é importante revelar em mim cada um deles, mais que fazer o papel de inquisidor. E participação política é muito mais que uma passeata. E opressão policial é mais que as balas de borracha. Maré e Amarildo não me deixam mentir. 

De qualquer forma foi aberta uma das várias caixas de pandora (algumas já abertas há séculos) que parte da sociedade resolveu mexer e/ou olhar. E isso significa muita coisa, ainda que não se tenha um significado completo dos protestos. 

Ainda bem, porque cabe espaço para mais. Como diria o Basílio, trolando um clichezão ridículos desses, mas bem apropriado pra o momento "definir é limitar"