quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Faixa Amarela


Essa semana foi uma discussão sobre limites. Meu e de quem está comigo. E para isso me lembrei da metáfora da faixa amarela dita por um ex-amigo (existe essa expressão?) quando ele começou seu relacionamento atual.

A situação é esse ex vivia sozinho e a partir de um certo momento, na medida em que o relacionamento dele foi ficando mais firme e o namorado indo sempre na casa dele, ele disse que havia uma faixa amarela, um limite a ser respeitado para que ele não se sentisse invadido e tivesse sua liberdade preservada. Tal como a faixa amarela do metrô.

Essa semana quem se deparou com tal metáfora fui eu, mas de uma forma diferente. No caso tive que lidar com um sutil pedido de "tem como você ir hoje ao invés de ir na sexta". E isso foi algo que me desmontou.

Estranha a sensação de ser "convidado a se retirar", como diziam nos colégios quando um aluno estava pra ser expulso. Por um lado, há uma parte de mim que respeita a tal ideia da faixa amarela, entendimento da privacidade do outro e tal. Por outro tem o ego machucado diante de um pedido desse, nunca escutado em quase 40 anos de vida.

Faixa amarela fala dos limites entre "eu" e o "outro". E no meu caso fala de ego também. A sensação: "Porra Didi, olha a merda que você tá fazendo não respeitando o outro!". Algo que realmente deixa pra baixo.

O que acontece é que diante dessa situação triste, muita coisa foi colocada pra fora. Minha e dele. Fraquezas, sentimentos, o que sentimos um pelo outro e tudo o mais. E a situação foi resolvida, apesar de que um certo incômodo ainda com o que aconteceu me motiva a escrever esse texto. Mal de pessoas rancorosas, como é meu caso.

E talvez a faixa que seja mais difícil de ser quebrada não é essa da privacidade material, do meu espaço, do espaço do outro tudo mais. São aquelas que escondem sentimentos, manias, esquisitices e tantas outras coisas que estão ali no nosso lado emocional e que tanto escondemos. Coisas que sempre preferimos deixar, sem atenção, no vão entre o trem e a plataforma.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Ainda sobre ter e ser


Ainda no tema da última postagem sobre o “quem eu sou”, talvez a grande pergunta motivadora da existência, estava imaginando: como deve ser minha casa? Que coisas eu gostaria de ter nela?

Olho para o meu quarto e vejo que ainda existem coisas que são da época em que morava na capital. Objetos que estão ali por uma certa necessidade, pois sei que ao me desfazer de alguns deles, terei que substituir por outros, o que inclui gastos. Talvez esteja aí um pouco da minha resistência em não ter me livrado de alguns deles.

Ontem o Fábio me lembrou da afirmativa taurina: “sou o que eu tenho”. Sei que há textos que criticam a questão do ter em detrimento do ser na nossa sociedade. Até eu mesmo já fiz o texto sobre isso em algum momento. Mas hoje resolvi pensar nisso com mais profundidade e ir além da oposição simples entre os dois verbos.

Ao longo da vida vamos dando valor ao que gostamos, ou ao que nos serve de alguma forma. Aparentemente é assim. E nesse sentido aquilo que temos reflete de alguma forma o que somos, pois investimos algo de nós ali.

Daí penso no armário gigante (que metáfora! Armário) no quarto. Ele não é algo que desejei. Mas se eu não o desejei por que motivo ele ainda permanece lá?

Livrar-se dele vai implicar movimento, gasto de energia e de dinheiro. Vai ser uma ruptura que mexe com um certo conforto e comodismo. Agora, extrapolando para além dos objetos, o que será que todos nós temos guardado, ou mantido, por puro comodismo? Penso em relações amorosa, empregos, hábitos ou até mesmo o mesmo sanduíche que se pede sempre numa rede de fast food.

Perceber o que temos e o que não queremos pode fazer parte dessa jornada da tal grande pergunta motivadora: quem sou eu? Tentar responder parte dessa pergunta – que para mim é incompleta- vai mexer com desejos escondidos, com coisas que me forçarão a fazer mudanças porque aquilo é incômodo.

Nesse sentido, mais que uma mera oposição “ter x ser”, esses dois verbos podem estar ligados de uma outra maneira. O que temos pode significar parte de quem somos. Por outro lado, pode ser também parte daquilo que escondemos, pois “não ter” uma determinada coisa implicará em uma mudança que, ainda que dolorosa em alguns casos, pode revelar mais coisas do “quem sou eu”, que ainda estão escondidas.