sábado, 29 de outubro de 2011

Goiânia





"Meu Destino.

Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.

Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.

Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.

Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...

Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.

Esse dia foi marcado
com a pedra branca da cabeça de um peixe.

E, desde então, caminhamos
juntos pela vida..."
(Cora Coralina)


I.

- Veja como o dia está hoje!
- Tem uma névoa forte, não vai dar praia. Diz-me agora se sabe bem prever o tempo...
- Não sei. Ainda são seis da manhã, e ainda pode mudar. Esse mês é assim.
- Imagino, por isso queria estar em Góias.
- Por que? Lá não tem praia...
- De mar. Mas lá eu sei que o tempo está seco. É assim, tempo de chuva, tempo de seca.
- E quem te garante que lá está seco? Estamos no fim de outubro e as chuvas já vão começar.
- Sim, mas gosto do padrão. Não tem erros...
- Não é bem assim... eu gosto do movimento, como essa névoa.
- Ela está parada e não deixa ver absolutamente nada, nem a praia da janela.
- Não está e lembre-se de que no movimento as coisas podem se revelar.
- Quem disse isso? Newton?
- Eu, agora...

II

- A areia está quente demais, vamos parar aqui?
- Não, vamos na direção da bandeira, se algo no caminho interessar a gente para e dá uma olhada. Tudo está muito bom hoje aqui.

III.

- Viu?
- O que?
- Ali, o falso magro, ou falso gordo.
- Ah sim! Gostei.
- Ficamos aqui?
- Agora

IV.

- Está vendo, até o mar muda seus movimentos.
- Estou vendo os movimentos dele. Todos, até o sorriso.
- É lindo, está descarado.
- É pra gente, com certeza

V.

- O mar está bravo hoje, não rapazes?
- Sim, você viu? Tivemos que pegar tudo correndo e mesmo assim o mar molhou as toalhas.
- É verdade.
- E você é daqui, ou de outro lugar?
- Sou de Goiânia, mas moro aqui no Rio há 1 ano já.

VI.

- E ele?
- O goiano? Saiu, mas deve ter pedido a conta ou pegar umas cervejas na barraca.

VIII

- Voltou.
- E está fazendo exatamente os mesmos movimentos, iguais, regulares como o clima de lá.
- Hora seco, hora frio?
- Isso, talvez espere nossa mudança de movimento.
- Então deveria ter conversado mais.

IX
- Olhou para elas, é isso?
- Sim, ele fez isso perto da água também. Mas só para manter as aparencias.
- Os movimentos para deixar tudo como está.
- Ou nao, a sunga, tá diferente agora.
- Sim, o movimento que ele faz é revelador.
- O que cobre, agora, revela, entendeu agora a névoa?

X

- Olhe, a névoa voltou e cobre o hotel.
- E o goiano, já foi.
- Vamos também? Não tem mais sol.
- Quem sabe encontramos o outro, o de vermelho lá perto do quiosque?
- Ou o goiano poderia ter demorado mais.
- Encontramos ele de madrugada, pode apostar.
- Como voce sabe que ele mora aqui.
- Pelo que ele me disse...
- Bem, faz sentido. Ele trouxe pouca coisa pra praia. Deve morar por aqui perto.

XI

- Viu, ali na moto?
- Vi e vai passar perto da gente.
- Mas ali vem outro. É bonito, mas fala alto, grita. Muito favelado pro meu gosto.


XII

- Tem aquele jornal ai?
- Que jornal? Acho que não existe.
- Quero o outro, o da fofoca sobre espíritos...
- Esse já esgotou.

XIII

- Vai entrar na casa azul.
- Tem todo o jeito, mas repare ele quebra o movimento.
- Para disfarçar..veja!
- Entrou!
- Vamos sair. Até porque pior que verem a gente entrando lá é ficarmos aqui fora. Não somos como aquele rapaz de Estocolmo, que tem essa coragem.

XIV

- Olhe pelas janelas, é um boquete.
- É e tem uma cortina marrom atrapalhando tudo. Mas como você perecebeu?
- Pelo movimento. E veja, as mãos limpam a boca.
- Engoliu?
- Tenho certeza. E não adiantou a cortina querer esconder que vimos. Estou há dois meses querendo saber o que acontece ali e hoje tive certeza.
- Mas não é lindo vê-los se beijando, se acariciando, é tão romântico?  Tal como os dois na banca
- Você para de pensar nisso. Quero ver sexo e você pensando nessas coisas. Vamos mudar o pensamento.
- Tá, olhemos para a janela de baixo que algo acontece ali.
- Viu, a mão toca o outro..
- Sim, os movimentos mudam.
- Como há de mudar o tempo em Goiânia, em Goiás a gente não sabe.
- Vamos então esperar a madrugada e quem sabe não cruzamos com novas emoções.

XV

- Goiania não tem mar, mas tem movimento.
- Ainda bem, para a nossa alegria. Mas o que mais se revela?
- A névoa...que já foi embora. Agora uma lua sorri para a gente.
- Como o goiano, na praia.
- Por isso gosto de estar com você. Você me põe em movimento e assim as coisas se revelam.
- E melhor, quando elas querem se esconder. Esse é o lado interessante da coisa.

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