sábado, 29 de setembro de 2012

Quando Copacabana Assombra

Certa vez em um programa de entrevistas, o escritor Rubem Alves falava sobre o "assombramento". Que os professores ao ensinarem ao invés de repetirem velhos conteúdos deveriam promover o "assombramento" dos seus alunos, pois isso é o que encanta e motiva o aprendizado.

Posso dizer que meu aprendizado por assombramento vai além da sala de aula. Aliás, quem disse que o aprendizado é só lá?

Noite de sábado. Vindo de Araruama sem muita vontade. Trânsito de Mercúrio em oposição ao Sol natal, me avisa o Personare no começo do dia, em meu email. Dia de acordar com uma dor de cabeça terrível e minimizada após o engov para apagar os vestígios dos excessos da noite passada. Pobre fígado. Mas o sono com o remédio resolveu a situação.

Chego tarde no Rio...queria ter chegado, sinceramente, mais cedo. Mas nem sempre as coisas saem como idealizamos. Isso serve para mim também. É quebrar de alguma forma as velhas fórmulas que se repetem.

Nesse "quebrar" meu amigo me chama para uma volta à noite. Não saímos de imediato. Ele vai ver algo e eu decido beber mais após outro engov. Eu bêbado me assombro comigo mesmo. Talvez mais que os outros que convivem comigo. Enfim... 

Saímos.

Pausa para parar em frente a um dos apartamentos. Meu amigo tem TOC e quer ajeitar o tapete na porta de um deles. Mas dá tempo para chamar o elevador e imediatamente ele parar no nosso andar, ainda que ele aponte para cima, não havia ninguém nele.

Nesse mesmo "imediatamente" sai alguém de um dos apartamentos. Será o do tapete organizado? Não, não foi. 

Ele, saindo, no começo não tem rosto. Me bate uma certa timidez que ainda estou quebrando. Sinto o meu olhar um tanto invasivo. Algum recalque de conteúdo sexual, diria o Freud aqui dentro de mim, tendo consciência do meu lado voyeur e também do exibicionista. E foi para isso que existe o espelho dentro do elevador - sim ele teve tempo de pegar com a gente- e reparar melhor.

A imagem: um homem baixo, gordinho, de cavanhaque e cabelos loiros. Olhos azuis. Cordão grosso no pescoço, bolsinha e uma camisa do Vasco. O norte do desejo apita e me dá uma noção de delírio...delírio porque ele acena para meu amigo, como quem quer iniciar uma conversa.

"E ai será que amanhã vai dar praia?"

Falar do tempo, o velho iniciador de conversas. Falar da praia, do sol de sábado e do tempo ainda sim frio. Dos momentos em que a ressaca ainda me consumia nas Baixadas Litorâneas e que fez algumas pessoas se animarem para ir para a praia em Copa.

E assim prossegue até a saída do prédio. Achei que o papo morreria ali. Ao invés de dar a volta no próprio prédio e pegar o carro estacionado na porta, ele decide continuar a conversa com a gente. Isso assombra.

"Sabe que é melhor sair com uma menina daquelas e pagar 30 reais do que de repente sair com outra, levar para um restaurante e gastar mais dinheiro e tudo o mais com a conta e com o hotel depois".

Isso poderia ser em princípio um papo repetido ou até machista...em princípio. Os assombramentos estão ai para mostrar que existem mais coisas do que aquilo que estamos acostumados a pensar.

"Hoje em dia está difícil arrumar uma pessoa companheira" Sim, o termo usado foi o clássico "pessoa". Continua a conversa entre concordâncias fáticas, pois queríamos ver onde aquele papo poderia chegar.

"Mas você que é homossexual deve passar por isso, não?" Diz ele a queima-roupa para o meu amigo. O interessante observar e que merece crédito na conversa é que ele percebeu que éramos amigos de fato, diferente da maioria de conhecidos e amigos meus que acham que nós dois tenhamos algum relacionamento de ordem sexual e tudo e tal... (rima boba, confesso)

Ali é o momento de assombrarmos não com algo que está por vir. Mas com algo que tínhamos dentro de nós. Emoções. Falamos do amor. Das semelhanças entre o vascaíno e meu amigo que não conseguiu ter sorte nesse sentido. Do elogio furtivo do meu amigo "você é bonito, vai conseguir arrumar alguém".

Ele fala mais. Fala da sua dificuldade emocional. Do quanto era difícil para ele a vida a dois. Até pensamos que ele fosse de fora, no meio dessa mesma conversa. Mas ele é de Copacabana, 31 anos, morou no Posto 6 e se mudou para o 4.

Onde encontrar o amor, aqui? Isso quando passamos pelo bar com pessoas bebendo e algumas putas...rimos. Ele se abre. Fala da sua bipolaridade, que vê como se fosse um diabetes. Mas faz psicoterapia também.

Em meio a isso as perguntas e afirmações "você mora sozinho? eu também" "O que vocês vão fazer hoje à noite?"...fala do apartamento onde sempre vai se encontrar com a prostituta que procura, como forma de manter uma ligação. Meu amigo diz o número de seu apartamento e ele fala da necessidade de conversar com alguém. Ele já havia dito antes da dificuldade que tem em ter um círculo de amigos, que os únicos contatos que tem são as pessoas que trabalham com ele e isso só no ambiente de trabalho.

Em meio a esse assombramento de solitários e ao saber o número do ap do meu amigo ele deixa o cartão e o telefone. Já tinha comentado o seu endereço. Era o que faltava naquela noite. Era o momento de confirmar o que Jô Soares disse no "o que vi da vida" no Fantástico: que a conversa era uma coisa maravilhosa. E o vascaíno, mesmo com sua bipoloaridade diz: "viver é muito bom"...conversando, melhor ainda...assombrando então...

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