quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Zoológico Humano, décima edição

Não adianta. O BBB é para o começo do século XXI o que a teledramaturgia foi em seu início despertando a síndrome do "eu não vejo, quem vê é a empregada", marco da nossa cultura que relega às classes baixas a falta de "cultura" - em uma acepção elitista e equivocada do termo - e que agora, com o "mass media" bem mais forte incluindo novas linguagens cede espaço para "BBB é para gente burra" ou algo assim. No entanto esse texto aqui pretende- sim, esse é um texto pretensioso - pensar em outros pontos da décima edição do reality show, que quer queira que não queira os intelectuais (pretensiosos, os autênticos) e seus simulacros (tipo, gente que assiste o Jô Soares para se sentir inteligente) mexe com o Brasil, ainda que na quaresma esqueçamos seus personagens. Viva o pop e a cultura do imediato, isso é fato.

Ao que consta o programa é derivado de uma experiência, até mesmo mostrado na TV Britânica, chamado de Human Zoo. Não sei se essa informação procede, mas a estrutura é bem parecida. Tem se uma casa com 12 pessoas que convivem e desenvolvem laços e que mudam de comportamento ao serem divididos em dois grupos (senhores e escravos) e pessoas que eram amigas outrora se tornam inimigos ferrenhos. Talvez isso sirva como pista para entender o que acontece em torcidas de futebol, em que você pode odiar alguém pelo simples e ridículo fato dele ou dela torcer para outro time.

Mencionei Tv Britânica, tem a holandesa Endemol por trás disso também, enfim. Em países como os EUA, Reino Unido e afins, por conta da marca do empirismo - o conhecimento vem através do objeto observado - a psicologia behaviorista (do inglês behavior, comportamento) faz muito sucesso e muito do que foi revelado em "The Human Zoo", no qual há psicólogos na observação, estão dentro do contexto dessa linha psicológica. Por ela a única coisa observável é o comportamento e só ele pode ser considerado válido do ponto de vista científico. Tudo bem que essa é uma visão mais radical do começo da psicologia e quando o behaviorismo rivalizava com outras linhas, tais como a psicanálise - que traz o conceito estranho, incômodo e inobservável do ponto de vista tradicional chamado "inconsciente" - e a psicologia da gestalt alemã. Esses são outros 500 que não cabe discutir aqui por enquanto, deixe-me voltar ao foco do que é colocado no BBB.

Tudo isso dito anteriormente, sobre a necessidade de dar importância ao comportamento observável é claramente mostrado no BBB. Vejamos bem, imagine ratos presos dentro de uma caixa-jaula sujeito a todo tipo de estímulo e ali cientistas vão observando e anotando seus comportamentos. No caso do reality show os ratos são os participantes e Boninho e sua equipe os cientista. E os telespectadores, não são os que observam? Não, o observado na televisão já foi manipulado em edições cuidadosamente caprichadas, ainda mais considerando o grande número de pessoas que não tem acesso ao Pay-Per-View (e outras que tb tem mais o que fazer ao invés de gastar dinheiro e tempo com essa possibilidade) e que, portanto, estão fora dessa possibilidade. Lembrando o velho Marx, são os telespectadores sem acesso ao dinheiro e consequentemente o poder de assumir esse papel de "bruxos" tornando-se telespectadores. Porém não passivos como a primeira observação pode trazer.

Cada cômodo da casa é cuidadosamente planejado. Todo manual de psicologia experimental e behaviorista está lá. A cor dos quartos, o excesso de espelhos em alguns, o formato, enfim, tudo o que possa alterar o psiquismo de cada um e, consequentemente, fomentar o grande show que se pretende ser o programa. Cabe lembrar que também tem a seleção dos candidatos que, além dos atributos físicos que retroalimentarão a indústria do consumo incluindo revistas "adultas", há também um cuidado na escolha levando em consideração o perfil psicológico de cada um. Tem os clichês que podem chamar a atenção do público: o machão, o valentão, o intelectual, a "galinha', a santinha, o viado enrustido, a bicha pintosa, a "muito franca" e mais uma gama de clichês. Engana-se no entanto quem acha que a seleção é baseada só nisso. Estamos lidando com uma equipe profissional que aqui chamo de "cientistas" com uma inteligência maior que possa parecer a primeira vista. Até porque quando há dinheiro em jogo - e em televisão, órgão ainda poderoso de venda é muito mais que R$ 1,5 milhão, a coisa fica muito séria.

Além desse projeto de ergonomia - algo que as empresas usam para adaptar o ambiente de trabalho o mais propício para os funcionários produzirem mais ao se sentirem confortáveis- completamente bizarro há também outros detalhes. Quem acompanha o programa sempre vê os participantes falando de emoções aumentadas e tudo o mais. O ingrediente para isso? Somemos confinamento, ergonomia bizarra e principalmente, privação de sono, que prejudica a capacidade de atenção, privacidade e, em alguns casos podem levar a alucinações e também afeta o humor. Basta vermos que os participantes vão dormir com o dia amanhecendo, isso após festas regadas a muito álcool - outro ingrediante fundamental neste zoológico - e poucas horas depois são acordados, por exemplo, por Ana Maria Braga e seu papagaio de espuma para manter a audiência de seu programa. Além de cobaias, os participantes são peças gratuitas da engrenagem de funcionamento de uma emissora que cobre o país inteiro, o que faz pensar que o prêmio de 1,5 milhão é uma ninharia perto da grana envolvida neste imenso circo behaviorista. No fim das contas o que conta mesmo é o comportamento de cada um: fofocas, malidicências, edredons, violência verbal e, raramente, física. É da ação das personagens envolvidas que a edição se nutre e joga para gente, narradas pelo Bial, o grande mestre de cerimônia desse circo que precisa sim de um jornalista de nome para tal, porque, ao contrário do que muita gente pensa, a tarefa do BBB não é para amadores. Que o diga o sofrível Britto Jr na versão da aprendiz de feiticeira comandada por pastores pós-modernos (sim, eu adoro esse excesso de adjetivos).

Claro que para o público e até mesmo para os participantes nada é tão passivo assim. Há uma ação sim efetiva destes na forma e nos contornos que o programa adquire a partir de seu desenho. A classificação "sarados", "ligados", "belos", "cabeças" e a preconceituosa "coloridos" mostram que há fronteiras ali que podem ser quebradas ou gerar conflitos não esperados. Pensemos nas discussões entre os "cabeças" Elenita e Alex, que mesmo sendo da mesma equipe e, aparentemente com alto grau de instrução, entraram em choque em certos momentos por conta mesmo de suas individualidades que vão além dos critérios de escolha de Boninho e sua equipe. O racismo velado do "ele nem é tão preto assim", ou os lances homofóbicos de Dourado e sua rixa contra Dicesar alimentado por brincadeiras bem planejadas por Bial para atender a demanda cultural nossa da necessidade de manutenção de uma masculinidade branca e heterossexual, ainda que isso esteja longe da realidade da maioria dos que assistem o programa, mas que de alguma forma se identifica ou, mais ainda, deseja esse ideal (olha eu detonando o neobehaviorista Skinner e voltando pra Freud), essa espécie de supereu cultural. A partir disso surgem as discussões de internet, posts no twitter, as entrevistas que a Globo faz com o povo na rua, as bobagens nos jornais, a alimentação das emissoras longe do poder da Globo que tal como chacais se aproveitam da carniça da programação da Vênus Platinada - Sônia Abrão pode ser considerada o chacal-mor e, até mesmo a existência desse texto e as caras amarradas daqueles que estufam o peito e dizem "não assisto a essa merda". Mas para os que assistem essa "merda" como eu, vou usar uma frase do próprio Bial para Tessália que disse "lixo também se recicla". E talvez nessa grande usina de reciclagem é que o programa encontra sobrevida para 10 edições, claro que amparado no grande poder que a sua emissora apresenta. Neste caso o zoológico humano se torna um verdadeiro "simba safari" via satélite.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Substantivos do reinado de Momo

Ar-condicionado. Informação. Espera. Atendente. Coca-Cola. Sanduíche. Presunto. Queijo. Tomate. Frango. Macarrão. Cibele. Risos. Loucura. Bônus. Livros. Dinheiro. Shopping. Tarifas. Cigarro. Fotografia. Multibloco. Beleza. Alegria. Pulo. Fantasia. Ônibus. Moedas. Trocados. Edições. Cansaço. Saída. Arredores. Cenas. Mijadas. Ruas. Policiais. Albinismo. Marcas. Venda. Cliente. Relógio. Madrugada. Favelados. Lanchonete. Loiros. Elevador. Rio de Janeiro.

Ps: Sim, é um texto hermético. Quando a paciência para outro tipo de texto surgir, será publicado aqui.