domingo, 12 de janeiro de 2020

Sobre o auto cuidado: introdução

Começo de ano é época de resoluções. Algumas delas envolvem autocuidado, tais como
fazer uma dieta ou planejar uma viagem. Eu, por mais que tente me desvencilhar disso
como obrigação, não deixo de ter o meu pensamento afetado por uma necessidade de
refletir sobre isso.

Na transição de 2018 para 2019, a Gabi publicou este video com algumas dicas de
auto cuidado. Algumas eu achei interessantes, mas a reflexão a partir dessas ideias me
fez pensar em outra coisa: será que eu já não pratico esse auto cuidado?

As partes que envolvem a auto estima estão conectadas. Uma delas é o autoconhecimento.
Penso que se permitir a conhecer nosas próprias preferências, nos permite a ter uma relação
mais franca e facilita o cuidado de si. Em outras palavras, mais que pegar receita pronta dos
outros dizendo “vai fazer crossfit e ingira mais fibras”, o mais importante é pensar em coisas
boas a partir do seu próprio repertório e aí sim, colocar em prática.

Quando estou muito estressado, eu me lembro de algumas práticas que eu mesmo criei,
mas que por muitas vezes deixo de lado. Vou publicar aqui uma série de textos sobre essas
práticas, mais como uma forma de auto reflexão e menos como uma cagação de regra do
tipo “faça isso ou aquilo”.
Se alguém ler esses textos eu gostaria que eles fossem apenas um caminho para a prática
desse auto conhecimento e a partir dele descobrir a melhor forma como você lida consigo
mesmo.

E, obviamente, servindo de lição para mim, buscar, também, uma psicoterapia, um dos
meus objetivos por conta das minhas crises de ansiedade.

Que lhe sirva de lição ou o que aprendi em 2019

1. Permitir-se ser amado

Em algum ponto da minha infância eu fui abraçado por um amigo na rua, que estava feliz com a nossa amizade. Aquele abraço me deixou em pânico por dentro, porque passavam algumas coisas na minha cabeça: que logo logo ele não gostaria mais de mim e não teria mais abraços como aquele ou que eu não merecia aquele abraço, por me achar desimportante. Era um gesto e sou tosco em não perceber gestos.

Sou muito ligado à palavra. Uma declaração explícita mexe muito comigo. Mas nem sempre as respostas são assim e há gestos sem palavras mais sinceros que muitas declarações ao vento. 2019 ensinou pra mim, mais de 30 anos depois, que outras expressões de amor e carinho são possíveis e que elas vêm, necessariamente, no tempo que eu quero. E está tudo bem. O que puxa para a próxima lição:

2. Nem todo mundo gosta de você

Vinte anos atrás comecei a fazer análise, mas não continuei por algumas questões sérias com a analista. Mas teve um lance interessante. Eu na época estava saindo do armário e prestes a ter meu primeiro namoro. Não sei em que momento da minha fala com ela que surgiu algo como "se qualquer um desse mole pra mim eu ficaria, sem o menor critério". Foi um paradoxo, pois era uma grande dificuldade minha em assumir o meu desejo e jogar na conta dos outros, o que tinha a ver com a minha homofobia internalizada. Em outras palavras, não apontar "gosto de a, não gosto de b" significaria tomar uma posição efetiva e não a passividade do "pode chegar qualquer um". Eu, em certa medida, lembrava os homens que entrevistei e que, ao relatar suas experiências sexuais com outros homens, diziam "ah ele me deu mole, sou homem e deixei ele me chupar ou comi ele".

Mas existe algo interno na gente que se repete, pois se eu não posso gostar de qualquer pessoa, nem todas as pessoas também irão gostar de mim, E tá tudo bem. Não tem nada demais se aquele abraço da minha infância não rolar, não tem nada demais. Se o abraço terminar, tá tranquilo. Ok, é necessário viver o luto e não simplesmente passar por cima das desilusões amorosas, mas passa. A vida, e não apenas 2019, me ensinou isso. É uma lição que não tem fim

3. Permitir-se à raiva

Um problema meu é não ser explícito com a raiva que eu sinto. E esse ano passei por algumas situações em que pessoas me ofenderam fortemente. E a minha resposta foi cortar relações de vez com essas pessoas. Tem aquele papo Pernalonga de Batom "ai, nessa era as pessoas descartam as pessoas com facilidade, modernidade líquida sei que lá".Tudo bem, eu questiono essas coisas, mas foi necessário que eu me permitisse ao meu sentimento de raiva e avaliar se, de fato, essas pessoas estavam me fazendo algum bem e, de fato, não estavam. Não é uma necessidade do tipo "ah as pessoas tem que ser legais o tempo todo". Isso é impossível. Mas avaliar o peso que aquela relação tem e a relevância dela me fez muito bem.

4, Nem tudo sairá como eu quero

Uma coisa que percebo quando dou minhas aulas é que por vezes quero que meus alunos façam algo do jeito que eu tinha planejado ou que eles obrigatoriamente tenham um determinado resultado. Esse ano rolou algo legal que ajudou a mudar a minha visão nesse sentido, em parte por conta de uma mudança. Geralmente eu dou reforço escolar, mas eu tive uma moçada se preparando pro ENEM e outros concursos, mais que em outros anos. Nessas situações não estou dependendo do currículo do colégio que a moçada estuda. Foi uma experiência positiva porque montamos juntos o nosso cronograma e tivemos reflexões tão fortes, que foram para além da matéria e pegou meu trabalho como um todo. Nem sempre as aulas eram como planejadas, seja por conta de imprevistos, seja porque as aulas tomaram outro rumo, com reflexões mais interessantes que aquilo que eles estavam estudando. Se para muitos adolescentes são chatos, eu digo que muitas vezes eles se permitem a questionamentos que marmanjos de 30/40 anos que ficam chamando os outros de millenial na inernet não se permitem fazer.

E esse exemplo na verdade serve como mote para entender que as coisas podem ser sim planejadas, mas, eventualmente, elas mudam de rumo. Acho que li algo do Deleuze sobre rizoma e o funcionamento da sociedade e de pessoas/grupos que não atendem exatamente o que é desejado. Fazendo uma comparação tosca, é isso. Nem tudo é como o caule e troncos de uma planta. Há raízes que vão em novas direções em busca de nutrientes que dão uma melhor sustentação. No momento, to observando a vida desse jeito

5. Saber ouvir e saber falar

Nos últimos anos tenho me permitido mais a ouvir. Me ecoa ainda na mente a Ana me dizendo, quando tínhamos 17/18 anos, falando que eu seria um péssimo psicólogo porque eu falava demais e ouvia pouco. Pois bem, sei do meu afã narcisista em querer ser ouvido sempre, mas, a partir da crítica feminista ao fato dos homens, em rodas de conversa, sempre interromperem falas de mulheres, procurei ficar mais atento a isso - entendendo também que por ser um homem preto, há recorte racial necessário, pois nossas vozes são caladas, independente da identidade de gênero, mas esse é outro papo- e assim estar em contato com as histórias das outras pessoas.

Além disso, o clima político permitiu que eu fizesse exercício a duras penas e ainda estou aprendendo. Três coisas me fizeram bem: adotar o princípio da caridade na argumentação, a comunicação não violenta do Rosemberg (embora a veja com ressalvas) e a conversa empática. Não sou um expert no assunto, tenho ainda muito que aprender a ouvir e falar, mas é um bom caminho não só para que eu retome a psicologia, mas também a ter experiências mais intensas com as pessoas com quem convivo.

Ps: O título da postagem é uma referência a avó de uma pessoa muito especial pra mim, que disse essa frase pra passar pano numa merda que o irmão dele tinha feito. Vira e mexe me pego imitando ela falando essa frase, especialmente quando eu estou deixando de fazer algo importante