terça-feira, 19 de dezembro de 2017

As experiências como relações amorosas

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo." (Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta)

Tinha um tema no meu Bullet Journal esperando para ser desenvolvido. Lá estava escrito assim: "Das coisas que temos: as experiências que damos valor e as experiências dos outros". Por conta da procrastinação, adiei esse tema junto com os demais que estão lá. Provavelmente esse tema deve ter aparecido em alguma conversa longa com o Evandro, já que vira e mexe ele gosta de discutir temas assim comigo em longas conversas.

Fiquei um pouco relutante, talvez, por parecer um tema de auto ajuda com respostas óbvias do tipo: ah se você está valorizando as experiências do outros é porque há um problema de auto-estima sua. Então esqueça os outros e valorize-se. Fim. Penso que isso seria muito simplista para um tema em que consigo ver outros pontos além desses.

O ponto principal, após bastante tempo pensando sobre esse é: por que as outras experiências, diferentes das nossas, parecem melhores? Daí pensei em dois pontos: tomamos como nossas aquelas experiências e elas não sofrem o desgaste que sofreriam caso fossem realmente nossas.

As experiências que lidamos, sejam as nossas ou a das outras pessoas, quando são consideradas boas, elas passam por um investimento amoroso. A partir daí penso na questão da deterioração. Uma pista pode ser obtida pensando nas relações amorosas em si: em um primeiro momento a pessoa que amamos parece perfeita, até que com o tempo essa perfeição vai desaparecendo e os defeitos vão aparecendo, a pessoa não corresponde àquilo que idealizamos e os defeitos ficam mais aparentes. Talvez, as experiências dos outros que achamos maravilhosas, pode passar por um lado um processo parecido: as tomamos como nossa e imaginamos "nossa, como tal coisa é boa, como fulano vive bem". A diferença é que no fim das contas ela é uma experiência da outra pessoa, não minha. E então não sendo minha não tenho que conviver com o desgaste que ela possa sofrer com o tempo

Ultimamente comenta-se muito sobre as experiências compartilhadas em redes sociais, especialmente as fotos, que retratam sempre momentos felizes. Muitas vezes isso é criticado como algo típico do momento em que vivemos e que seria uma superficialidade e uma maneira de esconder coisas ruins em nossas vidas. E nesse "simulacro" as experiências dos outros que nos aparecem sempre surgem como maravilhosas e as nossas são vistas como ruins, pois não correspondem ao que vemos nas redes sociais. Nesse sentido prefiro fazer uma outra reflexão.

Não vejo o compartilhamento de experiências boas como uma novidade. A diferença é que fazíamos ( e ainda fazemos) através das conversas. Seja num papo de botequim, ou ao encontrarmos uma pessoa amiga nossa após algum tempo ou até mesmo nas famigeradas reuniões de família.Fernando Pessoa, via Álvaro de Campos, já nos deixa bem claro a nossa necessidade de parecer bem sucedido em seu "Poema em Linha Reta".  E , de alguma forma, assumimos as nossas experiências como um valor, a exemplo de nossos bens materiais e sentimos a necessidade de trocá-las com as outras pessoas. Como um exercício de laço afetivo e também de ter no outro o reconhecimento daquilo que fizemos. Quantas vezes numa viagem pensamos "imagine se pessoa tal estivesse aqui comigo agora?"

Eu me lembro das vezes em que, por algum motivo, fiquei sem computador. Ficava imaginando: quando eu voltar a usar um computador vou escrever vários textos. E é uma época em que meus cadernos enchem de rascunhos de contos e poemas. A imaginação tinindo pela falta. Aí quando voltava a ter o computador, o projeto dos textos ficam esquecidos. Enquanto eu não possuía o computador de volta, ele era um objeto ideal para colocar em prática coisas que eu acho maravilhosas. Quando ele voltava, eu me dava conta de que para escrever eu precisaria estabelecer uma rotina e lidar com esforço que é escrever, que é mais que inspiração. O que estava distante parecia ideal e quando a rotina vem, a falta de vontade aparece. Era apenas uma questão de preencher um certo vazio emocional, que por um lado pode ser produtivo, desde que as coisas fossem adiante.

Aqui seria a parte para apontar a solução mágica e simples: gente, vamos entender que as coisas se desgastam e que a vida é assim e que só dessa forma podemos parar com essas idealizações. Só que isso é um processo longo e, caso seja do desejo da pessoa em mudar, não é tão simples. Mas a partir do momento em que se arruma disposição para o entendimento desses processos já há um caminho que permite até perceber de que forma essas idealizações se relacionam com a nossa auto-estima e pode fazer a gente seguir em frente em meio a tantas experiências. Tanto as nossos como o dos outros.


quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Se joga

Uma das minhas grandes dificuldades: iniciar as coisas.

Vou usar a metalinguagem para ilustrar isso. Na página 58 do meu Bullet Journal, feito em julho deste ano, há uma lista de temas que servirão de textp para esse blog. Porém, o combo preguiça e procastinação fizeram com que esse texto, sobre a necessidade de se arriscar e se jogar, só fosse feito agora.

Chega o fim de ano e vem à cabeça aquela velha reflexão: lições aprendidas. E ei-la: se jogar na água fria,

No inverno desse ano -- ok, inverno no litoral do RJ não existe-- por conta da resistência do chuveiro quebrada e a demora em trocá-la por conta da procastinação  me fez encarar a água fria por alguns dias. Lembro-me de ter pego o "The Fat of the Land" do Prodigy pra tocar e a partir do ritmo da música tomar o banho sob a água gelada. A estratégia deu certo e no fim, serviu até para a economia de energia. O corpo se sacudindo produz calor e é uma beleza nesses momentos.

Esses dias meu namorado conversava comigo sobre o que eu quero fazer profissionalmente: terminar minha formação em psicologia, seguir pra uma pós ou fazer outro curso. E daí fiquei em n reflexões sobre como pode ser o futuro, esses eternos adiamentos e a dificuldade em iniciar as coisas. Me veio a mente a ideia principal deste livro (que baixei, mas não o li por inteiro) que fala sobre auto ilusão. Como a clássica "segunda começo a dieta".

A despeito de qualquer amontoado de pesquisas que eu desconheço a sua validade científica, uma coisa legal que fazer o Bullet Journal me mostrou ao ensinar a fazer a lista de coisas foi: passado o dia, aquela tarefa que não foi feita merece ser adiada pra outro dia ou ser descartada de vez? Se não for realmente necessária ou válida, basta riscar. Isso evita a tensão de ter que ver aquela coisa por terminar o tempo todo enchendo o saco ali. Mas essa ideia só tive recentemente ao rever o vídeo do pessoal que criou o conceito dessa agenda.

E voltando a conversa com o namorado. Ele me disse "se quiser fazer algo, inicie". Parece uma mensagem positiva por um lado. Por outro lado, nós dois ponderamos que, embora seja uma mensagem encorajadora por um lado, por outro ela pode ser muito inconveniente. Especialmente quando está lidando com alguém que não está bem com sua saúde mental. Por isso é mega insensível, por exemplo, chegar pra uma pessoa com depressão e dizer: olha pra sair dessa basta você dar o pontapé inicial. Tá, mas com que recursos? Por isso existe a necessidade de ajuda profissional. E eis o grande dilema, respeitar a saúde mental, mas ao mesmo tempo não deixar que a paralisia em não iniciar as coisas piore ainda mais a situação.

Sendo assim há dois processos importantes. Um que permita a se arriscar e poder fazer coisas novas ou retomar aquilo que ficou pra trás e que por uma série de inseguranças, ficaram guardadas. Outra é ver se, com o tempo e a devida reflexão, aquilo é realmente importante e não ver problema nenhum em descartar aquilo, que no fim das contas só servirá para alimentar uma neurose do tipo: preciso fazer tal coisa. A auto-ilusão do livro que citei.

Tão importante quanto se sentir vivo e capaz de se jogar na água fria, ao som da música que se gosta e sair com a pele maravilhosa é pensar no que realmente importante. Esse processo implica num exercício de auto conhecimento que na maioria das vezes surpreende. Especialmente porque aquela procastinação, aquele adiamento pode estar mascarando algum desejo que ainda não foi colocado pra fora e aquele "preciso fazer isso" e que nunca é feito funciona como uma represa pra esses desejos.

 Volta e meia cito nos meus textos e penso no processo de "cortar as inutilidades" dos poetas neoclássicos, a necessidade de um bom acabamento. Um caminho bom no processo de auto conhecimento é reconhecer onde é preciso fazer esses acabamentos, riscando aquilo que for inútil. E poder dar início, se jogar, nas coisas que realmente importam.