quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O dinheiro que não protege

Um tema que estou há tempos para "liquididificar" é o racismo. E como ele tem a sua grande dose de perversão, fica aquela coisa "Odilon, não é melhor não discutir isso, parece que você está se vitimizando etc e tal e bal bla bla" E por ai vai.

Tudo bem que nunca fui um negacionista ou mesmo alienado quanto a isso. Está na minha carne, está em minha própria identidade e disso não tem como fugir. O que eu estava sentindo falta era de uma leitura mais profunda sobre o tema, já que como psicólgo social sempre me foram sensíveis questão de gênero, sexualidade e violência. Considerando o racismo como algo ligado á violência estrutural e tendo experiência em lugares pobres em que a maioria da população era negra assim como eu, sempre senti falta, mesmo nesses trabalhos de apontar isso de forma mais direta e intensa.

E ai vieram a questão das cotas. Os debates a respeito do tema. O chorume de gente como Demétrio Magnoli e Ali Kamel. O caso envolvendo "Caçadas de Pedrinho" do Monteiro Lobato. As velhas manifestações no dia da Consciência Negra em que me dá mais revolta quando vejo um negro repetindo o discurso negacionista. Eu sei que como estrutura e instituição, essa opressão é devidamente internalizada por todos. Ainda assim, mexe comigo. Bem como as falácias sobre o tema, as mais clássicas ditas até por pessoas cuja inteligência admiro, mas esbarram feio quando não tem ou não querem entender o seu privilégio na sociedade. Poderia até fazer uma lista deles aqui, mas seria chover no molhado. Ou deixo para um próximo post.

Dito isto, vejo hoje o caso do Neymar no campeonato paulista. O jogador foi chamado de "macaco" pelo técnico do ituano e na hora reclamou com o juiz. Depois fez o estilo "deixa disso" e disfarçou dizendo que era apenas um "mal entendido". Cá nessas terras temos a esquizofrenia de um país em que as pessoas sempre conhecem alguém racista, mas ninguém admite que o é.

O negacionismo de Neymar é recorrente. Ele mesmo ao desconversar sobre racismo ele disse que nunca o sofreu porque "eu sou branco". Algo parecido foi dito por Ronaldo Fenômeno. E vejo isso, especialmente nos meios mais pobres, já que no país, sendo a cor um patrimônio, como bem explica Muniz Sodré, o tom de pele do negro mestiço um pouco mais claro confere-lhe uma aparente "vantagem", mas essa mesma se desmonta. Eu mesmo percebo isso, quando algumas pessoas ficam indignadas comigo quando afirmo a minha negritude e dizem "mas Odilon, você não é negro, é moreno (ou moreno escuro, seja lá o que for) e ai me lembro da melhor frase de Fabiana: "meu filho, nem meu cu que não pega sol é moreno".

No entanto o ocorrido com ele no jogo é um fato que desmonta algumas ideias. A primeira é a afirmação de que "raça" não existe, ou que querem "racializar" o brasil. Bem, quando alguém xinga o jovem jogador de "macaco" tem duas coisas ai: primeiro a raiva  em um discurso racista. Outro ponto é que esse xingamento não é uma novidade criada pelo tal técnico, mas ele é comum em nossa cultura racista. Então, o racismo é sim um fato social e psicológico, ainda que alguém apresente 50 teorias da biologia dizendo que raça não existe (ela está certa em seus pressupostos, mas a biologia não dá conta dos fatos sociais). Se tem gente que acha que Adãoe  Eva é verdade absoluta como alguém vai deixar de ser racista só por conta de dados do projeto Genoma?

Além disso mostra que a velha falácia do preconceito apenas social é mentira. Neymar tem seu nome e prestígio no futebol apesar da pouca idade. Deve ganhar 50 vezes mais que um ministro do STF (não fiz as contas, mas com certeza é mais, me permitam a hipérbole) e é contratado em diversos comerciais e tudo o mais. Veja, se o preconceito fosse apenas social no Brasil como alguém o chamaria de "macaco" durante uma partida?

Uma das coisas que sempre me chamaram a atenção no futebol, eu como torcedor, é que nele paixões são liberadas. Sentimentos absurdos surgem, entre eles a raiva, por conta da disputa. Não é à toa que, infelizmente, vemos brigas de torcida com morte mostrando o caso mais extremo da violência e geralmente contra alguém que o assassino sequer conhece e o odeia por apenas torcer para outro time. Pois bem, é nesse cenário que as censuras baixam e a sombra do nosso negacionismo aflora. Não que o racismo seja circunscrito ao futebol, que ai seria uma loucura da minha parte afirmar isso, mas como esse caso do Neymar é um bom exemplo de como esse tema é presente em nosso país, em nosso mundo.

Sendo assim, um tom mais claro, grana, fama e sucesso não vão te resguardar do racismo. Ele é uma instituição mais entranhada do que isso. E um passo importante será nós mesmos não negarmos isso e não ter medo de encarar a situação de frente, nem medo de dizer o que pensa sobre isso, tal como estou fazendo agora.

Ps: Aqui tem um texto interessante sobre o racismo sob a ótica da psicologia behaviorista.






terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Não há nada especial



“Seria a experiência de que não somos grande coisa e, em particular, não somos a única coisa que falta para que o mundo seja perfeito e para que a nossa mãe seja feliz. Isso parece (e é) uma coisa fácil de saber e mesmo de admitir, mas uma experiência efetiva dessa superfluidade de nossa existência é uma outra história. Nesse momento final, o sujeito vivenciaria, logicamente, uma espécie de desamparo depressivo, mas também uma extrema liberação.
Por que liberação? Pois é, o que mais nos faz sofrer talvez seja justamente a relevância excessiva que atribuímos à nossa presença no mundo, pois essa relevância é a pedra de fundação de todas nossas obstinadas repetições, é graças a ela que insistimos em ser sempre “iguais a nós mesmos” (sendo que, no caso, essa expressão não tem um sentido positivo).”
–Contardo Calligaris, em “Cartas a um Jovem Terapeuta” Quibado daqui

Ainda me lembro que na época do meu primeiro relacionamento o Fábio me disse: “Odilon, não cai nessa do ‘você é especial’ que isso é mentira, balela”. Na época achei um tanto radical a postura do meu amigo (em geral, meus amigos são radicais). Afinal, por que razão não somos especiais para quem nos diz que nos ama? Parece cru, mas a minha experiência me mostrou que a crueldade de fato está nesse “ser especial” muitas vezes.

Parei para pensar no mundo que me cerca  - por vezes é muito difícil me alienar dele- e pensei em alguns pontos. Na era em que vivemos não só reis, rainhas e príncipes podem ser especiais. Tendo dinheiro você pode querer se sentir especial pela roupa que comprar ou o carro que dirige. Se tem capital social também você é o especial na área VIP no show aberto da Praia de Copacabana no réveillon. Outros querem ser destaque, diferente das pessoas comuns em outras frentes. Pode ser participando de uma palestra motivacional, lendo um livro de auto-ajuda ou indo para uma igreja em que o pastor diz que você é um eleito porque Jesus te ama e você há de prosperar.

Me vem a primeira pergunta: será que esse ter – junguianamente falando – pode nos levar a sermos especiais?

E sobre ser especial para alguém? E quando se sai do plano material e entramos no campo dos amores e dos relacionamentos, será que meu amigo está errado em sua radicalidade?

Parece que vivemos em um mundo que temos pânico do ser comum, ao mesmo tempo em que as coisas mais simples ganham status de originalidade. Me lembrei dessa matéria que outro amigo postou sobre um local sem rede wi-fi que de repente se tornou especial para a estratégia de marketing da kit-kat.

O psicanalista Joel Birman  certa vez disse que o processo analítico é quando deixamos de pensar que somos especiais e vemos que somos todos ridículos. Penso nisso quando a associação livre que nos torna sujeitos e faz aparecer o sujeito do inconsciente nos faz perder toda a lógica cartesiana elaborada do mundo e ali nos vemos com a “sujeira” que estava debaixo do tapete: nossas raivas, mesquinharias, desejos, amores, tristezas, medos, invejas, culpas e tantas outras coisas e como qualquer mortal. E não há nada de especial nisso.

Quando alguém afirma que sou especial me dá um certo medo. As pessoas podem criar essa categoria para a qual há um conjunto de regras para serem seguidos que outras pessoas fora dessa caixinha de especialidades não pode. Fulano me maltratou, me tratou como o cocô do cavalo do bandido, mas você Odilon, não pode porque é especial. É essa a crueldade do "ser especial"...você entra numa redoma de idealização e a pessoa joga a culpa para cima de você em função desse rótulo e impede qualquer discussão de forma realmente humana , isto é, fora de idealizações, de igual para igual. É um amor narcísico no qual só a ideia que a própria pessoa cria de você conta e não quem realmente você é interessa. Imagino Narciso no lago olhando a imagem de um outro amado que na verdade é ele mesmo.

Claro que dentro dos relacionamentos amorosos a minha ideia de “não ser especial” justifica toda a sorte de impropérios que você pode dirigir ao outro. Eu sei que por muitas vezes já manifestei raiva, ódio e menosprezo com aqueles que amo. Mas nesses casos o que cabe em mim é julgar eticamente o que eu faço como um ser humano mortal como qualquer outro e não como um cara que tinha a carteirinha do “acesso vip do coração do outro” e de repente a perde diante de uma falta, por mais grave que ela seja.

Junto com o “ser especial” vem as idealizações. Elas são frutos do investimento que fazemos. Por isso seria um absurdo eu falar que não tem essa de “ser especial” porque não faço investimentos amorosos e/ou sexuais. Claro que os faço: sejam com meus livros, com as minhas roupas, minhas ideias ou as pessoas a minha volta. Não julgo isso moralmente enquanto não prejudico a relação com o outro. O que é importante, sempre, é saber que posso fazer sim as minhas idealizações, escolhas e investimentos. E isso se dá não porque eu e o outros somos especiais, mas sim porque nos amamos, com todo tipo de qualidade e defeitos.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Para onde vai essa arca?


Aproveitei esses dias para ver Noah's Arc, seriado americano de 2005-6 que há muito tempo o Evandro tinha falado para eu ver. Acabo de ver toda a primeira temporada e, sendo assim, minhas observações se basearão nelas.

O seriado tem os seus pontos positivos: para a época chama a atenção que temos um elenco de atores negros, algo bastante negligenciado. São pessoas que vivem fora do "gueto" e as personagens parecem-me bem menos plastificadas do que os que vimos em Queer As Folk, em que todos falam de forma impoluta, quase num cantochão. No caso de Noah's há espaço sim para a bicha pintosa que não é tratada de forma negativa. Isso não é excluído.

Pena que os pontos positivos ficam nisso. Poderia aqui falar que o seriado poderia ser feito por atores brancos, exceto na questão de alguns temas que foram mal abordados: a questão da masculinidade, uma personagem que se relaciona com um negro "do gueto", o comportamento que é chamado de DL (mal traduzindo seria estar no armário) e a relação com as igrejas, que representam um papel importante naquela sociedade.

A questão é que tudo isso é tratado com extrema superficialidade. Sem falar que todos se encaixam num molde de ricos, bem vividos e mesmo de diante de conflitos mais sérios (como a personagem que se relaciona com um médico soropositivo) é tratado de maneira rápida, sem chance para o drama que a série, ao optar em discutir isso, deveria ter feito. Ai o seriado não sabe se é um Queer As Folk ou um Will and Grace com atores negros, sendo que no caso da última série, ela tem uma agilidade nos diálogos que permitem a comédia funcionar e atente ao que ela propõe. Em Noah's isso fica muito indefinido.

Quando se pensa em minorias as discussões tendem a polarizar. Dois exemplos: se o foco são os gays surgem dois discursos básicos, que são o da bicha pintosa esteriotipada ou da bicha rica bem sucedida que não dá pinta num claro processo de "limpeza" da imagem. Se o foco são os negros, pode-se pensar nos negros nos guetos em contexto violento de alta criminalidade ou no negro bem sucedido e rico podendo posar em comercial de margarina. Essa polarização é o problema.

Se a questão toda é discutir diversidade que se coloque. Crie-se espaço para as diversas formas. O problema em Noah's Arc é que isso ficou preso. Fora que é evidente outra polarização entre os atores principais são "flamboyants" e que se relacionam, cada um deles, como o tipo "macho man", muitas vezes inertes. As personagens Trey Iverson, um cara que a gente não sabe se é enfermeiro ou o Coisa do Quarteto Fantástico (a atuação de Gregory Keith é quase uma pedra) e Wade (Jenssen Atwood) são alguns exemplos. No caso de Wade há várias possibilidades, mas Atwood está mais preocupado em mexer o queixo da mesma maneira, esteja sua personagem rindo ou chorando.

E é aquilo: série de TV está preocupado com o lado comercial. Então não consigo encará-la como algo "revolucionário" e inclusivo "per se". Ao mostrar personagens só com esse aspecto o que enxergo é a grande questão quando se discute politicamente os direitos das chamadas minorias: queremos direito como cidadão ou queremos ser apenas consumidores de produtos? No caso de Noah's Arc pelo que se vê na primeira temporada, ele opta pelo segundo caso. Uma pena.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Cores, Odilon!

Gosto dos meus amigos fotógrafos que nunca me explicaram de forma definitiva a diferença de uma foto preto e branco para uma colorida. Ok, eles me disseram algo, sobre formas e tudo o mais. Só que a pergunta chave é: o que eu percebo como diferente?

É muito intuitivo. No meu quarto mesmo há uma foto que tinha tudo para mostrar o grande mar azul da Praia do Forte em Cabo Frio. No entanto o P&B me possibilitou dar mais valor às formas e, em especial do casal que se abraça vendo o mar.

Por vezes o pensamento é assim. Quando adolescente sempre me achei muito "firme" do que pensava e acreditava e, ao mesmo tempo, muito em cima do muro diante de muitas questões. Até hoje há quem me veja como muito "diplomático" pelo fato de não ser muito afeito a inimizades. Como se elas fossem imprescindíveis para a vida. Eu não sei. Tem gente no mundo que eu não gosto e tem gente no mundo que não gosta de mim, viver é isso. Sei que hoje sinto o pensamento radicalizando e ao mesmo tempo não tão firme com proposições como na adolescência. E por vezes vejo os meus amigos passando dos 30 em sentido inverso...

Lembro-me da Bárbara falando para o Osmar valorizar as cores em suas fotos. Ele gosta muito e se sai muito bem com fotos P&B, apesar de que há algumas coloridas. Quanto a mim ele fala das minhas "alopradas" com cores esquisitas com as quais elas ficam.

As cores me dão uma sensação de mutabilidade e de algo também que um dia vai sumir, algo transitório. E por vezes posso pensar assim com certas emoções que, por mais que elas pareçam ser certeiras (preto&branco), por outras podem se apresentar infinitas, cheias de possibilidades e matizes. Foras as que não enxergamos, tal como acontece com o espectro do infra-vermelho e o ultra-violeta.

Talvez na hora de tirar um retrato interno do que pensamos e sentimos, por vezes vale valorizar as formas e ver as coisas de forma mais crua. Por outras colocar ou apreciar cores que um dia podem sumir. E depois ainda se dar conta que mesmo aquela imagem como um todo pode não durar para sempre, assim como é a vida. No fim, o que não se pode perder, tal como o requisito de toda boa fotografia, é o olhar.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Queda livre

No ano que passou, o austríaco Felix Baumgartner quebrou o recorde mundial de queda livre saltando a 39 mil metros acima do solo. Quando soube disso me vem sempre as perguntas dos críticos quando alguém realiza esses feitos: para que esse feito? Qual o objetivo disso? Satisfação pessoal apenas? Qual a utilidade prática de alguém escalar o Everest?

No mundo capitalista meritocrático provavelmente muitas desses experiências poderão render bons livros de auto-ajuda e palestras motivacionais milionárias, em especial se considerarmos que o discurso e os saberes são em nossa sociedade um meio de produção que pode ser capitalizado. Mas o meu pensamento de hoje não vai de Marx. Vou para outros pensadores.

Mas por que pensei no Baumgartner? Fui questionado hoje sobre "me sentir só" e com uma conotação negativa, como se eu não reconhecesse o amor de quem está a minha volta diante dos momentos de tristeza. Daí pensei numa série de perguntas a mim mesmo, a saber:

1. Eu me sinto sozinho quando estou triste? Sim. A minha tristeza tem uma necessidade grande por solidão. E acho que a maioria das pessoas também reage dessa forma como forma de reflexão. A solidão aparece ai como necessidade para que essa mesma tristeza seja depois quebrada.

2. Estar sozinho me deixa triste? Se a escolha é voluntária não. Ela parte de uma necessidade e que seria estranho que isso obrigatoriamente conduzisse à tristeza. Por outro lado existem as solidões que não comandamos, a do abandono, sobre a qual não temos controle e, nesse sentido, a solidão como fruto desse abandono pode deixar triste. Freud esmiuça isso bem no seu clássico "fort-da" em "Além do Princípio de Prazer" quando o menino é deixado pela mãe e, para ter algum controle da situação, brinca com uma bobina  para não lidar com a dor da saída da mãe. A solidão voluntária tem um quê disso também.

3. Estar acompanhado pode aliviar a tristeza? Depende se a companhia está na mesma sintonia que a minha e se eu a desejo. Caso contrário há um conflito de interesses e aí é aquele famoso clichê do "sozinho na multidão" justamente por nossa cabeça estar em um ponto e as pessoas ao nosso redor em outro. E aí entra uma questão fundamental que é até base do amor: o reconhecimento.

O Baumgartner estava lá se jogando no espaço e aparentemente sozinho no meio daquilo tudo. Mas junto com ele havia uma série de equipamentos que o comunicava com a base na terra e ele era visto por pessoas no mundo inteiro no momento de seu feito. Ainda assim, creio que no momento da entrada na atmosfera a comunicação vai embora e esse olhar do outro é zero. O que se passaria na cabeça dele ali sem esse reconhecimento?

4. É possível estar feliz sozinho? Sim, é. Daí pensei em duas solidões. A primeira é kafkaniana, na qual eu fico num quarto fechado e angustiado sem ver o mundo externo. Essa é muito ruim, mas por vezes necessária quando o objetivo é apenas ficar quieto. A segunda é nietzschiana, que pensa no homem a sós consigo mesmo empreendendo uma viagem sem um objetivo último e superando sempre um ponto. E para superar esse ponto ele não pode pensar em um fim último, numa ideia acabada (daí a sua crítica à metafísica de Platão e a ininteligibilidade de Aristóteles). Nesse sentido não há o "essencial invisível aos olhos" simplesmente porque não há uma essência a ser buscada. É bom se perder em meio a viagem e sem se preocupar em encher os bolsos com certezas. Essa solidão por vezes é muito boa e a boa viagem não é confortável...ela é feita a pé com bastante desgaste das pernas e dos pés pois nada pode ser alcançado por uma Divina Providência. A dor simboliza o potencial humano. E é essa solidão que talvez me bate na cabeça agora.

E onde ficam os espaços do reconhecimento, do auxílio e até mesmo o cuidado do outro? Há espaço para isso? Estar a sós consigo é impedir a si mesmo de ser amado? Significa uma barreira?

Por vezes o caminho da solidão é necessário em meio a tristeza na busca de alguns novos conhecimentos acerca de si. Em outras ocasiões pode mascarar uma certa arrogância que se julga capaz de lidar com as dificuldades de maneira absoluta. E sou capaz de perceber esses dois movimentos meus, já que muitas vezes assumir dizer que está triste é assumir uma fraqueza ou se colocar vulnerável. Aliás força e fraqueza são temas interessantes para eu pensar daqui pra frente. De qualquer forma nenhuma solidão ou tristeza são coisas absolutas. Sentí-las faz parte da vida e ainda bem.

Mesmo num mundo que tenta a todo custo evitar o sofrimento, como no alerta do post anterior do "preciso entender se você está confundindo as coisas para te proteger" quando na verdade pode ser apenas um exercício de poder que retira a autonomia da descoberta e proteger o ego de quem faz a pergunta de uma possível retaliação futura. A eterna gangorra do Eu e o Outro, do só e do acompanhado.

Independente de qualquer coisa, assim como Baumgartner, estou quebrando as minhas barreiras...






domingo, 13 de janeiro de 2013

Meu inferno é todo meu

Certa vez, saindo da faculdade, em frente ao Iate Clube esperando o 107 junto com o André Russi ele me saca a pergunta: já pensou Odilon, se o inferno fosse pessoal? Acho que conversava com ele sobre a peça Huis-Clos de Sartre que se passa no inferno.

André naquele tempo já era agnóstico. Ele tinha um passado espírita-kardecista e o rejeitava por considerá-lo muito moralista. Se bem que ele sempre me dizia "Odilon, temos que ter um crivo moral". André faleceu em 2008, ano que para mim também foi marcado por rupturas emocionais que se estendem até hoje.

Existem perguntas desconcertantes e que revelam o que termos de pior e de melhor. De forte e de fraco. E, se o "inferno são os outros" para Sartre, talvez ele habite dentro de nós mesmos. Nos sentimentos que ainda somos incapazes de compreender ou permitir que eles existam. Apesar de que muitas vezes sermos "fiéis ao que sentimos e/ou pensamos" implique em absurdos, grosserias e até mesmo violência. Mas esse é outro tema.

Voltanto às tais perguntas ou a uma pergunta apenas: Odilon você não está confundindo as coisas? Pronto era a chave que eu precisava para liberar o diabo dentro de mim. Parto para acusações pesadas por saber muitas coisas do interlocutor. Meu objetivo é colocá-lo para baixo, castigá-lo em uma arena emocional que em nada deve ao "choro e ranger de dentes" e fazê-lo se dar conta de que aquela pergunta jamais deveria ter sido feita. E por que tanta raiva assim?

Ela revela sentimentos meus. Intenções e muitas, mas muitas fraquezas. Vai me remeter a situações passadas e amores passados. Momentos em que me mostrei completamente inerte e que ao invés de viver um amor concreto e real fiquei preso ao imaginário. E se alguém me questiona se o mesmo está ocorrendo de novo o inferno é outro. É necessário rebaixar, desmoralizar e deixar claro que o indagador nada conhece sobre o amor e, logo, não tem o direito e nem a competência para me perguntar sobre qualquer coisa. Deve permanecer calado. O meu diabo é como o espiritismo segundo o André, tem algo extremamente moralizador.

Depois eu mesmo tenho que vencer esse tirano em mim e descer ao meu Hades. E nele aparecem homens significativos - aliás devo um texto ao meu "alfabeto" sobre esse aspecto- na minha vida e como me relacionei com cada um deles. Aparecem situações que eu mesmo me senti subjulgado e, exatamente por isso o meu diabo emocional é tão punitivo comigo mesmo e sádico com os outros. E provocar esse "diabo" causa rupturas ao ver que na verdade podem existir forças muito mais poderosas, criadoras e, por que não, mutáveis.

É o momento de chorar muito, de soluçar. De se sentir sem proteção alguma. De se sentir sem chão e ao mesmo tempo jogado nele. De se sentir em estado bruto, primal. A chave se abre como o parto e a criança se dá com o mundo exterior. E dá o primeiro choro. Mas agora não estou em 1978 e sim em 2013 com os 35 no meu cangote e com duas perguntas: que homem eu sou e que homem desejo ser? Essas são as perguntas de fato mais desconcertantes e significativas do que o "você não está confundindo as coisas". E qual a razão disso?

"Você não está confundindo as coisas?" tem uma intenção: um cuidado, um medo de "me fazer sofrer". Uma evitação de frustração. Como se os sentimentos pudessem ser captados como imagens do satélite e fazer a previsão mais ou menos certa do que pode acontecer e assim preparar a lavoura para o tempo que chega. Só que essa pergunta se esgota em meio a um turbilhão de sentimentos dos quais ciência alguma é capaz de prever. E nela o interlocutor dá para si um poder de me fazer sofrer, escondido na sombra do "só estou cuidando de ti", quando na verdade quem transfere esse poder ou não sou eu. Ainda tenho que discorrer sobre a síndrome de Dorothy e mostrar como a intenção dessa pergunta pode se desfazer mais fácil que a Bruxa do Oeste depois de levar água.

Prefiro mesmo as outras duas: sou e que quero ser. São dinâmicas. Quem eu sou é uma pergunta do passado e do presente e sem uma resposta definitiva, justamente porque o passado mostra o quanto ela não é nada estática. O que quero ser permite a mutabilidade também e aponta para o futuro. São os baldes de água na bruxa e mostra que o caminho não está em uma estrada de tijolos amarelos, mas está dentro de mim. E isso é mais eficaz que rebaixar o outro, pois ao invés de querer humilhar o interlocutor que faz a pergunta que traz em si um narcisismo ainda que não intencional, eu posso dar valor ao que há dentro de mim. Esclarecer melhor os meus próprios sentimentos.

E daí vem a terceira pergunta: você prefere se manter narcisista fechado em si mesmo? De forma alguma. Essas situações quebram com a necessidade de lutas ou brigas externas por esses motivos e me coloca diante de uma série de emoções presentes e futuras, sem esquecer as que estão no passado e transformar isso em algo sempre melhor. Até porque como diz o Erly em um de seus filmes "diabo não existe, meu inferno é todo meu". Era essa a resposta talvez que não consegui ver naquela tarde há mais de 10 anos com o André.


sábado, 12 de janeiro de 2013

Arquétipos masculinos (1)

Ai fico eu perdido nessas madrugadas na Band e eles exibem "Família Soprano". Me lembro do Lucas Mendes no Manhattan Connection hypando junto com o Caio Blinder "explicando" a maravilha do retrato de um mafioso que ao mesmo tempo era um pai de uma família de classe média suburbana.

Enfim o século XXI começou assim, a normalidade burguesa querendo ser vanguarda.

Fora isso Tony Soprano era ícone de virilidade e força para alguns. O cara pega todas. E para algumas amiguys, sex-symbol.

Ai vejo uma cena que o camarada transa de camiseta e cueca samba canção. Poooooootz

Se isso é arquétipo masculino, Deus, me faça vir mulher e lésbica na próxima vida.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Um caminho incerto, ainda bem


Em um ano que os meus sentimentos mais internos estão como verdadeiros tornados, fui obrigado a pensar sobre um deles:a raiva. Pensei em vê-la até com um modelo emprestado da física, ou seja, pensá-la como uma forma de energia. Sendo assim ela seria produto de uma força de de um deslocamento.

A força no caso eu entenderia como as motivações. Fossem elas externas – algo que alguém tenha feito para eu reagir dessa forma – ou internas, ou seja, ligados a sentimentos que dirijo contra a mim mesmo ou outros que não consigo explicar a causa aparente dele.

O deslocamento seria pensado no sentido de que a raiva tem as suas consequências. Ou seja, se estou com raiva de mim mesmo em função de algo que desagrada a mim mesmo isso me provocará certos efeitos até mesmo ligados a outros sentimentos, sejam eles medo, tristeza e até mesmo motivação para certas ações. Por outro lado esse deslocamento pode ser dirigido ao outro e ai tenho três caminhos que pensei inicialmente: atacar o outro em função da minha rava, guardá-la para mim e isso se transformar em um ressentimento ou ser claro e comunicar essa raiva de forma clara sem que isso se traduza em agressão. Mas como fazer isso? Cadê o manual de instruções?

Em um texto do meu alfabeto ela aparece de forma implícita. Me lembro de que quando fiz análise ela era um sentimento forte, porém não declarado. Quando me lembro da analista falando algo como “falta da falta” era como se eu tivesse medo de nomear o que me fazia falta, porque naquele momento a minha raiva apareceria de forma brutal. Nesse sentido vejo esse sentimento como uma energia atômica: em um núcleo de um átomo de tamanho irrisório há uma energia enorme. Aquele era um momento muito delicado da minha vida onde eu estava começando a exercer minha sexualidade de forma mais plena. E se por um lado eu me sentia deprimido depois das sessões por conta desses sentimentos raivosos não assumidos, por outro me motivou a seguir adiante e, 13 anos depois daquilo tudo muita coisa se transformou em mim.

Obviamente essa transformação é gradual, eternamente gradual e não há um ponto máximo em que tudo se estabeleça de forma perfeita. Também o uso de um modelo físico não dará conta de todas as contradições que os sentimentos trazem e a raiva não é diferente disso. E qual foi o gatilho para isso tudo?

Achei que alguém tivesse a obrigação de me dar satisfação, um sinal de vida no momento em que eu bem queria. Isso não aconteceu. Tentei apelar para algo mais zen, no sentido de que, de fato eu estava sendo um completo babaca egoísta por conta desta exigência e que um homem de espírito superior e melhor estaria além dessas coisas. Quem em 2013, ano novo, eu seria uma pessoa diferente que é magnânima o suficiente para assumir seus sentimentos, mas sem que isso levasse a uma exigência raivosa e descabida ao cobrar satisfações de alguém.

O fato é que, se por um lado, tentei escapar do ressentimento, por outro, a falta de clareza – aquele terceiro caminho que falo na procura de um manual de instruções que não existe- no momento de comunicar o que eu sinto logo de cara, fez com que esse alguém quisesse se abrir em seus sentimentos como forma de chegar nos meus e compartilhar isso. Acontece que, quem está com uma raiva absurda como eu estava, já deveria ter deixado de cara que, enquanto aquela raiva não fosse discutida de forma clara, aberta e imediata, a tal “abertura de sentimentos” seria impossível por conta da minha inabilidade, naquele momento, em querer ouvir tudo aquilo de peito aberto, sem deixar a sombra da raiva se manifestar.

Agora sou capaz de compreender isso de uma forma melhor e de que essa necessidade de comunicar esses sentimentos, mais que questionar as outras pessoas, se faz necessária. E isso não é um puro exercício egoísta, pelo contrário. Quando se coloca os sentimentos para fora estou sujeito sim a avaliação do outro, quer eu queira ou não. E seria importante ver isso mais que um compartilhamento, mas uma transformação. Uma mudança que não necessita de manual de instruções, mas que permita que o caminho da chamada abertura esteja limpo, pronto para encontrar futuros muros que possam ser quebrados e, mais que tudo, que esse não seja o caminho de um só, mas um caminho seguido pelos dois. Diálogo, discurso de dois, compartilhamento, mudanças ao assumir que a raiva tem uma energia sim, poderosa e é algo contraditório, mas que pode impelir para transformações importantes, como as que se deram 13 anos atrás.

E, o mais importante: esse caminho não é certeiro, como que tem "um ponto a chegar". Ele permite que, ao quebrar os muros com essa energia toda, a possibilidade de prosseguir e sempre estar aberto a novidades, a novas descobertas, epifanias e grandes reflexões, como sempre tive com esse alguém. Se já tenho um destino estabelecido - as minhas certezas do que é certo ou errado- essas descobertas se tornam impossíveis e essa jornada será apenas uma mentira.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ah, sim! Começou 2013

Este foi meu segundo reveillon em Araruama e o primeiro em que fui até o Centro acompanhar a queima de fogos. Fui junto com o Sandro.

Foi de uma absurda tranquilidade. O movimento na Amaral Peixoto era intenso e via pessoas vestidas de branco saindo de bairros como o Viaduto em direção ao evento na maior tranquilidade. E o mesmo foi percebido na cidade, ao chegar. Pude tranquilamente armar o tripé da câmera na areia na beira da laguna e fazer as fotos que eu queria.

E a volta para casa foi igualmente tranquila e me dei conta de que bêbado sou capaz de fazer uma ceia melhor do que se eu estivesse sóbrio.

Espero que 2013 seja assim: cheio, intenso, mas sem tumultos. Ébrio, mas com resultados bem interessantes. Luminosos e tranquilos, como o céu de Araruama naquele dia: