segunda-feira, 23 de abril de 2018

Responsabilizar o outro?

Acordo hoje de manhã e o namorado me pergunta algo sobre um amigo em comum: “é verdade que ele tá apaixonado?” Eu: “ah, não. Ele disse que é o outro que está apaixonado e fica mandando mensagens”. Então ouço: é sempre os outros, a responsabilidade é sempre dos outros, nunca é da pessoa.

Durante o banho voltei no tempo, para algo que aconteceu há mais de dez anos. Estava em outra cidade, visitando um casal de amigos muito queridos. E eu fazia uma zoeira que quando algo considerado ofensivo eu dizia “vamos fazer uma oficina?”. Algo como o “desconstruir”, tão comum hoje, só que em tom jocoso. Me senti a vontade porque eu estava entre, como disse, pessoas queridas. Mas lá pelas tantas um deles me disse, em tom raivoso por conta de algo que ele disse e eu dei uma zoada: não, Odilon, é você que está precisando de uma oficina.

Não preciso dizer que graças a minha pouca capacidade de ouvir críticas e ao mesmo tempo por achar que a pessoa levou aquilo a sério demais fiquei quieto. Tentei murmurar algo, mas não saía nada da minha boca, porque eu não estava conseguindo processar o que eu tinha ouvido. Fiquei na minha, nunca mais fiz a tal brincadeira e tudo tem corrido bem de lá pra cá. Mas vira e mexe me pego pensando nesse episódio.

Nos últimos tempos tenho lido e acompanhado alguns vídeos falando sobre discussões de ideias, debates, argumentações e tudo o mais. E há uma premissa bem óbvia, mas que por vezes nos esquecemos, de que a pessoa responsável pelo que fala é a própria pessoa que diz e não aquele que está ouvindo. E em uma discussão saudável, se aquela pessoa que te ouviu fez uma má interpretação, é obrigação tua dizer de novo de modo que aquela ideia fique mais clara pro interlocutor. Entendo que em boa partes das discussões que vemos por aí estão a anos luz desse nível de entendimento, franqueza e generosidade. No entanto, é um caminho.

Acabei pensando sobre o sonho que tive nesta manhã. Só pra tentar ser sintético sobre o significado dele, num primeiro momento o sonho parecia uma forma de zoar a heteronormatividade de um rapaz com quem fiquei. Só que depois parei para pensar um pouco mais e me dei conta que ele ali era só uma alegoria. Que na verdade eu estava usando como escudo para esconder a minha própria heteronormatividade.

Obviamente, não se trata aqui de discutir uma necessidade de ser o “descontruído da galera”, de fazer uma espécie de penitência. Tampouco afirmar que estamos “imunes” a esses discursos. Até porque somos seres sociais e compartilhamos de códigos, valores e uma série de outras coisas em comum. A questão é o velho apontar o dedo para as outras pessoas e não observar a si mesmo.

Sendo assim penso na dificuldade de expor aquilo que se sente, como no rapaz alvo de uma paixão, do que se pensa, como o que aconteceu na outra cidade, ou o que se deseja, como na alegoria que o sonho me trouxe. O melhor então é, ao invés de apontar o dedo pro outro, guardar mágoa de um episódio tão antigo ou não assumir o próprio desejo, é verbalizar isso, admitir e seguir adiante.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Voo de planador



Eu tenho acompanhado essa última edição do BBB, que termina hoje. Uma das coisas que gosto de fazer é ver os comentários do pessoal da WebTVBrasileira, que tem como apresentadores Tati Martins e seu marido, Marcelo Carlos. Uma das várias atividades deste canal, são os comentários de realities shows e, obviamente, o BBB. Descobri o canal no ano passado, ainda que a 17ª fosse uma edição que mal acompanhei.

Eu não estou bem lembrado do dia, mas Tati comentou sobre a forma como ela passou a observar o jogo. Ela observa e lida com comentários em redes sociais de fandoms de participantes fazendo a defesa inflamada dos seus preferidos e pichando os adversários. Tati afrirma que prefere uma relação mais distanciada. E então ela diz algo que ficou martelando na minha cabeça "a gente aprende a não esperar das das pessoas e isso não só no BBB, mas na vida". Isso traria uma visão mais tranquila e menos inflamada, diferente daquela dos fandoms.

Achei essa observação genial. Isso mexeu comigo porque, desde o começo do ano, tenho pensado sobre essa questão de não gastar energias de forma desnecessária, inclusive nas minhas relações. E para isso lembrei dos motivos que levam a esse gasto de energia.

De um lado tem algo na gente em esperar que as outras pessoas sejam iguais a gente. Ou melhor dizendo, que sejam iguais ao que desejamos. Porque é fato que muitas das nossas expectativas estão mais ligadas a modelos que nós criamos em nossas cabeças e consideramos perfeitos que, necessariamente a uma visão "real" de quem realmente somos, pois isso incluiria as nossas falhas, geralmente varridas para debaixo do tapete.

Um exemplo bem clichezão barato do que mencionei antes é aquele da pessoa que fala que sempre foi boa, linda e maravilhosa e não entende porque o universo se volta contra ela. Porque as pessoas sempre lhe fazem mal e tudo o mais. Estou, obviamente, descartando as relações onde há de fato um abuso de poder. Não é o tema aqui.

Por outro lado lembrei do quanto nós resistimos ás diferenças que as outras pessoas nos trazem. Sejam por quem elas são (ou como a vemos) ou pelas coisas que elas fazem. Por vezes essas diferenças são vistas como uma ameaça ao que nós acreditamos. Um furo naquele modelo ideal que criamos, seja esse o modelo que inventamos para nós mesmos ou aquele que criamos em relação ao outro. E daí a gente cria um gasto de energia absurdo para não lidar com essa frustração que esses furos trazem. E diante dessa tarefa inglória, dada a sua impossibilidade, ou ignoramos a situação, ou reagimos de forma agressiva. Não muito diferente dos fandoms, torcidas de futebol ou mesmo na política.

Quando era criança, vi uma vez em uma matéria na TV em que mostrava um avião planador. Ele era  levantado por um Fusca. O carro corria na pista e o avião levantava voo como uma pipa. E ele ia indo pelo céu sem o uso de motor. Ou seja, ele voava ao sabor do vendo, sem a necessidade de um motor que o deixe em funcionamento. A energia vem do ambiente, sem a necessidade de um gasto interno.

Então usei essa metáfora do avião --pode ser barco a vela tb-- em reflexões pessoais nos úlltmos meses, em especial no trato com as outras pessoas. Percebo que não é interessante fazer um gasto desnecessário de energia em determinadas situações. Voltando à visão da Tati, aproveitar melhor o jogo, sem necessidade de cair em uma certa passionalidade com o que estamos vendo.

Por outro lado o avião não voa sem direção. Ele tem um ponto de partida e um lugar para retornar após um tempo. E o piloto tem que saber muito bem manejá-lo. Assim como o canal da Tati, assim como as nossas relações. Temos nossas intenções e propósitos. Não tem como colocar aqui que somos neutros: nossa visão não afeta aquilo que vemos. Ainda que com intenções menos fechadas em função daquilo que achamos como ideal.

Nesse sentido é importante perceber o quanto somos influenciados pelo o que está ao nosso redor, bem como o quanto influenciamos também o nosso ambiente. Nem sempre numa relação simétrica. Aliás, tanto o lidar com a alteridade, como a natureza, nos lembram das nossas limitações.

O importante aqui no caso e permitir-se surpreender com aquilo que aprendemos com essas experiências com menores expectativas. E também vermos que as expectativas não param de vez, elas estão ali. O reconhecimento disso é muito importante. E, aos trancos e barrancos, tentar lidar com essa estranha ecologia entre os nossos desejos e o mundo que nos rodeia.

Ainda estou aprendendo a levantar o voo desse planador, que está bem longe do céu.