sábado, 22 de abril de 2017

Caligrafia

A página do Bullet Journal divulgou esse texto sobre dicas de como melhorar a sua caligrafia. Eu que ando acompanhando muito essas coisas de organização e tudo o mais - até porque eu sou uma pessoa bem desorganizada- achei as dicas be legais. E isso apareceu justamente num momento em que estou dando aula pra uma adolescente preocupada com sua letra para a redação que fará no ENEM no fim deste ano.

Foi aí que me lembrei da minha relação com a escrita. Quando eu comecei a escrever, na infância, tinha o hábito de rabiscar nas paredes. Escrevia muita coisa com letra de forma. A letra cursiva fui aprender no colégio e durante um tempo era considerada feia. A professora do CA (atual primeiro ano) dizia que eu não tinha coordenação motora e que deveria fazer vários exercícios e tal.

Interessante como uma coisa aparentemente simples resvala em outros aspectos. Sempre gostei de ver esportes , mas sempre fui uma negação tanto no futebol, como no vôlei (dois dos meus favoritos) por conta dessa questão da coordenação motora. Sempre me achei ruim em habilidades manuais ou mesmo para fazer desenhos. De alguma forma as minhas criações deveriam aparecer. Voltemos à caligrafia.

Eu tinha um amigo de infância que tinha uma das letras mais bonitas da turma. Ele era meu vizinho também e eu admirava muito a letra dele. E a letra transparecia o jeitão vaidoso dele, sem falar que era um dos rapazes mais bonitos da turma, até porque ele já era adolescente a nós éramos crianças e ele já frequentava festas e lugares que eu ainda não ia, pela idade.

Depois que mudei de colégio e nos separamos foi mais ou menos na mesma época que minha mãe comprou um daqueles livros de caligrafia e daí comecei a ajeitar minha letra. Eu digo que minha letra arrendondada tem muita cara de professora primária e eu ainda hoje tenho ela como ferramenta, uma vez que dou aulas e preciso dela bem legível.

E ao longo dos anos sempre curti ter agendas, cadernos e tudo o mais. Daí entendi que a forma que eu poderia mostrar alguma capacidade minha não seria pelo esporte ou por aqueles maravilhosos desenhos, mas pela criação de textos. E eu sempre gosto, muitas vezes, de fazer o rascunho, escrito, para depois digitar. Isso serve também quando leio algum texto ou tenho que produzir alguma resenha sobre.

Voltando a minha aluna, compartilhei um pouco disso com ela, E foi legal ver que a sua última redação já estava bem legível, fácil de ser entendida e melhor do que os textos anteriores. Ela comentou comigo que gosta de escrever coisas, especialmente frases e citações que ela gosta. Achei isso um bom exercício.

E gosto muito quando vejo a letra de alguém, especialmente dos amigos que fiz pela internet e que, por razões óbvias, nos comunicamos pelos caracteres de computador/celular. Acho bem interessante ver a caligrafia por achar que tem algo da pessoa ali - ainda que eu reconheça que a grafologia não é científica- assim como o rapaz vaidoso lá da minha infância ou da menina insegura com a ruma de provas que tem pela frente.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Psicologia e relações raciais

Essa semana, o Waltinho compartilhou esse texto comigo sobre Virgínia Bicudo (1915-2003). Socióloga de formação e uma das primeiras psicanalistas, ela é referência nas questões de relações raciais no Brasil. Daí, na nossa conversa, a ausência do nome dela na minha formação me fez pensar no quanto as questões raciais foram negligenciadas na minha graduação em psicologia. E daí no quanto é importante refletir sobre essas questões em termos de saúde mental, o que engloba também psicologia e psicanálise.

Na minha adolescência eu cogitei em seguir o curso de Ciências Sociais, mas daí pensei: vou ser o negão clichê que, por ser preto, vai obrigatoriamente pensar sobre o racismo. Por várias outras razões acabei me interessando por psicologia. Só que com o tempo eu pude desmontar essa ideia de clichê e perceber o quanto essas questões precisam ser pensadas. E não apenas no campo das Ciências Sociais.

No meu curso eu enveredei pelo campo da Psicologia Social e, obviamente, pensar sobre várias questões e contribuições de outros campos do conhecimento. Acabei direcionando meu trabalho para pesquisa em temas como gênero (masculinidades), prevenção de violência, sexualidade e adolescência. E isso no campo prático também, no trabalho e não apenas na parte acadêmica. No entanto, nesses campos, a questão racial sempre foi colocada de forma muito superficial, isso quando aparecia.

Tive alguns contatos e experiências que foram positivas durante esse tempo. Tive uma colega de trabalho, assistente social de formação, também negra, que sempre apontava pra mim a necessidade de pensar sobre tais questões. E nos congressos que participei me lembro de apenas um trabalho sobre, e de forma muito voltada pra clínica, sobre a questão do racismo e as implicações da psicologia.

Entre as várias leituras possíveis que faço da psicologia duas delas me ajudam a refletir sobre questões raciais. A primeira é que ela pode tratar do desenvolvimento das potencialidades individuais de cada pessoa e a segunda é que ela lida com o sofrimento psíquico. Neste sentido a questão negra está muito focada nos seus aspectos sociais, mas pouco é pensado em como o racismo age individualmente, no desenvolvimento das pessoas. Por outro lado, uma visão do negro como forte, "aquele que aguenta tudo" traz uma ideia que, discutir saúde mental, é coisa pra gente branca, rica e "fresca", anulando essa possibilidade para as outras pessoas.

Ao longo desse tempo tenho aprendido um pouco mais sobre esse tema. Entre eles penso muito no trabalho do Valter DaMata neste campo e que merece ser lido. Sendo que eu sinto a necessidade de ir mais além, tanto no campo teórico como da atuação profissional.

Há muito tempo tenho refletido sobre a minha formação como psicólogo. Eticamente, ela deve servir para contribuir de alguma forma para a sociedade. Em um país em que o racismo é estrutural e institucionalizado, eis aí um campo para que eu não apenas atue ou pesquise, mas que fundamentalmente sirva para aprendizado e desenvolvimento, tanto em relação às minha questões como a das demais pessoas pretas.