domingo, 25 de março de 2012

Eu nunca tive um amigo negro

Texto de Cláudio Cesar Dutra de Souza em "O Globo" no dia 24 de agosto de 2010

Eu nunca tive um amigo negro


Nunca se discutiu tanto a questão racial no Brasil como na época da aprovação da lei das cotas para negros em nossas universidades públicas. Também foi esclarecedora a percepção de nossas limitações nesse assunto. Subitamente, fomos brindados com as mais sofisticadas teorias sobre a inexistência do conceito de "raça", que seriam muito bem vindas caso não estivesse totalmente deturpadas pelo nosso "racismo cordial".
Ao pensar em um suposto "conflito racial", algumas pessoas foram a público denunciar a inconstitucionalidade, a aberração e a inutilidade de uma política de cotas para negros, visto que não existe racismo no Brasil. Daiane dos Santos, Neguinho da Beija-Flor e tantos outros foram "branqueados" e alçados a sua genética condição europeia que lhes excluiria de uma vaga especial pelo sistema de cotas. Ao lermos o livro de ficção científica de Monteiro Lobato, "O presidente negro", somos capazes de entender o que pode significar tais asserções e os aspectos políticos nelas envolvidos. Branqueamos os nossos negros, paradoxalmente, para mantê-los afastados de nós e de qualquer compensação reparatória, mesmo que mínima.
O fato é que somos racistas até a medula nesse país. Isso não significa que, em nossa história, queimamos negros vivos como muitas vezes aconteceu nos Estados Unidos na época da Klu-Klux-Klan ou que nossos negros fossem impedidos de sentar ao lado de brancos nos ônibus. Isso é tecnicamente incompatível com o nosso caráter cordial-lusitano, até mesmo porque é desnecessário quando os negros "sabem o seu lugar". E onde é esse lugar a qual designamos historicamente os nossos negros?
Basta pensar em qualquer garoto (a) de classe média branco (a) no Brasil em relação ao seu círculo próximo de amigos para se ter uma resposta muito rápida e precisa. Quase ninguém tem ou teve qualquer amigo negro. Quando falo em amigo não estou me referindo a conhecidos, mas sim, aqueles a quem dividimos nossos sucessos, alegrias, fracassos ou angústias. Aqueles que são convidados para dormir ou almoçar em nossas casas, bem como aqueles que podem se tornar objeto de nosso interesse amoroso. Eu jamais tive um amigo negro e tampouco alguma negra pela qual pudesse me apaixonar, pelo simples motivo que não convivi com eles na minha infância e adolescência como estudante em uma escola privada de Porto Alegre. Eles simplesmente não existiam.
Quando veio ao Brasil em agosto de 1960, o filósofo Jean Paul Sartre percebeu com perplexidade a ausência de negros em suas concorridas palestras. "Onde estão os negros?", perguntou ele a certa altura para o constrangimento dos universitários ali presentes. Alguém responderia a Sartre que não havia negros no recinto tão somente por causa da falta de mérito dos mesmos em conquistar um lugar no espaço universitário? Nesse período, o dramaturgo Nelson Rodrigues também se perguntava: "Onde estão os negros do Itamaraty? Procurei em vão um negro de casaca ou uma negra de vestido de baile. O Itamaraty é uma paisagem sem negros."
Nelson publicou em uma de suas "confissões" no jornal Última Hora em 26 de agosto de 1957 a seguinte observação acerca do teatrólogo e futuro senador da República Abdias do Nascimento: "O que eu admiro em Abdias do Nascimento é a sua irredutível consciência racial. Por outras palavras: trata-se um negro que se apresenta como tal, que não se envergonha de sê-lo e que esfrega a cor na cara de todo o mundo. (...) Eu já imagino o que vão dizer três ou quatro críticos da nova geração: que o problema não existe no Brasil. Mas existe. E só a obtusidade pétrea ou a má fé cínica poderão negá-lo. Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja pior. A vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações. Nós o tratamos com uma cordialidade que é o disfarce pusilânime de um desprezo que fermenta em nós, dia e noite. Acho o branco brasileiro um dos mais racistas do mundo".
A exata localização de nossos negros me intriga. Essa inquietação já me levou a dirigir o meu olhar na esperança de encontrá-los, por exemplo, nas universidades em Porto Alegre. Munido desse olhar específico, passei dias no campus do Valle da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em busca de negros nas áreas comuns do campus e não os encontrei, salvo como funcionários da cantina. Em entidades particulares a experiência se repetiu exatamente da mesma forma. Tudo era uma branca e vasta paisagem, com poucas gradações de cor.
Intrigado com tudo isso, estendi a minha observação aos lugares na noite a quais frequento bares, restaurantes, cinemas e casas noturnas em geral. Eles não estavam lá. Não existem negros ou grupos de negros se divertindo junto com brancos ou estudando junto com brancos, salvo raras e honrosas exceções. Essa situação se repete nas principais cidades do Brasil, não sendo apenas um fenômeno típico de Porto Alegre.
Os negros estão nas periferias, nas favelas, nas escolas públicas mais suburbanas, nos presídios e em subempregos pelo país afora. É hipocrisia nossa imaginarmo-nos, por um instante que for, que vivemos em uma sociedade multicultural, inter-racial, ou qualquer coisa desse tipo. É urgente que nossos negros comecem a desenvolver certa consciência racial e a problematizar o lugar que ocupam dentro de uma sociedade racista como a nossa. Que exijam serem reconhecidos para além dos estereótipos e que ocupem os lugares reservados à elite branca. Que exijam a compensação por séculos de escravidão e exclusão a que foram obrigados pelo escravocrata branco. Se bem que, se a reação causada por um reles ensaio de ação afirmativa se deu em um nível histriônico, poderíamos esperar coisas piores de nossos alvos cidadãos em face de ações mais contundentes

quinta-feira, 22 de março de 2012

Enquanto isso, na Câmara de Vereadores...

Bem, estou para transferir este ano meu título eleitoral para Araruama, onde a teocracia neopentecostal é palavra de ordem. Bem, no Rio, dada a sua maior diversidade temos um amálgama de reacionários machistas clássicos, como Carlos Bolsonaro, alguns evangélicos e muitos "escorregadios" em relação à distribuição de material didático contra a homofobia. Em outro post poderei analisar melhor a respeito. Só deixarei aqui as melhores "pérolas" dos nobres veradores que apoiaram o projeto de C.Bolsonaro.

"Meus amigos Vereadores, eu não consigo entender como é que alguns colegas aqui acham que esse assunto é bobeira. Para começar, eu não tenho problema nenhum com a opção sexual de ninguém, com a orientação sexual de ninguém. Mas, a partir do momento que você coloca isso acima da competência, acho que isso é, no mínimo – não vou baixar o nível – inadequado. Então, quanto à sexualidade de qualquer pessoa, eu acho que isso não se discute. Entre quatro paredes cada um faz o que quer. Mas a partir do momento que você cria um programa que estimula, ensina às crianças nas escolas que determinados tipos de comportamento são normais, acho que já começa a ser covardia, principalmente porque todo esse tipo de material é destinado para crianças do primeiro grau. " Carlos Bolsonaro
 "No meu primeiro mandato eu recebi reclamações de pais de alunos que as escolas estavam distribuindo cartilhas ensinando meninos a fazerem carícias em meninos, e meninas em meninas. Fui a Secretária Sonia Mograbi e expliquei a situação, ela desconhecia e quanto à orientação sexual e religiosa cabe aos pais e não as escolas públicas. E o que nós estamos querendo preservar aqui são as famílias. Quero deixar outra coisa clara: eu amo os homossexuais, amo os gays, mas amo a prática deles. Quero deixar isso bem claro e sou a favor (sic) desse projeto." Márcia Teixeira

 "Srs. Vereadores, Sras. Vereadoras, na época dos senhores e das senhores estudando, quando eram crianças, tiveram alguma orientação sexual? Será que estamos mudando realmente para melhor, como ouvi falar a nobre Vereadora Andrea Gouvêa Vieira? Estamos mudando. Mas estamos mudando para onde? Estamos indo para onde? Estamos mudando para melhor, atingindo nossas crianças amanhã? Falamos de ensino fundamental no Rio de Janeiro, volto a dizer. Não sou contra homossexual, homossexualismo, não sou contra nada. Sou totalmente favorável a total liberdade. Mas, não a libertinagem! A liberdade do adulto, o adulto tendo uma vez a sua mentalidade, atingindo uma maturidade, ele faça o que ele bem entender da sua vida! Nem Deus proíbe! Deus nos concede a liberdade! Vamos nós proibir? De jeito nenhum! Mas, ajudarmos a formatar a cabeça de uma criança, dizendo: “Isso pode, isso é normal. Se você quiser, de um jeito ou de outro...” Lógico, Vereador Eliomar, com mensagem subliminar. As pessoas não vão chegar lá e dizer: “Oh, você tem que ser! Vai por aqui, é legal, é isso!” Não vão fazer isso! Claro! Mas, se passará uma idéia, nobre Vereador José Everaldo, de que é comum, é normal, é natural! E não é! Não é! Não é! Na minha casa não é! Na minha casa não será! E onde eu puder falar, não será!" Jorge Braz

 " Eu sei que vai ser solicitada a votação nominal do projeto, e o Partido Republicano Brasileiro é favorável ao projeto do Vereador Carlos Bolsonaro. Até compreendo diversas colocações, de diversos Vereadores. Inclusive quero citar uma aqui, do nobre Vereador Eliomar Coelho, que disse que desde que mundo é mundo existe o homossexual. Compreendo. Observem a pintura desse quadro. De 1925. Eu acho que temos alguns cidadãos ali que estão com uma posição, por exemplo, a mão, enfim, sua posição clássica de estar em pé, diante de um portão, ou do lado de cá. Entendemos. É de 1925 esse quadro. Foi pintado por um artista plástico. Temos ali alguns jesuítas, acredito eu. Até compreendemos. Mas tornar isso público para nossas crianças, como bem disse o Vereador Carlos Bolsonaro, é inadmissível. Como pedagoga, é inadmissível trazermos esse tipo de assunto para as salas de aula. Muito obrigada, Vereador, pelo aparte." Tânia Bastos

 "Eu entendo, como orientação sexual, e bem colocou aqui o Vereador Jorge Braz, o professor, na sala de aula, ele tem obrigação de perceber se o aluno é míope; você está dando aula, você sabe, você tem alunos que são reprovados, quatro, cinco, seis, sete vezes, até o professor descobrir que o aluno não aprendia, porque ele era míope, ele não conseguia ler o que era ensinado na escola. E aquele garoto vai sendo taxado de burro por alguns professores, ou muitos professores que demonstram incompetência total para assumir o magistério.
    O professor, se ele perceber algum desvio de comportamento, algum desvio de ações, de alunos na escola, mormente naquela em que o Vereador Bolsonaro está se preocupando, que é na primeira fase da vida, na infância, a função daquele professor é orientar de que forma? O “orientar”, aí, veio, e coloca, mais uma vez, o Vereador Jorge Braz, não é chamar o aluno e dizer... Não.! É orientar através do contato com os pais; com o Orientador Educacional, com o Psicólogo. E esse conjunto, formado pela família e os técnicos especializados, é que vai dar orientação.
    O que eu vejo aqui, como o Vereador Carlos Bolsonaro coloca, e muito bem – quero até parabenizá-lo, Vereador -, é que estamos banalizando a sexualidade. A sexualidade tem que ser tratada com respeito e com cuidados técnicos, com cuidados científicos. O que nós percebemos é a banalização. O que nós percebemos, e o Vereador Bolsonaro aqui mostrou, através de cartazes, é o suprassumo do nada, é o suprassumo da imbecilidade. Eu costumo chamar, Vereador Eliomar, é o suprassumo da imbecilidade fenotípica, aquela imbecilidade adquirida no meio ambiente em que vivemos.
    Tratar dessa questão... Como é que eu vou tratar? Como é que eu vou deixar o meu neto...? Eu tenho um neto de oito anos, vai fazer oito anos, que se orgulha de dizer: “Vô, já estou com uma namorada na escola”. Eu pergunto: “Ela já sabe?”. Ele diz: “Não, vô. Ela não pode saber que eu sou namorado dela”. Será que uma criança dessa pegar um professor... Porque todo mundo aqui defende a questão do homossexualismo. Aí, na hora que o filho é homossexual, e ele descobre quarenta anos depois, quando o filho já casou com três, ele não admite. Porque ele admite quando é lá no outro." Professor Uóston
 " Sr. Presidente, Srs. Vereadores, eu sinceramente estou achando que eu perdi a tarde hoje, porque até agora eu não consegui entender. Pelo que me consta, ate o presente momento, o que foi que eu entendi com relação ao Projeto do nobre Vereador Carlos Bolsonaro? Onde está a discriminação? Nada disso foi dito pelo nobre Vereador, que alias defendeu o Projeto com muita competência. Eu lhe confesso publicamente, eu não teria condições de defender um Projeto com tanta veemência, com tanta competência. O que foi colocado, salve melhor juízo, é a forma como está sendo conduzida. Ora, gente, uma imagem vale por um milhão de palavras! Quantas vezes a televisão usa as imagens até de forma perversa. Muitas vezes um político é apresentado a uma pessoa de uma conduta não muito ilibada e aquilo é colocado para mídia de forma perversa, tentando jogar aquele cidadão na lata do lixo. Então, foi colocado aqui pelo nobre Vereador Bolsonaro. É a forma, ora, uma criança de 6 anos, qual é o entendimento que essa criança tem? Eu hoje tenho 66 anos, muita gente diz que eu tenho 35, mas eu não tive nenhuma orientação nesta área, e nem por isso aconteceu algo errado na minha vida. O Carlos Bolsonaro não está condenando o acasalamento de pessoas do mesmo sexo. Não foi isso que ele disse aqui. O que ele colocou foi a questão de uma criança de 6 anos... Aquela imagem que ele mostrou de um homem colado atrás do outro. Foi isso que ele mostrou. Então se foi isso que eu entendi, ou se eu entendi diferente, eu gostaria da orientação de vocês."  José Everaldo

 "Sr. Presidente , vou até fazer questão de ler a ementa porque já vi tanto discursos. E essa é uma questão que num ano eleitoral tem posicionamentos, e até se fala muito em preconceito homofobia, mas às vezes alguns discursos são desassociados da pratica. Eu já vi alguns políticos defenderem verbas para passeatas gays. E cada um tem sua forma de expressar a sua religião, a sua forma de entender a vida, mas nesse momento é um momento preocupante porque nós estamos votando aqui exatamente o seguinte: “veda a distribuição, exposição e divulgação de material didático contendo orientações sobre a diversidade sexual nos estabelecimentos de ensino fundamental”. Isso quer dizer, ensino fundamental crianças até mais ou menos 14 anos, claro tem algumas de 15 ou 16 anos. Então quero que os companheiros entendam que as outras questões que foram colocadas aqui podemos discutir até posteriormente. O que o nobre companheiro Adilson Pires disse, eu estava presente na Sessão, ele falou do projeto que criava o dia do hetero, e ele até se colocou favorável a projeto porém não entendia que aquela seria a melhor justificativa. Vejam bem ele foi taxado de homofóbico. Isso que é preconceito. Então o entendendo por que exemplo que o Estatuto da Criança e Adolescente diz que criança é de zero a 12 anos, adolescente é de 12 a 18 anos incompletos. Na minha opinião eu entendo que uma criança de 5, 6, 7 anos não está preparada para receber alguns materiais. Por mais que se diga que a Prefeitura não está fazendo isso! É obvio que não está fazendo. E quero a todos os companheiros que o sinal que a Presidenta Dilma teve que interceder sobre a distribuição dos kits, ora Senhores é possível. O que o nobre companheiro Carlos Bolsonaro está apresentando eu entendo e vou votar favoravelmente ao projeto porque entendo que crianças de 3,4,5,6,7,8,9,10 anos não têm o discernimento, por mais que as pessoas digam que sim. Porque alguns estão defendendo o projeto, mas educaram seus filhos falando de forma diferente! E é isso o que eu quero que vocês entendam. Esse momento é de reflexão, mas também de entendimento.
    Quero dizer que o ECA tem no seu artigo 71 - “A criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esporte, diversão, espetáculos e produtos e serviços que respeitem a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Se os adultos não sabem dizer o que é uma criança em desenvolvimento, até que idade? Eu tinha 12 ou 13 anos e tinha um mundo completamente diferente das crianças de 12 e 13 anos.
    Só para finalizar, alguns argumentos falam do bulliyng – que crianças estão se matando porque sofrem bulliyng, porque têm uma orientação sexual diferente da maioria. Temos bulliyng também com o gordinho, com o manquinho, então, por que se coloca apenas nessa situação? Quero encaminhar e lamento que os Vereadores do DEM não estejam aqui, mas a minha colocação é: nada de homofóbico. Aliás, duvido que alguém, aqui dentro, tenha mais amigos que tenham opção sexual diferente da minha do que eu que trabalho no mundo artístico. Não me venham dizer que sou homofóbico! Pelo contrário!
    Sou favorável ao projeto apenas por essa colocação – crianças de 5, 6, 7, 8, 9 anos muitas vezes têm a sua família desestruturada. Claro que a escola cumpre esse papel, mas não é distribuindo material como o kit gay que seria distribuído. Quem teve o trabalho de levar para casa aquele kit está entendendo o que eu estou falando. Quem só fez discurso... realmente vai continuar só fazendo demagogia." Tio Carlos


Recomendo também que se leia o discurso dos 9 deputados contra esse projeto absurdo:

 Adilson Pires (PT), Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), Eliomar Coelho (PSOL), Paulo Messina (PV), Paulo Pinheiro (PSOL), Reimnot (PT), Carlinhos Mecânico (PSD), Brizola Neto (PDT) e Teresa Bergher (PSDB).

quarta-feira, 21 de março de 2012

O essencial

Naqueles insights de fim de tarde e aí me lembro da frase do "Paçaro da Dislexia". Deve ser o fato de agora estar lidando com um adolescente disléxico de 15 anos. Ele troca a ordem das palavras e os cálculos são difíceis para ele. Ainda assim ele encontra uma saída própria, quando a oportunidade lhe é dada e está  longe da superproteção da mãe que insiste em vê-lo como um incapaz. Esses amores estranhos que nos rebaixam...

"O essencial é invisível aos olhos" é uma daquelas frases infames, tipo um Pour Elise literário ou algo do tipo. Bem, daí tentei, por cisma mesmo e criar uma outra frase infame óbvia: "O essencial é visível aos olhos". Os empiristas e os céticos iriam ficar felizes com isso. Aliás considero São Tomé um grande injustiçado...

A psicanálise trouxe o conceito de inconsciente. Lá estariam os nossos desejos "invisíveis aos olhos'? Será? Lembro-me de rir com um amigo nos tempos de faculdade de um mantra que todos os professores freudianos repetiam "o inconsciente não é algo profundo, escondido, ele está ali junto com o consciente".  Frustração para o modelo do "iceberg" no qual seus dois terços submersos sustentam o terço emerso.

Me lembrei da noção de "sujeito". O sujeito na análise é aquele que fala, que dá sentido ao seu enunciado. Nessa fala escapam coisas sem sentido, sem um significado aparente. E é ele, o sujeito, em sua combalida ação se defronta com o desejo que estava mascarado e precisa dar um sentido a ele, ou transformar em outro "sintoma": uma mania, uma fobia ou outra coisa. Eu no meu processo de análise quantas vezes não saía deprimido, arrasado. O Sujeito, ser da fala, aquele que em sintaxe pratica ou sofre a ação do verbo, dava uma marretada no ego que tinha operado mil truques para camuflar o desejo.

Mas os desejos camuflados, o escondido, o que é inconsciente está tudo ali. O que acontece que o essencial é visível, ou seja, só é possível ter sentido e poder nos deparar com o que nos incomoda quando nos deparamos com ele e não escondendo.

Pensei em algo mais simples, como por exemplo: para onde eu viajaria. Se eu tivesse superpoderes conheceria o mundo inteiro. No entanto a minha mortalidade e necessidades materiais me impedem essa façanha. Mas também isso não é motivo para ficar parado. Basta fazer a árdua- sim para um neurótico a dúvida é fundamental para sustentá-lo - de selecionar para onde se quer ir e a partir daí fazer os planos, levantar o que precisa e colocar em prática o desejo. Ok, a vida nem sempre é tão simples assim, mas o enunciado é esse. Mais fácil para uns, mais difícil para outros. De qualquer forma o que se escolhe é o que se torna visível.

Claro que no mundo "invisível" há um mar de possibilidades, essas que nos impele a mudarmos. Ainda assim elas só terão sentido quando quando se tornarem visíveis. Ainda que a caverna platônica fala se uma saída externa onde há uma Verdade absoluta, de certa forma tem sentido do quanto é importante o que está visível.

No frigir dos ovos não há Deus, ideias, instituições ou outras coisas que nos sustente de todo. Nossa psiquê não é bem um iceberg. Está mais para um campo aberto e árido, onde há sim obstáculos e a convivência com os outros, mas no fim das contas cabe a cada um seguir seu caminho.


sábado, 10 de março de 2012

A Pedra que Brilha

Drummond, segundo Alvarus (1941)




Aí o Junior no facebook joga esse vídeo de "No Meio do Caminho" do Drummond. Vou embedar aqui sem medo do ECAD (vai que eles fizeram um acordo com a ABL, MEC sei lá e passe a atuar na literatura)




Bem, eu comecei a ler junto com todos eles em voz alta e ainda perceber como seria a palavra "pedra" nos diversos idiomas, finalizando no Tupi onde é dito o clássico "Ita". De Itaboraí, Itaguaí, Itapemirim e, porque não, Itabira, terra natal de Drummond que significa "A pedra que brilha".

Era criança quando Drummond morreu, mas ele foi um enredo feliz para a minha Estação Primeira em 1987. Acho que foi o primeiro samba-enredo que aprendi a cantar e naquele ano defini a minha escola do coração.

Na adolescência, tomei uma certa birra com Drummond, em especial por conta de "No Meio do Caminho". Achava chato, repetitivo, sem sentido, como muitos conservadores devem ter achado lá pelos idos de 1928 quando esse poema foi publicado.

Ontem comecei a lê-lo em voz alta. Hoje também. Momento tenso, deve ser. Em princípio achei que era por conta da prova de amanhã, mas creio que a a falta de conclusão sobre rachaduras na área de serviço devem de alguma forma me intranquilizar. É a atual pedra no meio do meu caminho.

Não foi um exercício de auto-ajuda. Mas mais importante, de auto-descoberta. Algo que tive, por exemplo com Clarice Lispector ao reler "O Primeiro Beijo".

Ler "No Meio do Caminho" não é só perceber o que externamente te incomoda. Pra mim foi um ato de lidar com a minha própria pedra interna e fazê-la brilhar, ainda que muitas vezes os olhos da alma possam dar a desculpa de estarem cansados, retinas fatigadas. E isso não deve ser de fato esquecido.