sábado, 31 de dezembro de 2011

Do desapego

Nestes dias pensei em uma série de textos, um para cada dia da última semana do ano com pensamentos sobre imagem, retornos entre outros que a falta do meu arquivo txt com os esboços me impede de lembrar.

Daí penso no meu último sonho do ano, que não está no meu blog específico de sonhos, mas aparece aqui por ter a ver com o título desta postagem e por sua aparente simplicidade: estávamos eu e Osmar na porta de seu prédio para ver os fogos em Copacabana. Estranhamente a rua tinha pouco movimento e logo em seguida o loucutor anunciava a contagem regressiva para o fim de 2011. Eu sem entender nada por achar que era mais cedo e meu amigo comemora e me diz que vai voltar pra casa. Na vontade de controlar o próprio tempo (isso já prestes a acordar e podendo controlar o sonho) pretendo voltar o relógio para trás e fazer daquela contagem algo melhor, com mais pessoas, enfim em clima de reveillon.

O sonho ilustra, entre várias coisas, a nossa dificuldade em nos despegarmos a certas coisas, pessoas ou situações. Achamos que somos capazes de controlar tudo e fazer as coisas da forma que idealizamos ou que achamos certa.

O que ocorre que o mundo não obedece ao nosso comando. E talvez por isso vamos tentando, como um colecionador, sustentar relações ou situações que não rendem mais nada.

E 2011  veio com doenças de pessoas queridas e morte de amigos, coisas sobre as quais nem eu nem ninguém temos controle, além de uma profunda transformação emocional. O meu desejo no fundo, a despeito de qualquer controle, é fazer com que as coisas aconteçam como tem que acontecer e, assim como fez meu amigo no sonho, aproveitar aquele momento de forma que dê prazer, independentemente se há 10, 100, 1000 ou um milhão de pessoas na rua. Pouco importa. A comemorãção, ou o recolhimento, quem faz é você e claro dentro das limitações que o mundo oferece.

E que em 2012 aprendamos a nos desapegar mais daquilo que não nos enriquece nada e saibamos fazer, cada um a seu jeito, mais celebrações. Que se dane o número de posts nesse blog, a vontade de fazer textos certinhos para cada dia ou a vontade de controlar os sonhos. Feliz 2012!!!!!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Não gosto dos meninos




Esse curta dirigido por Andre Matarazzo e Gustavo Ferri foi lançado em maio deste ano, mas eu estava mais por fora que umbigo de chacrete. Sorte que um dos que sigo no Twitter passou essa dica e pude acompanhá-lo.
 

O filme me chamou a atenção por vários pontos. Tem o lado de que me parece todos gozam de um mesmo status social - além de, como diz uma amiga minha em tom de piada, "cadê as cotas" ? - , mas isso em momento algum diminui a intenção, a força e a verdade dos depoimentos. E provavelmente muito do que é dito ali já foi vivido por muitos de nós, homossexuais.

Eu sou aquele tipo de neurótico que adora as entrelinhas. É comum ver a repetição, nos depoimentos dos homens em especial, sobre os "modelos". É sempre dito que o modelo que sempre nos é passado é negativo, da bicha louca, que solta a franga e tudo o mais. O que pode parecer negativo a princípio na verdade fez eu ter uma reflexão sobre mim mesmo.

Minhas referências masculinas foram, em suma, de homens heterossexuais - é esse o tema do próximo tópico do meu alfabeto - e, obviamente a vivência sexual e afetiva deles é diferente da minha. E isso não é um detalhe qualquer, mas algo que faz sim muita diferença.

Talvez essa nossa tentativa de "somos normais como quaisquer pessoa" guarda, mais do que a justa luta por direitos civis, uma necessidade de se desviar daquilo que consideramos negativo ou patológico. Talvez por essa razão muitas transexuais, por exemplo, sempre tem que dizer "eu não faço prostituição", como se fosse algo negativo esperado.

Quando me percebi gay vi que poderia não ser o tal "modelo negativo" que é dito nestes depoimentos. Em função disso durante um tempo achei válida a ideia do "seja gay, mas seja homem", como uma forma de ser o "gay parecido com a heteronorma", que na verdade despreza o que nós homens no fundo tememos: o feminino (ou femininos).

Sei que esse é um tema recorrente nesse blog ultimamente, mas ele reflete muito o que tenho pensado a respeito. E o contato com amigos que não têm medo de brincar com esse "feminino", mesmo não o sendo e sobretudo, compreender que da mesma forma que as orientações sexuais são diversas, há homossexualidades. Querer estabelecer um modelo "padrão"  e único para que seja seguido a todos nós homossexuais, de um gay asséptico, e no caso de nós homens, "másculos não afeminados" é tão intolerante, senão pior, que a própria homofobia.

Sim, quando um programa de humor resolve fazer graça em cima da bicha-louca, cabe sim a reclamação que muitos de nós fazemos sobre esse esteriótipo. Ao mesmo tempo cabe ver que famosos como Jorge Laffond ou Lacraia foram formas de expressão igualmente válidas da homossexualidade, ainda que o sistema tenha trabalhado de forma que estas se tornassem personagens que garantissem a tranquilidade que a heteronorma precisa de ver o homossexual como o "desviante".

Se eu reduzisse a questão do homossexual com a imagem devidamente asséptica é só de uma demanda de mercado seria uma interpretação reducionista. Ao mesmo tempo é uma das várias interpretações que se somam nesta questão. Por isso como vemos no vídeo, pode ser reconfortante como em alguns depoimentos do video se assemelhar a essa norma. Nesse sentido me chama a atenção o depoimento do menino com o cabelo "emo", que diferente dos outros não teve um esporte ou a amizade com o grupo de homens para se refugiar e passou sim por hostilização.

Quando se discute homofobia o que se quer é liberdade para as diversas formas dessa expressão homossexual da mesma forma que a hetero também encontra a sua diversidade.

O mais interessante foi que ao navegar por blogs e críticas sobre o filme de deparei com esse post aqui no qual muitos estavam com dúvidas sobre o título do filme. O fato é que essa dúvida vem pelo fato de quem diria isso seria uma lésbica, igualmente homossexual e que , pela forma como lidamos com o feminino é sempre descartado. Esse não entendimento vem disso, já que um homem homossexual diria justamente o contrário. Escolher o título a partir do que seria de uma fala lésbica é um dos grandes méritos deste curta. Até eu mesmo levei tempo para a ficha cair em relação a isso.

Enfim, em ritmo de fim de ano e com textos atrasados para o liquididificador esse curta despertou-me esse interesse. Mas claro há inúmeras outras interpretações a serem feitas a partir daí.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Nan Goldin

Bem, em momento oportunista e para dar uma de "cult", o liuquididificador pega carona sobre a polêmica a respeito da exposição de Nan Goldin no Oi Futuro.

Vamos à celeuma. A dita instituição fez um edital e aceitou fazer a exposição da fotógrafa estadunidense que ocorreria a partir de janeiro de 2012. No dia 20 de dezembro ela estaria no Rio para ver os últimos detalhes e fazer fotos na minha querida Cidade Maravilhosa. Terra do samba, do carnaval, dos corpos malhados em sungas e biquínis nas praias. Do carioca manemolente cheio de gingado e descontração receptivo a tudo que vem de fora. Das muscas siliconadas e nuas nos carros alegóricos da Sapucaí e dos machos de pintos a mostra mijando na rua nos blocos de carnaval, apesar do choque de ordem. Terra das popuzudas do funk, atualmente alçadas à categoria de mulheres-fruta.

Dita essa ironia essencialista, o pessoal do Oi Futuro resolveu de última hora dizendo que a exposição não corresponde à missão da organização que é promover educação e cidadania a crianças e adolescentes. E segue se comentários, a partir da própria organizadora, sobre censura à arte e tudo o mais e claro, momento de criticarmos a terra brasilis. A crítica é válida.

No entanto deixo essa tradução minha de um artigo publicado pela própria Goldin em 8 de julho de 2008. Ela comenta sobre essa polêmica em torno de suas obras no jornal britânico "The Independent". A tradução não tá lá essas coisas, mas é o que temos pra hoje:



" Perversão está nos olhos de quem vê. As crianças nascem sem medo da sexualidade ou de seus próprios corpos. Esse medo é imposto a elas. Crianças são seres sensuais, elas se tocam e gostam de serem tocadas. É o adulto que às vezes tira vantagem desta situação.
Isso não é sobre o que as crianças estão fazendo em uma imagem e não há nada doentio no que diz respeito a uma criança nua. É tão ridículo que nós tratemos isso como um problema na sociedade. Esta é uma das alegrias da vida, o corpo humano.

Meu pequeno sobrinho cresceu na Escócia e quando ele visitasse a América com seus pais, ele correria pela praia nu e as pessoas ficariam irritadas. Quanto mais estamos cercados de nudez, mais ela pode ser desmistificada e mais percebemos que o corpo é belo.

Pornografia já é outra questão. Eu costumo trabalhar em Times Square e muitas pessoas que trabalharam em um bar lá foram profissionais do sexo que ganharam dinheiro em revistas pornográficas. Eu diria que a diferença entre pornografia e arte é essa (em um primeiro momento), crianças são abusadas para agirem na versão dos adultos de suas fantasias sexuais. Abuso de crianças está totalmente relacionado a poder e eu não estou estimulando ninguém a ter relações com alguém menor de idade.

No ano passado quando tive minha exposição na galeria Baltic, o diretor assistente chamou a polícia e disse que havia uma peça lá que você não poderia gostar. A imagem era de duas pequenas irmãs fazendo a dança do ventre. Elas decidiram dançar pra mim, eu não preparei nada. Elas estavam agindo de forma completamente natural. Depois disso eu recebi uma carta dos pais delas para dizer o quanto eles gostaram das imagens.
Mas agora até editores respeitáveis estão com medo de usar esta imagem em um livro do meu trabalho porque eles acham que isso poderia deter a sua distribuição pelos Estados Unidos.


Arte não pode e nem deve ser regulada pelo Estado. Políticos não tem nada a ver com arte ou artistas em qualquer situação exceto caso queiram se tornar colecionadores anônimos."

sábado, 19 de novembro de 2011

O prazer que habita em mim ou uma ursa nada carinhosa

Estou numa fase forte de pensar em uma série de coisas sobre a minha própria sexualidade. Sobre como quero e gosto de sentir prazer.

Quando se está na década de vinte, vamos dizer assim,  muita coisa parece novidade e tem-se a impressão de que está pronto para qualquer coisa. Depois dos trinta, como diz aquela piada infame, se está na idade do gavião, em que você olha bem o que vai comer antes. A despeito dessa metáfora machista posso dizer que ela tem muito a ensinar a todos, eu incluído.

Hoje foi mais ou menos assim: aparece uma figura no msn e marca encontro para aquela noite, assim de supetão. Eu naquela coisa de "tenho que ir para não perder a viagem e nem parecer bobo" me arrumei e fui.

Bem, ai chego e encontro a figura. Um cara de 40 anos, aparentando menos, careca, da minha altura,, gordo daquele tipo parrudão, cavanhaque, enfiim, muito bonito e dentro, para os parcos leitores desse blog, daquilo que chamo de "norte de desejo", isto é, fisicamente está "perfeito" para mim.

Trocamos poucas palavras e vamos em direção a um quartinho miúdo e acanhado que ele aluga em um lugar que me parece ter sido uma pousada nos áureos tempos de Araruama no turismo pré-via Lagos e que hoje me parece ser algo como uma pensão. O quarto está uma zona e ele solta o famoso "não repara na bagunça".

Tiramos as roupas pois uma ideia nossa antes era tomarmos um banho juntos. Naquele momento de ansiedade vou passando o sabonete no ursão. Estranhamente ele não me toca e nem me beija. Daí compreende-se bem o sentido mais extremo do termo "passivo": não é aquele que simplesmente quer ser penetrado, é simplesmente o fato de querer ser apenas tocado, sem te tocar.

Fomos percebendo que a coisa não estava andando e disse-lhe que comigo as coisas não funcionavam daquela forma. Me lembrei do Preto Velho que me afirmou que sou de Oxum, que dentre tantas coisas - meus conhecimentos sobre as divindades afro-brasileiras são parcos- representa o prazer. na minha referência intelectual greco-romana.

Nessa relação aconteceu algo que difere do que a maioria de nós pensamos sobre os papéis sexuais. de modo estanque pensamos: homens são os ativos que chegam metem sem perder muito tempo. As mulheres seriam aquelas que recebem, que precisam de carinho, atenção e afeto. Um binarismo ultrapassado, claro, porém existente e nessa noite me dei com ele de forma invertida: um passivo querendo um cara que não beija, de pau grande e duro ali pra chegar direto e meter nele, ainda que no começo ele tenha gostado do carinho durante o banho, apesar da sua visível insegurança ali naquele momento.

Outro dia conversava com amigos sobre pegação por exemplo e como - sem querer fazer papel de santo- minha sexualidade nesse exemplo só funciona basicamente de forma voyerística e não de chegar ali de pau duro e pá, "mandar ver". Esses papos me permitiram olhar mais para mim mesmo e ver como sinto prazer. E assim como eu disse ao urso dessa noite quando ele soltava o famoso e falso "não vamos perder contato, me desculpe acho que estou cansado e não estou bem", eu disse-lhe que cada um sentia prazer da forma que lhe convia e que comigo não era assim. Não quis perder tempo e fazer uma oficina de sexualidade com ele, já estava tarde e ele mesmo devia estar louco para me ver pelas costas assim como eu a ele.

Pensei em outro cara, da faixa etária deste araruamense, com quem tive encontros no Rio. Ele dizia que não gostava da penetração e que durante suas sessões de análise junguiana ele é "como as mulheres", pois precisa de beijos e carinhos. Tudo bem, beijos e carinhos não são exclusividade das mulheres, há homens hetero e homossexuais que gostam disso, assim como há mulheres que gostam de ir "direto ao ponto". Mas entendi o que esse carioca quis me dizer.

Hoje tive que lidar com isso. Na verdade com todo meu eu, meu prazer e ao mesmo tempo reafirmá-lo. A afirmação do seu prazer é mais do que dizer como você sente ou goza. Diz parte importante da famosa pergunta "quem sou eu". Diferente dos 20 anos, em que me sentiria naquela famosa "obrigação" de tudo dar certo, pude perceber com maior maturidade isso e dizer "maluca é essa ursa", que como parafraseou o Jonas, não é nada carinhosa. E a vida segue.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Araruama e a sua Parada

Ontem Araruama teve a sua Primeira Parada do Orgulho LGBT. Mal divulgada, por razões óbvias, mas valeu o empenho do pessoal do Araruama Free, bem como a colaboração do Cabo Free, além de outras entidade.

A primeira coisa, inevitável, é fazer a comparação com as paradas do Rio e São Paulo. Não como crítica, mas como diferenças que existem por ter diferença entre cidades com 10, 5 milhões de habitantes para uma de 100 mil no interior fluminense.

Aqui havia apenas um trio elétrico e não sei precisar o número de pessoas, mas era pequeno. Ainda assim a parada correu sem problemas e todos puderam se divertir.

Na parte discurso político notei a diferença do discurso. Claro que há as semelhanças nas críticas aos homofóbicos de plantão do meu Brasil Varonil, como Malafaia, Garotinho e Bolsonaro. No entanto, o discurso da militância tinha um lado mais pessoal que um pensamento "macro-político". Em outras palavras, as críticas eram diretas e válidas ao movimento evangélico da cidade e os militantes traziam seus depoimentos pessoais, familiares para argumentar contra a homofobia. Foi diferente do que já tinha visto nas grandes cidades e achei interessante ver as coisas também por esses viés. E também contou com a ajuda de outras organizações do interior do Estado. O melhor é que a maioria dos presentes prestou a atenção no que estava sendo dito, mesmo estando loucos para "fever". E vamos combinar e sermos menos hipócritas de que queremos discursos políticos em 6, 7 horas de parada ou reduzir a ação política apenas em um dia de parada. Ela deve ser vista como um detalhe importante em meio às lutas da causa LGBT.

Me deu a impressão que em um feriadão com show do Exalta Samba na cidade naquela noite havia muitas pessoas de fora. A pergunta também é: quem não é de fora em Araruama? Sejam os turistas ou pessoas que moram mas que vieram da capital como eu.

E o prefeito se ausenta por motivos políticos- entenda-se voto evangélico no pleito de 2012- e manda sua mãe para a Parada. Isso não melindrou o rapaz do Araruama Free falar a verdade, que esta é uma terra de coronéis. Se pensarmos bem, dentro do discurso que foca a militância LGBT podemos pensar como a política que pretende nos amordaçar, bater e matar também o faz com a população em geral.

Outro ponto interessante quando se está no interior é que as pessoas que ali estão lhe são mais próximas. A representante do Araruama Free é Guarda Municipal na cidade. O gordinho que dança com as drags é  o rapaz que trabalha no mercado. O menino da lan house está lá dançando com todos na pista, enfim é uma atmosfera diferente do que eu já estava habituado.

Enfim, em sua pequenez, a Parada mostrou sua grandeza, com suas características e acima dos obstáculos que lhe foram impostas. Que venham as outras.

domingo, 6 de novembro de 2011

Valores contra a parede

Um personagem delirante meu decide escrever a história de um universo próprio em uma parede infinita. Ele é livre para escrever. Quer dizer, nada do que ele escreveu pode-se apagar. Só poderá fazer isso uma única vez.

Talvez hoje eu estive tal como o personagem. Uma pergunta simples, e uma argumentação que não exigiria muito, e lá se vão valores meus contra a parede enquanto questiono os valores do outro. Vamos chamar esse outro, mais uma vez, de Homem-Parede.

Conversávamos sobre a presença de grupos em que há inimizades. E ele saca "grupo que tem muito viado é igual grupo que tem muita mulher, dá muita fofoca e intriga". Eu no meu afã feminista multifacetado - já não era a primeira assetiva machista dessa personagem da vida real em seu machismo - comecei a divagar sobre uma série de coisas. Tentei ser socrático ao perguntar quem mais mata e mais morre, se não são os homens,  boa parte heterossexuais, muitas vezes por motivos banais (há motivo sério para a morte? fica essa primeira questão). Ele me diz: homens são diretos, matam, não perdem tempo com intrigas, enquanto mulheres usam de falsidade. Tentei me perder em teorias mil, defeito meu, quando poderia simplesmente dizer "filho vai ver a próxima edição do BBB em janeiro que, ai quem sabe, você pensa melhor sobre isso".

Humano, demasiado humano. Criamos valores. E muitas vezes o usamos para rotular e discriminar - entenda como especificação- sobre o que o Hegemônico determina como o errado, pecaminoso, doente. Em suma, o que é "estranho" e "fora da norma". Uso um lugar comum também: o que é estranho e que ameaça o controle de quem detém poder causa angústia. Por isso deve ser rotulado, classificado para ser devidamente controlado. Daí é bom sair com boas pré-definições. "Vai me dizer que você nunca viu mulher falsa?". Poderia perguntar "Vai me dizer que você nunca viu um ladrão preto?" E daí poderia usar essa premissa do senso comum para poder estabelecer uma série de valores para manter tudo na devida ordem, tudo dentro da parede. Só que diferente da minha personagem, sem a possibilidade de voltar atrás na criação de seu próprio universo.

Não sou diferente. Sou um homem de universos e premissas. E com certezas no bolsos. Tentando em vão mantê-las mesmo sabendo que elas são como açúcar em água, se desmancham com facilidade. Isso já foi devidamente compreendido. E nesses meus universos compartilho com os demais o tabu da morte. A morte como algo último e que tirar a vida de alguém é condenável, absurdo, ainda que muitas vezes isso não tenha consistência absoluta.

Então, pelo tom da conversa - só pelo tom, não tive a oportunidade de questionar de modo mais profundo porque eu e o Homem Parede temos o mútuo medo de despedaçar tijolos falhos- me pareceu que falsidade tinha um valor mais fácil de ser condenado do que homicídio. No universo-parede, falsidade é intrinsecamente feminino (ou de viados, que por extensão se iguala ao feminino, haja visto que homem "de verdade" não transa com outro e viados são igualados às mulheres para isso parecer mais natural e controlável) e daí, talvez se lá, fosse um país, fofoqueiros, mentores de intrigas merecessem a cadeira elétrica e homicidas, uma liberdade por bom comportamento. Afinal o homicídio não é um fator desagregador, ele extermina logo de uma vez. E exterminando tudo, resolve se de maneira sucinta a possibilidade do conflito, sem espaço para indagações, dúvidas e incertezas que a natureza humana - se é que existe uma - é incapaz de resolver de uma vez em nome de uma suposta Verdade.

sábado, 29 de outubro de 2011

Misericórdia


Corro o risco de ser repetitivo. Pelo estilo, pelo local, pela companhia e a igualdade por coisas fora da lógica que acontecem. No entanto, esses passeios sempre implicam em algo diferente.

Pode ser pelos carros de polícia parado em frente, civil e militar. A curiosidade em saber o que aconteceu no prédio em frente. Os porteiros nao sabem o que acontece, mas o carro da Defesa Civil dizendo "remoção de cadáver" e o choro da mulher em frente esclarecem parcialmente a questão e traz nova dúvida: homicídio ou suicído.

A trava da janela em frente reaparece e fala pelo celular com os amigos em frente e a questão das janelas finalmente se esclarecem pela curiosidade. É hora de ir para a praia.

Lá, há um casal que não se identifica a natureza de gêneros. Em vão ele tenta penetrá-la e resta-lhe então uma punheta. E longe em meio às barracas surgem dois seres vagando pelas areias. O que eles fazem? Andam a uma distância segura um do outro e procuram algo na areia que desconheço. E andam catando algo. Hora de voltar, assim como o casal que deu uma escapadinha no local engradado.

Duas ursas passam e ao nos ver andam em direção à areia. Andam em direção ao mar enquanto sentamos e conversamos e vemos o gestos dois dois estranhos andantes ainda a procurar algo que desconhecemos.

De volta a areia os passantes são passado e longe vão as ursas em marcha muito rápida. A moça está na fase do sexo oral, que a penetração pelo jeito estava difícil. Hora de voltar para a calçada.

Taxis, putas, ponto de ônibus, evangélicos, garrafa de uísque quebrada na esquina, mais taxis e um andar por ruas mais tranquilas. Mais taxis, cigarro que se perde enquanto paramos para jogar conversa fora. Balconistas da madrugada, afagos de amigos depois da enésima cerveja, um coroa que sai do taxi em busca de cigarro e um belo rapaz resolve pegar um carro.

Ao atravessar ela grita "me espera, Aline!", que mais ousada atravessou em frente aos carros sem medo.

Um taxista pergunta se queremos ir. Dizemos não enquanto o homem na porta do puteiro cisma em achar que somos clientes em potencial. Uns cigarros a mais na esquina e paramos mais a frente.

É quando uma figura maltrapilha um tanto suja pergunta se há ônibus para São Conrado. É dito a ele que não, mas ainda há o transporte alternativo. Então ele diz algo sobre Gadernal e remédios e arremata "eu vou lá pra São Conrado cheirar um pó do bom, que está melhor ainda que o pó de Itaguaí, Misericórdia". Ele recolhe suas coisas no chão, pergunta se estávamos indo pra casa e, entre as coisas que recolhe, um exemplar da Bíblia. "Vai na paz", como dizem os evangélicos é a saudação final.

Voltamos para a outra esquina. Um belíssimo taxista está no seu carro. Ficamos na dúvida sobre que movimento ele faz com seu corpo no carro. Ele sai para buscar um lanche no fornalha, e enquanto isso vários traseuntes, incluindo uma mulher baixa de casaco preto que murmura algo incompreensível e duas bichas visivelmente casal, com pinta de turistas latino americanos, entram no puteiro.

O taxita volta para seu carro antigo e bem cuidado. Não pertence à nenhuma cooperativa, não tem número e resta-lhe aproveitar o lanche a após isso conversar com seus outros amigos na esquina. Hora de voltar dando a volta no quarteirão.

Os mesmos no bar da esquina, incluindo um jovem com um velho feio e, mais adiante, com o porteiro do puteiro convidando-nos a entrar de novo, sai um nerd estranhamente bonito. E mais à frente dois bêbados passam cantando um samba-enredo que enaltecem algum time. "Eles vão entrar no puteiro e vão ser expulsos". De fato isso acontece, só que não deu tempo de saber como seria a provável expulsão já que era hora de voltarmos e tirar a areia sobre os pés.

Goiânia





"Meu Destino.

Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.

Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.

Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.

Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...

Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.

Esse dia foi marcado
com a pedra branca da cabeça de um peixe.

E, desde então, caminhamos
juntos pela vida..."
(Cora Coralina)


I.

- Veja como o dia está hoje!
- Tem uma névoa forte, não vai dar praia. Diz-me agora se sabe bem prever o tempo...
- Não sei. Ainda são seis da manhã, e ainda pode mudar. Esse mês é assim.
- Imagino, por isso queria estar em Góias.
- Por que? Lá não tem praia...
- De mar. Mas lá eu sei que o tempo está seco. É assim, tempo de chuva, tempo de seca.
- E quem te garante que lá está seco? Estamos no fim de outubro e as chuvas já vão começar.
- Sim, mas gosto do padrão. Não tem erros...
- Não é bem assim... eu gosto do movimento, como essa névoa.
- Ela está parada e não deixa ver absolutamente nada, nem a praia da janela.
- Não está e lembre-se de que no movimento as coisas podem se revelar.
- Quem disse isso? Newton?
- Eu, agora...

II

- A areia está quente demais, vamos parar aqui?
- Não, vamos na direção da bandeira, se algo no caminho interessar a gente para e dá uma olhada. Tudo está muito bom hoje aqui.

III.

- Viu?
- O que?
- Ali, o falso magro, ou falso gordo.
- Ah sim! Gostei.
- Ficamos aqui?
- Agora

IV.

- Está vendo, até o mar muda seus movimentos.
- Estou vendo os movimentos dele. Todos, até o sorriso.
- É lindo, está descarado.
- É pra gente, com certeza

V.

- O mar está bravo hoje, não rapazes?
- Sim, você viu? Tivemos que pegar tudo correndo e mesmo assim o mar molhou as toalhas.
- É verdade.
- E você é daqui, ou de outro lugar?
- Sou de Goiânia, mas moro aqui no Rio há 1 ano já.

VI.

- E ele?
- O goiano? Saiu, mas deve ter pedido a conta ou pegar umas cervejas na barraca.

VIII

- Voltou.
- E está fazendo exatamente os mesmos movimentos, iguais, regulares como o clima de lá.
- Hora seco, hora frio?
- Isso, talvez espere nossa mudança de movimento.
- Então deveria ter conversado mais.

IX
- Olhou para elas, é isso?
- Sim, ele fez isso perto da água também. Mas só para manter as aparencias.
- Os movimentos para deixar tudo como está.
- Ou nao, a sunga, tá diferente agora.
- Sim, o movimento que ele faz é revelador.
- O que cobre, agora, revela, entendeu agora a névoa?

X

- Olhe, a névoa voltou e cobre o hotel.
- E o goiano, já foi.
- Vamos também? Não tem mais sol.
- Quem sabe encontramos o outro, o de vermelho lá perto do quiosque?
- Ou o goiano poderia ter demorado mais.
- Encontramos ele de madrugada, pode apostar.
- Como voce sabe que ele mora aqui.
- Pelo que ele me disse...
- Bem, faz sentido. Ele trouxe pouca coisa pra praia. Deve morar por aqui perto.

XI

- Viu, ali na moto?
- Vi e vai passar perto da gente.
- Mas ali vem outro. É bonito, mas fala alto, grita. Muito favelado pro meu gosto.


XII

- Tem aquele jornal ai?
- Que jornal? Acho que não existe.
- Quero o outro, o da fofoca sobre espíritos...
- Esse já esgotou.

XIII

- Vai entrar na casa azul.
- Tem todo o jeito, mas repare ele quebra o movimento.
- Para disfarçar..veja!
- Entrou!
- Vamos sair. Até porque pior que verem a gente entrando lá é ficarmos aqui fora. Não somos como aquele rapaz de Estocolmo, que tem essa coragem.

XIV

- Olhe pelas janelas, é um boquete.
- É e tem uma cortina marrom atrapalhando tudo. Mas como você perecebeu?
- Pelo movimento. E veja, as mãos limpam a boca.
- Engoliu?
- Tenho certeza. E não adiantou a cortina querer esconder que vimos. Estou há dois meses querendo saber o que acontece ali e hoje tive certeza.
- Mas não é lindo vê-los se beijando, se acariciando, é tão romântico?  Tal como os dois na banca
- Você para de pensar nisso. Quero ver sexo e você pensando nessas coisas. Vamos mudar o pensamento.
- Tá, olhemos para a janela de baixo que algo acontece ali.
- Viu, a mão toca o outro..
- Sim, os movimentos mudam.
- Como há de mudar o tempo em Goiânia, em Goiás a gente não sabe.
- Vamos então esperar a madrugada e quem sabe não cruzamos com novas emoções.

XV

- Goiania não tem mar, mas tem movimento.
- Ainda bem, para a nossa alegria. Mas o que mais se revela?
- A névoa...que já foi embora. Agora uma lua sorri para a gente.
- Como o goiano, na praia.
- Por isso gosto de estar com você. Você me põe em movimento e assim as coisas se revelam.
- E melhor, quando elas querem se esconder. Esse é o lado interessante da coisa.

Da Trip de Outubro

A revista Trip desse mês tem essa capa ai do lado. Pode parecer bobo, ou lugar comum, dois homens se beijando. Mas como me disse o Matias em uma conversa, o que pode parecer natural para uns, parece estranho para outros. Parece tese sobre a teoria das Representações Sociais, mas na verdade é algo que o senso comum pode observar.

Ontem mesmo, voltávamos eu e Osmar da Cinelândia. Antes de tomarmos a condução, paramos na banca. Ele para comprar cigarros e eu aproveitei para procurar a revista. Não foi surpresa minha ver que esta eduição da trip estava escondida atrás de outras.

Agora explicando para quem não conhece o Ridejanero: a Cinelândia, a.k.a, Praça Marechal Floriano, está situada no coração da capital Fluminense. Na região tem-se o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, prédios comerciais, o cine Odeon - mantido pela Petrobrás tem um ar "cult"- e é ponto de prostituição masculina.

No Odeon era dia da mostra LGBT. Na praça, vários michês a oferecer seus serviços. E não é estranho ver revistas como G Magazine à mostra nas bancas.

O interessante é que o beijo é mais chocante. Por uma visão romântica - aliás me lembrei do epíteto "prostitutas não beijam" - o beijo sela algo mais, o amor. Leituras antropopsicológicas que li, diz que o beijo rompe as barreiras do ativo/passivo, pois a entrada e saída das línguas são mútuas. E por mais bobo que possa parecer, ainda assim, tem certa iconoclastia nele.

O Hebert Daniel dizia em uma reportagem da Manchete antiga feita no Aterro do Flamengo que aquele local de pegação era na verdade um grande teatro de pessoas que escondiam os seus desejos. Antes do encontro com o Osmar, com um amigo que vivencia a sua sexualidade na maior parte das vezes desse jeito e compartilha da ideia do "esse beijo pode chocar as pessoas" ou tem hábito de recriminar moças que andam com short curto demais, dado o ranço religioso que ainda carrega. E naquele mesmo dia tinha feito um "atendimento" no banheiro de uma loja ali próxima.

Usando a clássica frase de Caetano que diz " a gente não sabe o lugar certo onde coloca o desejo", digo que isso se reflete no que vi nessa última sexta. Tentamos colocar ou na pegação, ou no discurso moralista - é legal reprimir nos outros o que não gostamos na gente, não é mesmo? - ou escondemos a revista. Só pela capa, valeu Trip, por pelo menos mexer em parte com esses desejos que tentamos colocar no fundo de uma banca de jornal.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Televisão (ainda) comanda a nação

Neste papo todo sobre a suspensão de Rafinha Bastos do CQC o que me vem à mente é outra coisa. Não apenas a discussão dos "limites do humor" ou algo que o valha, mas de uma coisa muito mais antiga, talvez de 60 anos de idade: o poder da televisão.

Creio que já liquididifiquei alguma vez uma referência sobre a música do Daft Punk chamada "Television Rules the Nation". Em plena euforia e hypes em torno da internet achei o título defasado. Engano meu. O caso Rafinha prova que a ideia do duo francês procede.

A televisão, por mais que se fale da diminuição da audiência com o advento da internet e sua popularização ainda tem o seu poder. Não estudei comunicação social, mas é fato que  muitos dos chamados webhits e downloads de conteúdos via web são, justamente, produtos feitos pela e para televisão.

Rafinha tem seus seguidores no twitter e afins e ganhou o tal título de "personalidade influente". Nessas redes já falou muita bobagem, mas nenhuma que lhe valesse uma suspensão. Acontece que internet é veículo (com ressalvas) selecionados por quem navega. TV é um tiro no escuro e vai para a grande massa. Em programa ao vivo, o risco aumenta exponencialmente.

Quando li a entrevista deste rapaz na Rolling Stones, pensei "esse cara ainda não sacou que a televisão pode colocá-lo no céu ou no inferno". E basta seguir o encadeamento: zoar a Wanessa, que é mulher do Buaiz que é sócio do Ronaldo que mesmo gordo e fora de atividade é uma marca poderosíssima. Bastou um piti do "fenômeno" em não aparecer em programas da Band que a pressão de Jonny Saad deve ter subido a 30 por 19. E daí para suspensão foi um pulo e um grito.

Ano que vem faz 20 anos do impeachment de Collor. Um presidente cuja eleição teve papel decisivo da mídia assim como a sua saída. E esse poder ainda é atual.

E são justamente os anunciantes que contam. Não adianta bancar o "enfant terrible" a esmo se tem um conglomerado de empresas pagando o seu salário e com interesses mercadológicos. Quer ser subversivo, siga o conselho de Flora de "A Favorita": ironia é pra gente engraçada e inteligente. Faltou isso ao Rafinha. É como diz um amigo meu, cuidado ao cair nos extremos, porque senão você pula para o outro como a cobra que morde o próprio rabo. Rafinha mordeu a sua ao querer ser "maldito" e caiu na inocência de achar que era maior que essa caixa quadrada cheia de assombrações, como seu colega de bancada, Marcelo Tas - esse profundo conhecedor de mídia que não deu um toque pro amigo - costuma se referir à TV.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A impossibilidade do sexo como uma possibilidade do amor

Esse título meu parece um  livro de auto-ajuda ou uma palestra pseudo- profunda.
Mas são reflexões que me trazem a viagem noturna pela Serra do Matogrosso. Me vem essas coisas na cabeça, a sensação de sono, o relaxamento faz o cérebro ter devaneios e se livrar de certas amarras. Somado a um papo animado da semana passada que ganha contornos concretos, como essa estátua de Rodin.

Certa vem Alguém me disse que eu só pensava em sexo. Aliás é tema recorrente neste blog, percebi isso. Enfim, discuti isso com alguém que me falava sobre como devo me aproximar não de uma maneira claramente sexual, mas amorosa, de quem cuida e tudo mais e que isso me traria resultados surpreendentes.

Parei para pensar um pouco nisso e vi que faz sentdo. O que falta agora é sair dos contornos e isso virar um fato concreto e real diante da "parede". Ou seja, fazer daquela situação onde o sexo me parece falsamente impossível para uma demonstração de amor real.

Drummondiando

É de Drummond o poema-pílula:

stop
a vida parou
ou foi o automóvel?





Em momentos de poucas horas de sono e glicemia baixa, as palavras de Drummond fazem todo sentido. Apesar de concordar com ele que o poema não é relato do que você sente.

Por que não dá pra ser nerd?

Ser nerd inclui GASTOS. Fazendo parte do proletariado. Aí estuda-se psicologia com forte enfoque social influenciado pela teologia da libertação (quando se é pobre é mais fácil) e daí vira um pseudo-intelectual cheio de ideias filosóficas e discussões liquididificadas.




Ou isso ou tornar-me-ia um nerd da laje, o que a Odete Roitman oculta em mim não acharia  legal.

domingo, 2 de outubro de 2011

No leste, a razão

Sinceramente eu mesmo estava achando engraçado, senão ridículo, os meus textos sobre o que chamei de "quatro pontos cardeais do desejo" ou algo assim. Pareceu auto-ajuda barata e na minha cabeça vieram  vários professores me dizendo: mas tá, Odilon, qual o seu referencial teórico? O que você quer dizer com isso? Como você define desejo?

Essas perguntas e a excessiva auto-crítica se relacionam com o que resolvi colocar a leste nessa minha construção por vezes pueril mais prática: a razão.

Se a ideia de "norte do desejo" surgiu com uma conversa espontânea com um amigo, pensar sobre a razão (redundante, eu?) também surgiu de forma semelhante com várias conversas com diferentes amigos. Uma delas merece ser contextualizada.

O Osmar e o Matias me apontavam como uma certa criatura por quem me apaixonei nada tinha a ver comigo. "Di, ele é burrinho, não combina com você" "Você merece arrumar alguém mais compatível". Ok, muitos vão bradar, chamá-los de preconceituosos ou algo do tipo, mas afirmar que isso é hipocrisia e, ao mesmo tempo, falta de sensibilidade. No século XXI onde mal podemos separar razão e emoção (lá no "sul" do desejo) isso merece uma análise mais detalhadas.

Há a frase que "o coração tem razões que a razão desconhece". Pensamos logo nas emoções, mas vale pensar na razão, a razão como escolha. Algo que não é dado espontaneamente de um mundo perfeito, mas como criação humana.

Não é por acaso que em alguns momentos da história quando se há uma valorização da razão há de se valorizar o que é humano. Na Grécia Antiga, com seus deuses longe da perfeição judaico-cristã - ok, eles obedeciam ao ideal de beleza física em alguns casos - o aparecimento da filosofia significou uma ruptura com o pensamento mágico-religioso. A Renascença ao valorizar o que é humano abriu caminho para a ciência moderna ao tirar Deus do centro do universo culminando no Iluminismo, o século das luzes. Luz como sinônimo de razão.

O aparecimento do sol a leste, ao acordarmos, se assemelha com o nosso nascer. Ao longo do tempo vamos recebendo uma série de informações e trabalhando com elas (seria inteligência, isso?), confrontando-as com nós mesmos e com o mundo. A razão é construída e, obviamente, está de acordo com nossos desejos, sentimentos, intuição e tantas outras coisas.

E quando nos encontramos com o ser amado lidamos com ela, inevitavelmente. A comunicação, que tem seus componentes emocionais e ser uma forma de exercermos poder, tem essa ligação com o racional. Pela razão vamos dando forma ao que pensamos e sentimos. Trocamos ideias, experiências. Muitas vezes procuramos alguém que pense como a gente, outras, pessoas que possam pensar de uma maneira diferente. No meu caso específico, gosto muito da novidade, uma novidade que quebre a mesmice. Algo que o "burrinho" do começo desse texto não poderia oferecer.

Nesse sentido a argumentação dos meus amigos articulam o racional com o emocional. Se essas duas podem ser fontes de preconceito, no caso deles foi uma forma de compreender o desejo. Até porque o amor não é simplesmente a cama, o desejo sexual (como menciono no "norte do desejo") ou o que sentimos, as nossas emoções (o "sul" do desejo). A razão nos articula com o dia a dia, coma convivência, ela pede troca e se articula com o que queremos. E esse meu querer, compreenderam bem meus amigos, não era possível com aquele ser humano. Por amor, eles compreenderam o que minha razão quis escamotear por outras idealizações e fugas que não vem ao caso agora. De alguma forma, a minha razão que eu procurei por momentos desconhecê-las, comunicou o meu desejo. Eles estavam ali, a leste, onde o sol nasce, onde a luz começa.

A foto que ilustra esse post não é à toa. Já definiram a fotografia como a arte da luz, e quando o sol está lá a leste no comecinho de uma manhã sem nuvens tem-se uma luz maravilhosa. E, por mais que a fotografia possa parecer à primeira vista, algo frio - um dos componentes da máquina fotográfica é a "objetiva" - na verdade ela faz o oposto. Com a razão defini o enquadramento e em meio a linhas geométricas do prédio defini o que eu queria de acordo com o meu gosto. Não é à toa que minha professora de filosofia disse, para espanto de todos, que triângulos não existem, mas objetos com essa forma. Uma representação. Razão representa bem o que desejamos e selecionamos para quem estará do nosso lado.








Post aleatório

Para saber se as alterações feitas nesta bagaça realmente funcionamm

O Enclave


É um lugar assim, espremido em um outro lugar que também é pequeno. E aí no meio disso tudo encontramos uma diversidade e várias teorias que temos sobre muitas coisas são revistas e ampliadas.

Tudo aqui entra em grau superlativo. Engraçado esse paradoxo interessante onde o ambiente de outrora parecia maior e agora ele reduz. E em meio a isso as possibilidades aumentam para todos os gostos.

Basta ir à praia para dar uma volta e conferir tudo isso em diversas matizes. Pode ser na drogaria da esquina, na casa que vende salgados, no supermercado, a banca de jornal...não importa! Aqui há várias possibilidades, como o som que toca pagode, rock around the clock e termina, no momento em que digito, com o clássico "Explode Coração" do Salgueiro. Há coisas a explodirem - em sentido muito figurado, ainda mais em uma cidade onde os bueiros são um risco - nestas novas terras.

Se no caminho para cá fui reconhecido por "irmandade" em um escort vermelho na estrada, aqui o reconhecimento acontece com quem estava comigo o tempo todo nesta jornada. E após isso, como sempre, "redes shop" a nossa volta com o clássico ponto de interesse geográfico e a discussão sobre um possível presente de aniversário.

Diminuímos o posto, aumentamos as delícias, incluindo um estranho e lerdo Odilon às voltas com responsabilidades que impede de ver coisas interessantes às voltas em um cyber café. E isso no plano real.

domingo, 11 de setembro de 2011

The woman in me shouts out, the man in me just smiles

Ontem foi uma tarde agradável e ao mesmo tempo surpreendente, como acontece nesses sábados com Osmar. Iríamos nos encontrar com uma amiga dele de São Paulo em Ipanema. Em princípio tiraríamos fotos no Arpoador e coisas do tipo. Para nossa surpresa o evento foi outro.

Ficamos na porta do prédio com a tal amiga, uma moça muito agradável e divertida por sinal. Ela dizia que iríamos ver um "futebol de sapatão". Achei interessante e ao mesmo curioso, já que no lado reverso, a maior parte dos meus amigos homossexuais não se interessam por futebol. Não estou querendo reforçar clichês, já que isso daria trocentas mil teses aqui que não vêm ao caso.

Enquanto algumas jogavam, outra moça começou a conversar conosco. Falávamos sobre sexo, amor e amizade, ela especificando em "nosso meio". Foi um papo rápido, porém muito interessante de onde saíram várias reflexões.

Fui fazendo as minhas velhas conexões entre gênero e sexualidade, já que ela comentava da estranha separação entre amor e sexo, assim como meu amigo. Me dei conta que a solteirice me fez pensar melhor a respeito disso. Pensei na forma que nós, homens, somos socializados, de separar esses dois temas.

 O sexo é "valorizado (as aspas coloco porque sexo para mim vai muito além de um ato sexual em que o homem ejacula, que é como é pensado o sexo de um ponto de vista mais conservador) em detrimento do amor. O amor masculino tradicional fica condicionado num estranho plano metafísico: um suposto amor à mulher dedicada a ele e à família. Na verdade um amor maternal transferido e não um amor pela mulher de fato. Ao mesmo tempo pululam histórias e boa parte das canções de amor masculinas falam da perda de um amor perdido. Talvez esteja na expressão artística o limbo desse amor perdido pela mulher. Não sei ainda como desfazer os nós das ideias desse parágrafo.

O amor está no campo das emoções, onde socialmente é algo que mexe em uma verdadeira caixa de Pandora emocional. E como isso não tem valor no mundo "objetivo" masculino é colocado às mulheres e, dada à opressão feminina, o que vem desse campo é desvalorizado.

Penso naquele tipo de perfil em site gay do cara que diz algo como "curto outro macho numa boa, sem frescuras ou cobranças . De quando olharem para gente na rua que somos dois machos amigos, na moral". Acho engraçado o uso dessas gírias e a necessidade de se manter só no campo privado, o mesmo que é dado ás mulheres, certos afetos e às emoções, o que um poderia realmente sentir pelo outro. Isso é "frescura", algo que não pode ser compartilhado em público e, obviamente, mostrar claramente a própria sexualidade.

Aí o Osmar me conta de uma figura que é desenhista e tem horror a ter que olhar para um corpo feminino nu em seu curso ao ter que fazer desenho da mulher nua. Bem, são situações diferentes em que se manifesta essa espécie de horror ao feminino. Talvez pode ser o que aconteceu comigo ao querer, por tempos, deixar de lado o meu lado emocional.

Do canibalismo

Engraçado que hoje pensava no caminho entre o Flamengo e Copacabana sobre alguns tabus que cercam a sexualidade. Só que antes disso pensei no canibalismo, um tabu de fato e não tão metafórico quanto os demais que pensei.

Estava passando os olhos pela manhã no texto que publiquei sobre o "norte do desejo" que o blogger colocou como o mais acessado cá no liquididificador (de um ponto de vista relativo). Deve ter sido obra do Sagat lá na foto.

Tem algumas comparações entre a sexualidade e o ato de comer. Popularmente, "comer", é um verbo que serve como sinônimo de ato sexual, ou melhor dizendo, de penetração.

Esses dias notei que engordei bem. Segundo Osmar isso se deve ao trânsito de Júpiter em conjunção ao meu sol natal. Segundo eu mesmo é frio, desculpa para dizer que estou comendo demais e sem fazer os exercícios que quero. Daí olhava para o rapaz que corria pelo ponto de ônibus com os olhos do desejo. Um desejo quase canibal.

Dizem que o ato de canibalismo praticado por certas tribos era pra ter as virtudes do morto incorporadas no ato de comê-lo. Talvez parte do meu desejo, esse de natureza puramente sexual, deve ter sido exatamente essa a minha sensação. Algo intuitivo que mostra no olhar ao outro partes do seu próprio ego, um espelho ideal. Deve ser isso que tenho tentado chamar de Oeste do desejo, tema que ainda quero falar sobre.

So the history goes

Não vou fugir ao clichê que muitos já estão enjoados a respeito do 11 de setembro de 2001, que muitos já devem estar de saco cheio em especial pela divulgação já desde a semana passada pela mídia incluindo trocentas análises de pessoas especializadas à palpiteiros de plantão. E como palpiteiro de plantão que sou muitas vezes eis aqui esse post. Não tem como eu não criar uma relação simbólica com os atentados. Minha adolescência e começo da vida adulta- ou adolescência tardia, aquela que vai até os 30, segundo alguns colegas meus de profissão- se confunde com o que eu chamo de "hiato" histórico que vai da Queda do Muro de Berlim/URSS (1989/91) aos atentados promovidos por Osama Bin Laden.

Chamo de hiato porque pareceu para muitos que após os fatos de 89-91 ter-se-ia um triunfo do capitalismo ou mesmo o "fim da história" (Fukuyama) e além disso um fracasso ideológico, ou uma ruptura definitiva de uma espécie de supereu coletivo, uma vez que teriam acabadas as referências políticas que havia sido protagonizadas durante a Guerra Fria. Os atentados mostram uma ligação histórica com o que veio antes. Guardadas as devidas proporções e sabendo estabelecer as conexões históricas corretas, o terrorismo de Bin Laden bem como os problemas na região do Oriente Médio apresenta relações com a política colonialista europeia ao longo dos últimos 500 anos, bem como de interesses da antiga União Soviética versus Estados Unidos, em especial no que tange ao Afeganistão, de onde é alegado o apoio a Osama Bin Laden pela milícia Talibã (ou Taleban como gosta a imprensa paulista) principal inimigo dos soviéticos durante a ocupação daquele país por eles no final dos anos 70 ao fim da Guerra Fria. Fato que é chamado até de "Vietnã soviético".

Se forem pensadas as mudanças no Irã em 1979 (só como um dos vários exemplos) com a chegada ao poder do fundamentalismo teocrático, pode se ter uma ideia de que esse fundamentalismo religioso pode servir para muitos interesses políticos e econômicos. E não se pode esquecer que o próprio governo Bush também teve grande apoio fundamentalista cristão estadunidense. Claro que há muitos outros fatores envolvidos em todos esses fatos, mas o que faço aqui é apenas um recorte observando esse ponto e de como ele pode se servir bem de um suposto "vácuo" ou "hiato" diante de ideologias ou crenças perdidas. Vivi a adolescência, época de luto do corpo infantil e fase de transformação para um novo corpo o que consequentemente causa as grandes mudanças psíquicas, em meio a esse "hiato". Sempre fico pensando nessa analogia em especial na produção artística daquele momento depressivo coletivo e acusado por muitos de pouco criativo (fato que hoje discordo).Minha geração foi a primeira após a geração 60-80 marcada por inúmeras transformações sócio culturais e em função disso foi dito que éramos jovens sem referências de mitos, heróis ou ideologias importantes.

Em 11 de setembro de 2001 o terrorismo pela via trágica impõe a nós que a história ainda não acabou. O que aconteceu ao mundo, assim como comigo, foi uma transformação. Há muita coisa para acontecer ainda em meio a paranoia estabelecida após os atentados. Mas ao menos fica a lição de que como é impossível lidar com decretos permanentes - seja pelo "fim da história" ou pelo fundamentalismo - a respeito do ser humano.

sábado, 10 de setembro de 2011

Das frases e dos fatos

"Se você quer beijar alguém no ônibus, beije alguém bonito!" Ótimos reencontros com pessoas carinhosas. Espero que tenha sido suspenso o efeito Monange e que eu aprenda de vez a lidar com superespecíficas! "Essa é a Sacadura Cabral, achei que fosse uma rua mais habitável" A frase das bichas "the week" soam como uma ótima previsão de como seria uma noite de música ruim e associações tenebrosas as quais chamo de "vida tirana". O que salvou foi a cerveja e as boas companhias.

sábado, 3 de setembro de 2011

Dias hiatos

São bons tradutores de certas náuseas sem explicação. Gregor Samsa esconde-se em uma duna artificial e salgada. É bom se dar conta de certas pretensões: a impossibilidade como criação. Reservar-me-ei o direito ao silêncio e às falas intensas ao coração quando isso for do meu agrado. A não-cartomante me dissera algo assim outrora sobre anos ímpares...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Uma outra segunda-feia

Sim, não há dúvidas. Desde a calçada já havia reparado e você também que eles estão juntos. Tudo bem que o de nariz maior era um tanto quanto safado, mas hoje em dia que casal não passa por essa situação, não é mesmo? Ainda bem que hoje não era de Big Brother, ou seja, sem câmeras como é de costume quando fazemos esse trajeto.

E eu imaginei que hoje iria fazer o melhor estilo figurante do Max Gheringher, mas que nada. Aquela líder comunitária do Fantástico é dedicada. A que vi tinha que lutar com uma impressora matricial - isso me fez sentir na quarta série quando o colégio abandonou os mimeógrafos- e ainda por cima tinha dificuldade em retirar as palavras "primeiro", "segundo" e "terceiro" do texto. E olha que os dois advogados tinham dito a ela para fazê-lo. Enfim, coisas do Estado.

A galeria que leva o nome de shopping - se bem que surpreende pelo tamanho mesmo- tinha de fato muita coisa legal, incluindo a camisa colorida, o abajur anos 80 e o vendedor prateado. Tudo bem que sua saída de escape era individual, mas foi uma volta divertida, mesmo que andando por vários quarteirões, coisa que você não é muito chegado. Mas foi por uma boa causa.

E ai na lojinha você lidando com sua capacidade de sociabilidade e ao mesmo timidez e eu lidando com meu saturno de 1, pinta de reverendo como me disse alguém certa vez. Queria ser mais tranquilo como as meninas que entraram ali depois, mas sabe como é, quanto maior o desejo, maior a repressão.

Hei de concordar que se o vendedor fosse feio e/ou hetero tudo passaria batido. Não era o caso. E bem que reparei o nariz dele em nossa direção quando víamos os dvds. Ele estava doido querendo conferir quais titúlos escolheríamos. Sim, ele queria uma confirmação do nosso gosto, enquanto aquela menina ficava no computador vendo "As Mães de Chico Xavier". Não seria interessante se ela ao invés de estar ali estivesse numa sessão de mesa branca e deixasse a de mesa vermelha - tal como na parede da fachada do prédio adoravelmente vulgar- por nossa conta?

Tive dificuldade de entender, no início como funcionava aquele dispositivo. Até o vendedor tentou explica, mas a provável falta dele de intimidade em certas áreas pode ter deixado-o tímido ou mesmo ignorante naquele assunto. Não importa, a presença dele era desconcertante, a ponto de termos que apelar para chocolates (aliás como era chata aquela sistah falando tudo de forma mecãnica, né?) depois dessa experiência e você já devidamente equipado.

Enfim, foi difícil te dizer essas palavras para sintetizar o dia, mas sabe como são as nossas experiências, se fossem representadas na tela ou no palco seriam muito mais malucas.

domingo, 10 de julho de 2011

Sábados Animados

I)

Ele começa na sexta quase como um "shabat". Ela recebe uma ligação. É a senhoria e o contrato de aluguel termina no dia seguinte. Toma uma decisâo: estou indo para ai mais tarde. Não conhece sequer a inquilina e acha que ela não vai incomodá-la, mesmo que passando a madrugada arrumando caixas para um suposto novo inquilino.

Quebra de regras e Berlusconi, naquele momento é um anjo perto dela, a Porcina de Acari.

Como Judas toma sopa com aqueles que ela vai querer depois ver pelas costas. Se surpreende, mas a inquilina resolve dormir em outro lugar na mesma rua e entrega-lhe as chaves e duas notas de despesas extras. Isso segue sem reclamação, e temos uma noite com morango, "A Origem" e chantilly. Morango surpreendente que julgamos estragados, pela aparência do mercado onde fora vendido.

Dia seguinte, bem cedo a nossa Porcina está a 1000 por hora e importuna aqueles com quem ela teve a que seria sua "última ceia em Araruama". Exige, está pilhada e não quer lá muito papo. Aqueles cristãos resolvem dar a cara para bater porque no fundo a merda estava para acontecer. E aconteceu:

O futuro inquilino reclama dos interruptores retirados. Não há mais negócio. Sorte a dele que tudo fora de boca. Furiosa ela vai embora com o caminhão de mudança, gasto desnecessário e o incidente que alegrou a todos que se surpreenderam no dia anterior com o "estou indo dormir ai".

No dia seguinte descobre-se que não era futuro inquilino, mas futuro propietário. A merda era maior, não havia promessa de compra e venda. restou a proprietária: uma casa vazia, um negócio desfeito, o não voltar tão breve e muito, mais muito Mi Mi Mi!

II)

É aquele impacto de sempre de quem sai da roça, mesmo que semanalmente, para a capital. E aquele monte de gente, aumenta mais a beleza. Lugares outrora familiares continuam familiares com uma dose de maravilhoso estranhamento. Percebe-se melhor a beleza das coisas.

Quebra-se o protocolo, vai-se ao shopping e mais impactante: há compras. Talvez é a necessidade também de estar bonito, pois quem olha quer ser visto. E a frase de Dillah Dilluz, dita no remorso do amigo pelo gasto, pode-se ter uma melhor ideia: "beleza não é só uma dádiva divina, mas um direito que me assiste".

Volta para o setting inicial. Não gostamos de ônibus quadrados, mas resolvemos pegar aquele. O de rosto quadrado senta perto e pode demonstrar que nem tudo no mundo é quadrado. O corpo é feito de curvas assim como os interesses geológicos. O que quebra é o Efeito Garnier, mas o olhar e ser olhado vale a viagem.

Pausa, o amigo tem que cuidadar de si. É o direito que lhe assiste. Nessa espera com cerveja no bar na beira da calçada com aquele jogo horroroso, um reencontro. Um que era muito querido com alguém que se levantava suspeitas no meu relato de Gaydar danificado, morreram de vez ali.

Mais mais mais cervejas. O toque camarada na perna, o afastamento histérico. Depois o braço na cadeira e a retirada desconfiada. A volta do amigo e os papos amenos e mais uma vez teses são quebradas; a do não-quadrado do corpo e que, sim, é possível haver curvas em um corpo branco. O amigo nota a evolução dos fatos escondidos sob o cinza de uma bela tarde azul de sábado. Inverno carioca.

Na despedida ficamos a esperar o que acontecerá daqui para frente. Que barreiras ainda precisam cair. Por enquanto deixemos tudo nestes sábados animados.

O Retorno do Homem Parede


Sou um homem de vários livros incompletos. Um deles se chamaria "O Retorno..." no qual passageiros de um avião sobrevivem a um acidente e cada um deles volta para suas vidas comuns após um tempo terem sido dado como mortos. Não, eu não vi "lost" ou coisa do tipo. O que me me fez ter a ideia fixa nesse texto nunca escrito foi debochar das caricaturas que cada personagem representaria. Talvez eu pegasse alguns tipos que inventei e tem pequenas biografias na minha agenda de 1997, quando não existiam blogs perdidos como os vários que tenho.

Hoje, meio sem vontade de digitar pensei no "Retorno do Homem Parede". E agora penso: o que aconteceria na vida de um homem que nunca se dignou a perceber o que ele mesmo sente e ao mesmo tempo nunca deu conta do que as pessoas que o cerca sentia? Será que essas pessoas teriam relevância? A categoria "amigo" seria um mero enfeite para estar junto e não compartilhar uma experiência mais intensa?

Leio o perfil de alguém que gosta de extremos, do intenso. Sou do tipo que transita entre o se achar mediano - especialmente do ponto de vista moral - nulo ou por vezes original. Talvez meu tipo, a minha própria caricatura, seja a possibilidade de não andar somente nos extremos ou na mediana, mas me perder em todos os infinitos pontos de uma reta que não existe: a vida é curva e tem, segundo os físicos, 11 dimensões.

Nesses caminhos todos que não é reto me deparo com a parede. E essa personagem, esteja eu me inspirando na vida real ou não, me coloca em contato com a minha própria parede. Alguém muito querido me dá uma mensagem dupla "manda se foder" ou "deixa pra lá, o homem-parede tem seu tempo".

A melhor forma de quebrar com o Homem-Parede externo foi descobrir o que há dentro de mim. Abrir uma brecha para "que homem quero para mim" e isso foi fundamental. As vigas vão se enferrujando por dentro, porque a realidade é exposta ao ar, oxigena e corrói e assim as pilastras, os muros vão se derrubando. Descobri o caminho e não a resposta.

Diferente do texto que eu possa produzir a caricatura não existe o tempo todo e nem toda ação, personagens, cenários desfechos serão definidos por mim. O que há são possibilidade e consciente estou de que para elas seguirem, a minha decisão é necessária.

Descanse em paz, Homem-Parede.

domingo, 26 de junho de 2011

Da homenagem


O post de Osmar no Facebook mas a indicaçao do Gustavo também làa me moveram a escrever esse texto a partir de umas boas reflexoes que tive nesta caminhada de meio da tarde de domingo. Eu no pacato condominio burgues e a Parada Gay rolando solta em Sao Paulo. Alias o texto é esse aqui

http://rash-sp.blogspot.com/2011/06/nem-tas-nem-kassab-revolucao.html

Por mais que o texto pareça coisa de militantes imaginarios revoltados ou coisa do tipo ele aponta para uma questao interessante que ha tempo tenho pensado: a inclusao (ou suposta inclusao) do homossexual atraves do capital.

Pensando nas coisas ate o feudalismo, a sociedade ocidental se baseava basicamente na divisao entre os que trabalhavam duro (os servos) e os nobres. No meio do caminho surge uma nova classe, a burguesia, que "ressucita" o dinheiro, as cidades ate as coisas culminarem na Revoluçao Francesa, marco para a tomada do poder por essa classe. Faço esse retrospecto historico para lembrar que esta classe trouxe ao mundo a ideia de que com trabalho arduo e dinheiro, pode-se tomar o poder, antes destinado a somente uma minoria "escolhida por Deus".

Esse reflexo aparece na nossa sociedade, heredeira e continuadora desses ideais em que diversos grupos sociais reivindicam seus direitos a partir da ideia da igualdade, outra bandeira que vem desde os tempos da revoluçao que citei. E ao que parece é comum o argumento de que "gays consomem, gays gastam mais, gays tem mais dinheiro" como forma nossa de conseguirmos a nova versao do titulo de nobreza no seculo XXI: a cidadania.

Em materia para a Revista O Globo hoje, a entrevista com Carlos Tufvesson ressaltam esses mesmos argumentos em relaçao ao turismo gay.

Um paralelo pode ser feito com a questao racial-social nesse singelo exemplo que me vem a mente: Ivete Sangalo e Ronaldo Fenomeno - ricos evidentemente- tentaram comprar uma casa no Jardim Pernambuco, enclave no Leblon, zona sul carioca. Ao que parece houve uma recusa dos moradores venderem suas casas para esses senhores, uma vez que nao sao "pessoas de classe" apesar do dinheiro que possuem. No caso de Ronaldo ainda teve o adendo "imagine ele com aquele povo do suburbio fazendo pagode aqui".

Este exemplo mostra que ainda temos resquicios da Idade Media nas relaçoes sociais e que o dinheiro nao é o redentor, ao que parece. Cidadania, igualdade deve ser vista em um contexto global que ofereça direito a todos. E vou repetir o cliche, ja que as coisas nao parecem claras: independentemente de classe, etnia, genero, orientaçao sexual, religiao etc e tal.

Partido dessa premissa e que Osmar comenta no facebook é mesmo absurdo que a Associaçao da Parada resolva homenagear o sr Marcelo Tas. Ele que capitaneia uma serie de paspalhoes que dao exepediente as vezes como humoristas nas horas vagas que igualam a grosseria pura e simples ao humor "politicamente incorreto". Momento de me lembrar da fala de Flora de "a Favorita" que disse ao Dodi: "ironia é para gente engraçada e inteligente, e voce nao é nenhum dos dois".

Na falta de ironia sobram declaraçoes racistas, sexistas e tantas outras na trupe do Tas, que ao que parece andou ofendendo os baianos no ultimo carnaval. Podem me chamar de tio chato que quer dar uma de correto e se acha imune de preconceitos. Nao se trata disso: eles querem ser o artista e eu sou a plateia a ver o show pifio desses camaradas.

E nesse show ruim acho péssima a ideia da Associaçao que deve ter escolhido Tas nao somente pela sua atitude - sim corajosa- com sua filha no proprio programa que apresenta. Se voce està em um movimento social tem que ter em mente que como movimento ele se conecta com varios outras questoes da sociedade. E vale lembrar, o que seria do movimento gay se nao existisse o feminismo, o primeiro a questionar os valores patriarcais?

Nao quero e nem estou fazendo militancia barata. Mas cabe lembrar que a mera escolha deste senhor me parece uma forma também de agradar ao tiozinho que acha um horror ser gay "mas o meu filho é honesto e pior se ele fosse ladrao ou fumasse maconha", como se a homossexualidade fosse dos males, o menor e nao uma orientaçao digna de respeito e direitos.

sábado, 18 de junho de 2011

Ai que calor!


Eu bem que poderia fazer trocentos mil comentèarios sobre Miss Tacuarembo, musical uruguaio de 2010 dirigido e escrito por Martin Sastre - que faz uma ponta logo no começo do filme como o cara que seleciona participantes do reality show "Tudo por um Sonho"- baseado no romance de Dani Umpi. A trama é simples digna das tramas da teledramaturgia latino-americana: uma moça resolve sair da sua pequena Tacuarembo, no interior do Uruguai em direçao a Buenos Aires com o sonho de ser uma cantora famosa. O hilario é que ela trabalha em um parque tematico catolico chamado Cristo Park onde da expediente como uma parte dos 10 mandamentos ou Maria Madalena. Some a isso lembranças da sua infancia e personagens que por mais caricatos que poderiam parecer é o que faz a trama ser bem interessante.

Sastre acerta em cheio ao costurar referencias dos anos 80 e 90 no filme. Ele coloca com maestria sem embolar Flashdance, Madonna, EMF, o perfume de vidro-bolinha da avon e dialogos que fazem referencia aos Tupamaros, grupo de guerrilha de esquerda uruguaio, pais que assim como o nosso passou pelo processo de redemocratizaçao nos anos 80.

As musicas sao uma beleza de ouvir, assim como a dança a coreografia e o melhor de tudo: o filme é um chiste perfeito a elementos do catolicismo. Esqueçam filmes de pseudo-revoltados a fim de chocar a sociedade judaico-crista ocidental. A zoaçao é leve, divertida e isso permite ao filme dar otimas alfinetadas que talvez outro genero nao permitisse: Jesus é sexy, dança e da pinta. Santo Expedito parece um modelo e Sao Sebastiao aparece em um dos numeros de dança e musica como uma maluca pintosa.

A dicotomia personagens vonzinhos X viloes é feita de uma forma que nao parece chata e que os remete, justamente, às telenovelas. E graças ao filme fiquei conhecendo a musica do "passarinho quer dançar com rabicho a balançar" na versao em espanhol que provavelmente foi hit na "Banda oriental" nos anos 80. Enfim, um filme que vale a pena ser visto mesmo por aqueles pouco habituados a musicais, como eu. E como bom catolico "menino da freira" eu me diverti muito e gargalhei com as referencias.

ps: o teclado hoje carece de acentuaçao

sexta-feira, 3 de junho de 2011

O que carregamos nos bolsos?

"Parte de nossa neurose é o desejo onipotente de ter os nossos bolsos cheios de verdades e certezas".

Essa é a frase de Rubem Alves lá no meu Facebbok. Usualmente as pessoas gostam de colocar frases assim como forma de criticar as outras. A primeira vista, no meu caso, é como se eu fosse o não-neurótico sem certezas no bolsos que colheu a frase por achar que eu poderia criticar aqueles que são assim. Ledo engano, essa frase foi escolhida por pura identificação.

Vejo aqui minha tia acompanhando o culto do pastor lançando não certezas para fazer sua cabeça, mas certezas com as quais ela se identifica. É como aquela que vai na cartomante - Machado de Assis mostra isso com maestria- para ouvir exatamente aquilo que quer ouvir.

Interessante que esse desejo é onipotente. Gosto dessa frase. Me lembrei de Deus, o ser onipotente que tem todas as certezas do mundo porque Ele o criou. Penso que as certezas que carregamos nos bolsos, nos olhos e repetimos com a língua é uma maneira de sermos o centro de tudo, de sermos o próprio mundo. Por isso quiseram queimar Galuleu quando ele resolveu contrariar que o nosso mundo não era o centro das coisas. Tudo isso em nome de certezas que queimaram, mataram e torturaram.

Será que as certezas servem para só sustentar nosso desamparo? Ou terá nela uma desculpa para exercemos nossos atos mais perversos com chancela de "normalidade"? Em outras palavras, certezas para podermos ser cruéis com os outros.

A vida tem sempre me mostrado o meu próprio desejo obsessivo. De certa forma é isso que ele quer, a possibilidade de ter um conforto aparente e a justificativa para ser cruel. Por isso sempre digo que é bom conversar com o monstro que habita dentro de mim, falar diretamente com ele ao invés de escondê-lo. É bom tirá-lo de dentro do bolso e mostrar que ele não pode absolutamente nada diante da realidade.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Da escuridão

Olá,

Ontem você estava enjoado e talvez por isso me sacou uma pergunta: "Quando você começou a namorar, você se julgou inexperiente?".

Nunca tinha parado para pensar nisso.A vida não tem manualde instruções nesta área. Alguns tentam, sejam nos livros religiosos, psicoterapias da moda, auto-ajuda ou qualquer outra coisas dessas, mas para mim não vi nenhum significado nessas coisas justamente por não ver que para me relacionar eu precisaria de um currículo e uma carta de referências. Inexperientes somos quase sempre.

O meu começo é engraçado, porque foi ter um relacionamento para não ter. Quando se está com alguém que é sem graça, feio e sem humor interessante o que eu queria mesmo era a escuridão. Sabe a cor negra que absorve todas as cores e nada reflete? Era por ai. Estava com alguém que adorava cores bizarras e coloridas mas construímos uma relação para nada refletir: a minha sexualidade, identidade e minha auto-estima.

As cores do arco-íris, mais vivas e que representam melhor nossa sexualidade do que as faixas de cor marrom daquele universo que conhecemos, foram surgindo pouco a pouco. E a saída foi a relação amorosa um uma de suas formas - mesmo conhecendo seu sábio conselho de que o amor é um só - a amizade. Ao descobrir com quem compartilhar minhas ideias, desejos, alegrias, momentos felizes e tristes (sim isso está parecendo enredo de música cafona ou mensagem da Ana Maria Braga no PowerPoint com imagens dos Alpes suíços) para que pouco a pouco minha identidade fosse construída e, na reflexão, abandonar essa forma de escuridão.

Se a palavra experiência te serve de algo,tome-a como vida e vivencie. Não se esconda em relações idealizadas com alguém que,além não te dar bola, só serve para no fundo esconder a sua necessidade de se manter na escuridão. Um mal resolvido para te manter em uma não-resolução perdida no "ainda gosto dele", boznzilnho só se fode, inúmeros textos prolixos a ele dedicado e tantas outras ilusões escuras.

Permita-se obrilho na intensidade que deseja e, antes de pensar se terás ou não inexperiência,você vivenciará aexperiência.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sobre o kit ainti-homofobia

Acabo de ler no facebook o comentário de um rapaz homossexual que afirma "não ser muito a favor do kit", o kit sobre homofobia barrado por Dilma, ao que consta, em troca de salvar a pele da (ops!) do Palocci junto à bancada "cristã" no Congresso. Minha reação foi logo de bancar o militante esquerdista-festivo (meu caso) e começar a gritar e achar um absurdo justamente um homossexual se dizer "meio contrário" ao kit. Depois retomo essa discussão. Por ora vou reproduzir a fala da professora Lilian do Valle que saiu hoje no "Globo":


"A professora Lilian do Valle, professora de Filosofia da Educação da Uerj, alerta:

- Quanto mais baixa a idade, mais delicada a situação. É uma idade muito sensível para questões afetivas e psiquícas. Uma palavra mal colocada pode resultar num dano maior do que simplesmente não falar nada. Tem que envolver um trabalho maior, interdisciplinar. Não é simplesmente aprovar uma lei e jogar o kit. É pedir demais do professor esse tipo de responsabilidade. Não se pode esperar que a escola resolva os problemas da sociedade."


Interessante o verbo "alertar" usado no texto, como se estivesse vindo uma catástrofe e a posição digna de Pilatos da professora. A crítica é necessária, vamos aos fatos.

Uma das formas de "dividir" o pensamento, como se isso fosse possível já que ele diverso e está em constante movinento, é colocar em termos do senso comum, o religioso, o filosófico e o científico. Quando um Silas Malafaia da vida brada aos 7 ventos contra o kit (e claro, por ele os homossexuais seriam exterminados) ele está usando o seu referencial dogmático religioso - claro que aliado a esperteza de manter seus fiéis conservadores (essa palavra é possível em Pindorama?) e seus dízimos em seu rebanho. O senso comum é o comentário do tiozinho do churrasco do fim de semana que afirmna ser absurdo expor as crianças a uma coisa dessas,, que isso é uma falta de respeito, ainda que sua experiência pregressa (também do senso comum) aponte para existênciua da sexualidade na infância e sua manifestação numa possível brincadeira de médico ou um troca-troca com primos mais velhos. Ok, é só um exemplo.

Eu pasmo é com aqueles que se colocam em nome do saber científico e filosófico engrossarem o coro. Tenho experiência em trabalho com adolescentes em Saúde Sexual e Reprodutiva, especiamente entre homens jovens. Rapazes entre 15 e 24 anos, justamente a camada mais vulnerável à morte pelas chamadas "causas externas": acidente de trânsito, homicídio, suicídio, etc. Daí a necessidade desse trabalho.

Nas oficinas que faço sempre tenho a preocupação de deixar bem claro a eles que o que está se fazendo é a construção de um conhecimento conjunto e que o objetivo não é estimular alguém a ter relações sexuais. Pelo contrário, o objetivo ali é criar um ambiente no qual o jovem se sinta confortável e, diante da informação coinstruída ali, estar com o poder suficiente que reduza a sua vulnerabilidade e, claro, promover a equidade de gênero. Por vezes jovens evangélicos vieram falar comigo sobre a questão da sua religião fazer pregração contra o sexo antes do casamento e digo-lhes que a decisão quem deve tomar são eles, com toda a responsabilidade, e que meu papel ali é mostrar as alternativas e os cuidados necessários, bem como o conhecimento do próprio corpo e - o que não pode ser nunca excluído- as questões emocionais. Forçar a barra seria aumentar-lhes a ansiedade e desempenhar um papel anti-ético. E olha que nem mencionei a questão da homofobia, que é sempre terreno espinhoso nestas oficinas.

Voltando à fala da professora. Qual a noção de escola que ela tem? Um prédio fechado com doutores do saber distante da sociedade que o cerca? Se a função é educar e promover cidadania porque esse discurso de "não foi feita para mudar o mundo?". Parece-me o cara que joga o papel de bala no chão da rua e diz "todo mundo faz". A professora se iguala ao tiozinho do churrasco ou ao fanático religioso.

Se iguala, por que? Qualquer profissional de educação, em tese, tem cadeiras de psicologia na licenciatura onde deveria ser discutida a questão da sexualidade. O nosso conhecimento está ali para isso e não somente para os doutores de consultório dizerem aos pacientes "sei, a culpa é da mãe!". Tudo bem que eu não sou inocente, eu moro no Brasil e eu mesmo já passei um tempo na licenciatura e vejo como é precária a formação de nossos professores - aliás tema apontado por Dilma em um dos debates que ela participou - e isso não é só na discussão da sexualidade. A formação é precária até mesmo para o professor dar aula em si, ensinar que 2+2=4. Assim sendo, se eu pensasse como a professora Lilian do Valle eu diria: deixemos as crianças analfabetas, pois os professores não estão integralmente preparados e já que a escola não veio para mudar o mundo vamos deixar todos ignorantes.

Em um ponto eu sou obrigado a concordar, até mesmo pela minha experiência: o material didático não deve ser um fim em si mesmo. Infelizmente pelo que leio da opinião tanto pró quanto contra o tal kit é reduzir uma questão fundamental que é a sexualidade a um material. E cabe lembrar que homofobia é sim um tema importantíssimo a ser tratado, mas não é o único. Há muitas questões a serem discutidas que tem relação sim com o campo da sexualidade: as DSTs, a gravidez de adolescentes, o uso abusivo de drogas, a violência de gênero e tantos outros. Claro que não quero fazer da educação sexual uma cruzada conta essas supostas "desgraças", mas que ela seja algo que haja o envolvimento efetivo de alunos, professores e família, mesmo reconhecendo que há dificuldade de todos - em várias orientações sexuais, faixa etária, gênero e classe social - em lidar com o tema que o ser humano mais escamoteia de si mesmo e que carrega uma série de preconceitos da nossa matriz religiosa. Não importa se você é crente, agnóstico ou ateu, eles estão ali na construção de nossa sexualidade que, obviamente, não apresenta só um componente individual.

Os videos foram produzidos pelo ECOS, instituição com a qual já trabalhei e tem um trabalho importantíssimo na área de sexualidade junto a adolescentes. Gostaria e deveria , se conseguir, ver esse material.

O jornal "O Globo" faz um "alerta" pelo fato do kit ser distribuído para crianças de 11 anos. Pera lá! Freud no começo do século XX, ele mesmo um conservador e vivente no puritanismo da Europa vitoriana, sacudiu o campo dos saberes com os seus "Três Ensaios" no qual afirma a existência da sexualidade infantil. Isso ele e todos nós sabemos. Até quem questiona a sua obra afirma o mérito dela nesse quesito. Então me espanta muito quando alguém do meio acadêmico vem à imprensa para reforçar preconceitos sem nenhum critério baseado no saber, como diz a palavra filosofia em sua etimologia.

Sim, os professores devem ser capacitados para lidar com a questão da homofobia. Eles também tem que estar preparados para lidar com as questões de sexualidade, violência, assim como ensinar às crianças que 2+2=4. E quem é da área sabe que a discussão desses temas não é feita da mesma forma para todas as crianças. Tem que ser respeitada a idade e a capacidade de compreensão de cada um. Mas isso não deve ser desculpa para perpetuamos o ciclio de violência que temos em nossa sociedade, ainda mais considerando que ser violento - e a homofobia é uma forma de sermos violentos - é construído ao longo dos anos em nossas famílias, comunidades e instituições como a escola. Se ela não vai mudar o mundo, ela deve cumprir sim seu papel como escola. É o mínimo que se espera. Daí a obrigação do Estado em capacitar os professores para além da mera distribuição. de material didático. No entanto, o que tenho lido é uma celeuma maniqueísta a respeito disso.

Voltando ao rapaz do começo do meu texto. Nós, sejamos homossexuais ou não, temos em nossa formação sexual nossos preconceitos e valores a respeito da sexualidade em si. Não é a minha orientação que vai fazer de mim uma pessoa progressista ou retrógrada. E vejo mais dúvida na fala dele do que certeza. E assim é a sexualidade, campo de dúvidas, descobertas e novidades, já que ela lida com a identidade daquele que inventou uma coisa chamada "consciência de si" para chegar a conclusão que uma resposta definitiva sobre ela é impossível. Esse alguém é o ser humanos, esteja ele inventando dogmas para afugentar sua insegurança diante da vida ou criando saberes inteligentes nos quais vão se somando novas perguntas e descobertas ao invés de uma certeza pura e simples.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Uma certa sabotagem

Se tem um tema que estou sempre conversando com os amigos é esse da sabotagem. Isso acontece comigo e bem como com várias pessoas. Não sei se isso vale como "instinto" da alma ou coisa que o valha, mas mais cedo ou mais tarde ela aparece de várias formas.

Esses dias creio que postei algo sobre alguém que cria regras para si e depois não cumprí-las. Isso é uma forma de sabotagem, pois pode esconder várias potencialidades de alguém com medo de encarar o próprio desejo. Esses dias eu pensei numa outra forma de sabotagem, que é aquela que é dirigida ao outro.

Imagine a cena clássica de alguém que sempre culpa o mundo ou os outros por tudo que dá errado em sua vida. Bem sei que isso é um mote perfeito para um livro de auto-ajuda. No entanto, como nos ensinou Poe no seu conto "A carta roubada" muitas vezes desprezamos o óbvio e deixamos de encontrar a solução mais evidente para o fato.

Voltando para esse acusador do mundo é engraçado que este cria padrões, só que para os outros. É uma forma de se defender contra os próprios desejos. Dia desses conversei com alguém que repetia, por exemplo, o velho e batido discurso de que "ninguém quer algo sério, um envolvimento emocional, um relacionamento", quando é ele próprio que cria condições e situações para que a coisa não dê realmente certo. Assim, se livra da culpa e joga nos outros o que é de sua responsabilidade.

Para usar um exemplo bem besta: imagine que alguém marque um evento ao ar livre, mas no fundo está sem saco. Espertamente marca para um dia em que a meteorologia preveu chuvas. Bem, a meteorologia acerta e chove no tal dia. A culpa do fracasso vai pra conta de São Pedro.

Enfim, tem pessoas que colocam essas sentenças e vão levando isso vida afora. A culpa é dos outros e assim consegue escamotear o que realmente querem. A grande questão que sempre repito é que depois a realidade - aquela que sequer conseguimos definir de todo e não temos controle sobre- vem cobrar a sua conta depois.

sábado, 30 de abril de 2011

Sobre o silêncio

Tenho uma prima de 17 anos que posso considerar como a típica fundamentalista evangélica. Só que ela não é do tipo que abre a Bíblia na cara dos outros ou coisa que o valha. Mas está cheia de convicções e certezas a respeito do mundo, embora ela mesma seja uma menina inteligente e capaz de questionar certas coisas. Pena que quando ela faz isso, na maioria das vezes, é para fundamentar a sua própria visão de mundo.

Ela agora faz um curso que inclui no currículo "cidadania". Cada mês um tema é escolhido para os alunos debaterem e, por vezes, eles têm que defender posições que são contrárias ao que eles pensam. Achei esse exercício interessante, especialmente pelo fato dela ter que defender a adoção de crianças por casais homossexuais, coisa que ela, por uma mera premissa religiosa, é contra.

O tema do mês é espiritualidade. Parece que o professor disse aos alunos que era do candomblé e os demais manifestaram suas opiniões. Pelo que ela me contou um dos meninos resolveu relativizar a Bíblia, sabiamente apontando que ela era um livro escrito pelos homens e que algo dali fazia sentido para ele, mas que tem muita coisa que não cabe no mundo em que vivemos. Bingo, nem todos os adolescentes são iguais. Ainda bem!

A minha prima, que dá aula na escola dominicar da igreja para crianças, lê os best-sellers evangélicos, do Malfaia à Cabana, resolveu ficar na dela. Ela disse que se manteve em silêncio porque não valia a pena discutir aquilo e que a Bíblia estava certa e ponto. Eu me identifiquei com ela em certos pontos, em certos defeitos meus, que também vejo em outras pessoas com quem me relaciono ou me relacionei.

Carl Rogers disse que entender o outro é algo difícil porque provoca uma mudança em si mesmo. Rubem Alves fala que nossas neuroses são fruto de termos os bolsos carregados de certeza. De fato, o silêncio tem muito a ver com isso.

Tem aquela velha lição de nossos avós de que o silêncio vale ouro. Eles não estão errados, desde que esse silêncio não crie uma prisão na qual você se fecha em si mesmo e fica, além de mudo, surdo e cego para o mundo.

O silêncio muitas vezes tem esse propósito. Diante da palavra não dita ela não tem como ser confrontada. Se ela não é confrontada a certeza está ali, aparentemente intacta, junto com a visão de mundo que essas palavras carregam e dão sentido. Uma forma também de dar, além da segurança de que as coisas são como são, de que temos poder, controle absoluto sobre todas as coisas, tal como Deus.

O que ocorre que esse ser mais desamparado de todas as espécies e mais dependente do outro chamado ser humano não tem esse controle que julga ter. E que por mais certeira que seja uma determinada ação, a sua reação diante do mundo por ser diferente.

Um exemplo muito besta disso pode ser o desmatamento. Durante séculos se procedeu da mesma forma, achando que aquele jeito não teria grandes consequência negativas. Até que um dia, depois de quase nulas as florestas, nos demos conta de que aquela ação a qual estávamos tão acostumadas teve que ser repensada e mudada para poder garantir a nossa sobrevivência no planeta. E como eu afirmei antes, este é só um exemplo besta de como a realidade pode interferir forte nas nossas ações, pensamentos e sentimentos quebrando certas ilusões que criamos acerca do mundo. E neste caso estão ai as campanhas preservacionistas tendo que sair do silêncio.

Na vida amorosa, no compartilhamento de ideias, na escola, nas universidades, na família, enfim, em uma série de áreas do convívio humano estamos carregando e sendo carregados pelos vários silêncios. O silêncio do segredo, o silêncio diante da violência, o silêncio quando se escuta alguém com uma certa experiência, enfim, ele assume várias formas. Resta saber qual delas a gente quer escolher para que a gente não pereça diante da realidade e, mais ainda, que a sabedoria se silencie quando mais precisarmos recorrer a nós mesmos para uma resposta diante de um problema e o coração se calar.

Ps: Esse texto é dedicado a um rapaz que se diz muito tímido, mas que tem medo de abandonar as próprias certezas, assim como eu.