domingo, 11 de dezembro de 2016

Eu

Eu costumava usar uma frase da Clarice na minha descrição no Orkut. Eu, metido à literato, peguei um trecho grande de "A Hora da Estrela" que tem uma pegada bem existencial, que diz: 


Se tivesse a tolice de se perguntar "quem sou eu?" cairia estatelada e em cheio no chão. É que "quem sou eu?" provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto."

Sempre me incomodou dar uma resposta pronta pro "quem sou eu". Fico meio Caetano naquela clássica entrevista do fim dos anos 70 "eu não sei quem eu sou, eu não estou certo de quem eu sou"



 Daí por conta de uma postagem da Letícia, resolvi ler "A Mágica da Arrumação". Logo eu todo empolado pensando nos existencialistas lendo um livro de auto-ajuda de arrumação da casa. Mas vamos que vamos, porque confio na Letícia, ainda que não tenha sido uma indicação dela e sim o compartilhar da experiência dela com refletindo com esse livro.

Enfim, estou numa fase de terminar obra em casa, fazer um novo quarto e pensando: que cara ele vai ter. No livro, Kondo fala sobre um espaço seu, que tenha as suas características, ao invés de algo pronto como num manual de instruções. E antes da arrumação tem duas perguntas-chave: o que eu quero e o que me alegra?

Sempre achei que tivesse dificuldade em colocar pra fora o que eu quero, o que me fascina. Mas hoje percebi que não e bastou me lembrar de um pequeno detalhe depois de um encontro feliz.

Estive com o Célio na Zona Leste de São Paulo em Outubro deste ano e foi um dia muito agradável, ainda que por poucas horas. Afinal estava conhecendo alguém que até então só falava pela internet há 8 anos e tinha uma imagem x e ao conhecê-lo pude lê-lo para além dela e isso me fez muito bem. A imagem dele pra mim expandiu, ampliou.

Ao voltar pra casa do amigo que me hospedou por aqueles dias, vi a imagem do "skyline" daquela região ao passar pela passarela que dá acesso ao metrô Belém e aquilo me fez feliz.

Daí quando pensei: que caracteríticas poderia ter o meu espaço o meu canto, pensando em um fato que aconteceu, paradoxalmente, fora da minha casa?

Pensei que boa parte do que revela de mim já está presente: amo ler e escrever. E ouvir. É isso que tenho feito durante esse tempo. E gosto de ver também Daí pensei no quanto me faz feliz ouvir música, sair para passear, tirar fotos e especialmente, poder ver além da minha própria casa. Observar que há um horizonte maior e novo, como aquele que vi no dia que me encontrei com Célio. E que um lugar que tivesse a minha cara seria aquele que valorizasse essas características: excelente pra ler, pra ouvir música pra poder ir além. E na minha "arrumação" interna, direcionar a minha vida para coisas que me levem além do lugar em que eu estou e poder voltar pra ele, mas renovado, diferente, juntando o que é novo, ao que já estava ali o tempo todo.

E talvez sejamos isso mesmo. Penso sempre como somos fragmentados e entre esses fragmentos juntam-se coisas que já temos e vemos, as que temos e não percebemos e aquelas que são como novidades. E isso comigo tem que ser em movimento, é processo. Por essa razão me faz tão bem viajar de ônibus, ainda que numa viagem curta como de Araruama pro Rio, porque cada paisagem e movimento me faz me sentir bem, pensar sobre a minha vida, ter minhas epifanias. Aliás eu me lembro que há 20 anos atrás, no trajeto Humaitá-Glória, ao passar em frente à Praça Cuatemóque no Flamengo que decidi o que eu iria fazer.

Assim, continuo com Caetano, mas a pergunta quem eu sou não me causará, espero, tanta angústica comona Macabeia (ou não) e nem terei que pensá-la como naquele roteito de redação "que sou eu" que o professor deu na quinta série (era a pior aula com a coisa que mais amo, escrever).