segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Nan Goldin

Bem, em momento oportunista e para dar uma de "cult", o liuquididificador pega carona sobre a polêmica a respeito da exposição de Nan Goldin no Oi Futuro.

Vamos à celeuma. A dita instituição fez um edital e aceitou fazer a exposição da fotógrafa estadunidense que ocorreria a partir de janeiro de 2012. No dia 20 de dezembro ela estaria no Rio para ver os últimos detalhes e fazer fotos na minha querida Cidade Maravilhosa. Terra do samba, do carnaval, dos corpos malhados em sungas e biquínis nas praias. Do carioca manemolente cheio de gingado e descontração receptivo a tudo que vem de fora. Das muscas siliconadas e nuas nos carros alegóricos da Sapucaí e dos machos de pintos a mostra mijando na rua nos blocos de carnaval, apesar do choque de ordem. Terra das popuzudas do funk, atualmente alçadas à categoria de mulheres-fruta.

Dita essa ironia essencialista, o pessoal do Oi Futuro resolveu de última hora dizendo que a exposição não corresponde à missão da organização que é promover educação e cidadania a crianças e adolescentes. E segue se comentários, a partir da própria organizadora, sobre censura à arte e tudo o mais e claro, momento de criticarmos a terra brasilis. A crítica é válida.

No entanto deixo essa tradução minha de um artigo publicado pela própria Goldin em 8 de julho de 2008. Ela comenta sobre essa polêmica em torno de suas obras no jornal britânico "The Independent". A tradução não tá lá essas coisas, mas é o que temos pra hoje:



" Perversão está nos olhos de quem vê. As crianças nascem sem medo da sexualidade ou de seus próprios corpos. Esse medo é imposto a elas. Crianças são seres sensuais, elas se tocam e gostam de serem tocadas. É o adulto que às vezes tira vantagem desta situação.
Isso não é sobre o que as crianças estão fazendo em uma imagem e não há nada doentio no que diz respeito a uma criança nua. É tão ridículo que nós tratemos isso como um problema na sociedade. Esta é uma das alegrias da vida, o corpo humano.

Meu pequeno sobrinho cresceu na Escócia e quando ele visitasse a América com seus pais, ele correria pela praia nu e as pessoas ficariam irritadas. Quanto mais estamos cercados de nudez, mais ela pode ser desmistificada e mais percebemos que o corpo é belo.

Pornografia já é outra questão. Eu costumo trabalhar em Times Square e muitas pessoas que trabalharam em um bar lá foram profissionais do sexo que ganharam dinheiro em revistas pornográficas. Eu diria que a diferença entre pornografia e arte é essa (em um primeiro momento), crianças são abusadas para agirem na versão dos adultos de suas fantasias sexuais. Abuso de crianças está totalmente relacionado a poder e eu não estou estimulando ninguém a ter relações com alguém menor de idade.

No ano passado quando tive minha exposição na galeria Baltic, o diretor assistente chamou a polícia e disse que havia uma peça lá que você não poderia gostar. A imagem era de duas pequenas irmãs fazendo a dança do ventre. Elas decidiram dançar pra mim, eu não preparei nada. Elas estavam agindo de forma completamente natural. Depois disso eu recebi uma carta dos pais delas para dizer o quanto eles gostaram das imagens.
Mas agora até editores respeitáveis estão com medo de usar esta imagem em um livro do meu trabalho porque eles acham que isso poderia deter a sua distribuição pelos Estados Unidos.


Arte não pode e nem deve ser regulada pelo Estado. Políticos não tem nada a ver com arte ou artistas em qualquer situação exceto caso queiram se tornar colecionadores anônimos."

sábado, 19 de novembro de 2011

O prazer que habita em mim ou uma ursa nada carinhosa

Estou numa fase forte de pensar em uma série de coisas sobre a minha própria sexualidade. Sobre como quero e gosto de sentir prazer.

Quando se está na década de vinte, vamos dizer assim,  muita coisa parece novidade e tem-se a impressão de que está pronto para qualquer coisa. Depois dos trinta, como diz aquela piada infame, se está na idade do gavião, em que você olha bem o que vai comer antes. A despeito dessa metáfora machista posso dizer que ela tem muito a ensinar a todos, eu incluído.

Hoje foi mais ou menos assim: aparece uma figura no msn e marca encontro para aquela noite, assim de supetão. Eu naquela coisa de "tenho que ir para não perder a viagem e nem parecer bobo" me arrumei e fui.

Bem, ai chego e encontro a figura. Um cara de 40 anos, aparentando menos, careca, da minha altura,, gordo daquele tipo parrudão, cavanhaque, enfiim, muito bonito e dentro, para os parcos leitores desse blog, daquilo que chamo de "norte de desejo", isto é, fisicamente está "perfeito" para mim.

Trocamos poucas palavras e vamos em direção a um quartinho miúdo e acanhado que ele aluga em um lugar que me parece ter sido uma pousada nos áureos tempos de Araruama no turismo pré-via Lagos e que hoje me parece ser algo como uma pensão. O quarto está uma zona e ele solta o famoso "não repara na bagunça".

Tiramos as roupas pois uma ideia nossa antes era tomarmos um banho juntos. Naquele momento de ansiedade vou passando o sabonete no ursão. Estranhamente ele não me toca e nem me beija. Daí compreende-se bem o sentido mais extremo do termo "passivo": não é aquele que simplesmente quer ser penetrado, é simplesmente o fato de querer ser apenas tocado, sem te tocar.

Fomos percebendo que a coisa não estava andando e disse-lhe que comigo as coisas não funcionavam daquela forma. Me lembrei do Preto Velho que me afirmou que sou de Oxum, que dentre tantas coisas - meus conhecimentos sobre as divindades afro-brasileiras são parcos- representa o prazer. na minha referência intelectual greco-romana.

Nessa relação aconteceu algo que difere do que a maioria de nós pensamos sobre os papéis sexuais. de modo estanque pensamos: homens são os ativos que chegam metem sem perder muito tempo. As mulheres seriam aquelas que recebem, que precisam de carinho, atenção e afeto. Um binarismo ultrapassado, claro, porém existente e nessa noite me dei com ele de forma invertida: um passivo querendo um cara que não beija, de pau grande e duro ali pra chegar direto e meter nele, ainda que no começo ele tenha gostado do carinho durante o banho, apesar da sua visível insegurança ali naquele momento.

Outro dia conversava com amigos sobre pegação por exemplo e como - sem querer fazer papel de santo- minha sexualidade nesse exemplo só funciona basicamente de forma voyerística e não de chegar ali de pau duro e pá, "mandar ver". Esses papos me permitiram olhar mais para mim mesmo e ver como sinto prazer. E assim como eu disse ao urso dessa noite quando ele soltava o famoso e falso "não vamos perder contato, me desculpe acho que estou cansado e não estou bem", eu disse-lhe que cada um sentia prazer da forma que lhe convia e que comigo não era assim. Não quis perder tempo e fazer uma oficina de sexualidade com ele, já estava tarde e ele mesmo devia estar louco para me ver pelas costas assim como eu a ele.

Pensei em outro cara, da faixa etária deste araruamense, com quem tive encontros no Rio. Ele dizia que não gostava da penetração e que durante suas sessões de análise junguiana ele é "como as mulheres", pois precisa de beijos e carinhos. Tudo bem, beijos e carinhos não são exclusividade das mulheres, há homens hetero e homossexuais que gostam disso, assim como há mulheres que gostam de ir "direto ao ponto". Mas entendi o que esse carioca quis me dizer.

Hoje tive que lidar com isso. Na verdade com todo meu eu, meu prazer e ao mesmo tempo reafirmá-lo. A afirmação do seu prazer é mais do que dizer como você sente ou goza. Diz parte importante da famosa pergunta "quem sou eu". Diferente dos 20 anos, em que me sentiria naquela famosa "obrigação" de tudo dar certo, pude perceber com maior maturidade isso e dizer "maluca é essa ursa", que como parafraseou o Jonas, não é nada carinhosa. E a vida segue.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Araruama e a sua Parada

Ontem Araruama teve a sua Primeira Parada do Orgulho LGBT. Mal divulgada, por razões óbvias, mas valeu o empenho do pessoal do Araruama Free, bem como a colaboração do Cabo Free, além de outras entidade.

A primeira coisa, inevitável, é fazer a comparação com as paradas do Rio e São Paulo. Não como crítica, mas como diferenças que existem por ter diferença entre cidades com 10, 5 milhões de habitantes para uma de 100 mil no interior fluminense.

Aqui havia apenas um trio elétrico e não sei precisar o número de pessoas, mas era pequeno. Ainda assim a parada correu sem problemas e todos puderam se divertir.

Na parte discurso político notei a diferença do discurso. Claro que há as semelhanças nas críticas aos homofóbicos de plantão do meu Brasil Varonil, como Malafaia, Garotinho e Bolsonaro. No entanto, o discurso da militância tinha um lado mais pessoal que um pensamento "macro-político". Em outras palavras, as críticas eram diretas e válidas ao movimento evangélico da cidade e os militantes traziam seus depoimentos pessoais, familiares para argumentar contra a homofobia. Foi diferente do que já tinha visto nas grandes cidades e achei interessante ver as coisas também por esses viés. E também contou com a ajuda de outras organizações do interior do Estado. O melhor é que a maioria dos presentes prestou a atenção no que estava sendo dito, mesmo estando loucos para "fever". E vamos combinar e sermos menos hipócritas de que queremos discursos políticos em 6, 7 horas de parada ou reduzir a ação política apenas em um dia de parada. Ela deve ser vista como um detalhe importante em meio às lutas da causa LGBT.

Me deu a impressão que em um feriadão com show do Exalta Samba na cidade naquela noite havia muitas pessoas de fora. A pergunta também é: quem não é de fora em Araruama? Sejam os turistas ou pessoas que moram mas que vieram da capital como eu.

E o prefeito se ausenta por motivos políticos- entenda-se voto evangélico no pleito de 2012- e manda sua mãe para a Parada. Isso não melindrou o rapaz do Araruama Free falar a verdade, que esta é uma terra de coronéis. Se pensarmos bem, dentro do discurso que foca a militância LGBT podemos pensar como a política que pretende nos amordaçar, bater e matar também o faz com a população em geral.

Outro ponto interessante quando se está no interior é que as pessoas que ali estão lhe são mais próximas. A representante do Araruama Free é Guarda Municipal na cidade. O gordinho que dança com as drags é  o rapaz que trabalha no mercado. O menino da lan house está lá dançando com todos na pista, enfim é uma atmosfera diferente do que eu já estava habituado.

Enfim, em sua pequenez, a Parada mostrou sua grandeza, com suas características e acima dos obstáculos que lhe foram impostas. Que venham as outras.

domingo, 6 de novembro de 2011

Valores contra a parede

Um personagem delirante meu decide escrever a história de um universo próprio em uma parede infinita. Ele é livre para escrever. Quer dizer, nada do que ele escreveu pode-se apagar. Só poderá fazer isso uma única vez.

Talvez hoje eu estive tal como o personagem. Uma pergunta simples, e uma argumentação que não exigiria muito, e lá se vão valores meus contra a parede enquanto questiono os valores do outro. Vamos chamar esse outro, mais uma vez, de Homem-Parede.

Conversávamos sobre a presença de grupos em que há inimizades. E ele saca "grupo que tem muito viado é igual grupo que tem muita mulher, dá muita fofoca e intriga". Eu no meu afã feminista multifacetado - já não era a primeira assetiva machista dessa personagem da vida real em seu machismo - comecei a divagar sobre uma série de coisas. Tentei ser socrático ao perguntar quem mais mata e mais morre, se não são os homens,  boa parte heterossexuais, muitas vezes por motivos banais (há motivo sério para a morte? fica essa primeira questão). Ele me diz: homens são diretos, matam, não perdem tempo com intrigas, enquanto mulheres usam de falsidade. Tentei me perder em teorias mil, defeito meu, quando poderia simplesmente dizer "filho vai ver a próxima edição do BBB em janeiro que, ai quem sabe, você pensa melhor sobre isso".

Humano, demasiado humano. Criamos valores. E muitas vezes o usamos para rotular e discriminar - entenda como especificação- sobre o que o Hegemônico determina como o errado, pecaminoso, doente. Em suma, o que é "estranho" e "fora da norma". Uso um lugar comum também: o que é estranho e que ameaça o controle de quem detém poder causa angústia. Por isso deve ser rotulado, classificado para ser devidamente controlado. Daí é bom sair com boas pré-definições. "Vai me dizer que você nunca viu mulher falsa?". Poderia perguntar "Vai me dizer que você nunca viu um ladrão preto?" E daí poderia usar essa premissa do senso comum para poder estabelecer uma série de valores para manter tudo na devida ordem, tudo dentro da parede. Só que diferente da minha personagem, sem a possibilidade de voltar atrás na criação de seu próprio universo.

Não sou diferente. Sou um homem de universos e premissas. E com certezas no bolsos. Tentando em vão mantê-las mesmo sabendo que elas são como açúcar em água, se desmancham com facilidade. Isso já foi devidamente compreendido. E nesses meus universos compartilho com os demais o tabu da morte. A morte como algo último e que tirar a vida de alguém é condenável, absurdo, ainda que muitas vezes isso não tenha consistência absoluta.

Então, pelo tom da conversa - só pelo tom, não tive a oportunidade de questionar de modo mais profundo porque eu e o Homem Parede temos o mútuo medo de despedaçar tijolos falhos- me pareceu que falsidade tinha um valor mais fácil de ser condenado do que homicídio. No universo-parede, falsidade é intrinsecamente feminino (ou de viados, que por extensão se iguala ao feminino, haja visto que homem "de verdade" não transa com outro e viados são igualados às mulheres para isso parecer mais natural e controlável) e daí, talvez se lá, fosse um país, fofoqueiros, mentores de intrigas merecessem a cadeira elétrica e homicidas, uma liberdade por bom comportamento. Afinal o homicídio não é um fator desagregador, ele extermina logo de uma vez. E exterminando tudo, resolve se de maneira sucinta a possibilidade do conflito, sem espaço para indagações, dúvidas e incertezas que a natureza humana - se é que existe uma - é incapaz de resolver de uma vez em nome de uma suposta Verdade.