quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Amoriçoca

Por vezes se é hostil a certos sentimentos. Então é melhor preveni-los porque paixão amortece assim como a dengue. E a hostilidade pode ser uma prevenção assim como evitar água parada. Revolva as águas, agite e crie um padrão de barreira emocional para não deixar esse sentimento aparecer.

Mas é verão e por vezes não tem como fazer um controle absoluto. E ai o amor vem zunindo como uma nuvem de muriçocas. Essas aparecem à noite, mordem, incomodam e causam coceira. Assim o melhor a ser feito é se apoiar numa cortina de inseticida e deixar o amor se manifestar sozinho, sem colocar o menor sinal de empatia. Mas é bom deixar aquela nota de que "a ausência foi necessária para não interromper o processo". Está na embalagem do produto: deixar o recinto completamente fechado por 20 minutos para o remédio fazer o efeito. No caso, foram exatos 28 minutos em uma madrugada de quarta para quinta.

Cabe prevenir-se de novo? Ou cagar pra isso tudo? Arrumar confusão, hostilidade? Seguir o tolo conselho tautológico do olhar para "si mesmo"? Enfim, no frigir dos ovos a decisão é minha. Diferente das muriçocas o melhor é fazer isso tudo sem zunir. 


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O corpo nu é, sobretudo, um corpo vulnerável

Recebo com espanto e ao mesmo tempo com racionalização a morte do ator pornô Arpad Miklos, cujo nome real era Peter Kozma. Morreu aos 45 anos e ao que indicam as notícias foi um suicídio.

Espanto porque a morte de alguém que aparentemente está bem - não faz muito tempo Miklos estrelou esse clipe- de repente aparece morto.A racionalização vem daquele princípio de que "ah vida de ator pornô é assim, tem aparência e tal, mas por trás há muitos problemas com drogas, depressão etc e Miklos não é o primeiro a morrer nessa indústria...". A racionalização não é mentirosa, mas é aquele eterno desejo da neurose obsessiva em organizar e arrumar explicação para tudo, inclusive para o que não pode ter explicação.

Quando via Miklos nos filmes sempre percebia um encontro de ideiais: homem com mais de 40 com "tudo em cima", musculoso, peludo, "jeitão de macho", enfim, um homossexual com todas as características desejadas do mundo hetero. Um detalhe que pode parecer banal, mas que me chamava a atenção era o fato de nos filmes ele sempre ser o ativo.

Fuçando a internet encontro o post de outro ator pornô, Colby Keller, comentando a respeito da morte de Miklos/Kozma. Uma frase que me chamou demais a atenção e que me inspirou a fazer o post foi essa "Afinal de contas, um corpo nu é um corpo vulnerável". Não pensei nela para buscar explicações para o sucídio de Arpad, mas em pensar a forma como lidamos com o corpo e a industrialização dele.

"The naked body is a vulnerable body after-all" Colby Keller


Um ator pornô, seja hetero ou homossexual ativo, não pode broxar. Esse mecanismo me faz pensar muito na estrutura neurótico-obsessiva, que evita a morte, mesmo rondado por ela o tempo todo. Tudo tem que estar duro e há uma evitação constante da falta. Como na metáfora da garrafa de água na geladeira que ainda guarda um resto insignificante porque o último que tomou água não quis que ela parecesse vazia por completo. E quando penso não só na indústria pornô, mas nas representações do corpo na mídia em geral me traz exatamente essa ideia: tudo milimetricamente calculado para aparecer e não deixar"cair" nenhuma vez. Seja a subcelebridade do carnaval, o ator malhadão, a/o modelo capa da revista ou aquele anúncio de cásulas emagrecedoras na rádio AM. Tudo bem que essas coisas são mais que batidas, mas cabe estabelecer a ligação aqui.

Outro dia mesmo comentava com um amigo sobre Queer As Folk e Roma e suas "ousadas cenas de sexo" e a forma como elas eram extremamente plastificadas a ponto de não serem sexuais. E o que isso tem a ver com o texto?

"Um corpo nu é vulnerável" e diante dele tentamos colocar diversas forma de controle. Enquadramos em discursos que se ligam politica, cultural e economicamente com o sistema vigente. Este corpo é construído para atender a um certo padrão estabelecido. E em uma sociedade que "sucesso", de "superação" broxar não é permitido, exceto que você venha com uma linda história de superação. Só que, repetindo, sendo esse corpo vulnerável nenhum controle é capaz de escapar à morte. Talvez o suicído de Peter Kozma seja uma trágica ilustração de como um corpo e uma personagem moldados em um certo padrão não escapa a ela também.