quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Vive la France




I

No ano da França no Brasil tivemos fogos de artifício na Lagoa. Noite embaçada em que o melhor espetáculo foi o motorista de táxi que nos deixou no local combinado. A viagem poderia ser mais longa e interessante.

II

Já reparaste que nunca tiveste mais de 3 pessoas na sua casa ao mesmo tempo? Tudo bem, não é mais ano da França no Brasil, é a França na sua casa. Magra e sem ocupar espaço.

III

Batem perna o dia todo, a que horas voltam?

IV

Qual o maior desafio: cozinhar para um chef ou resistir a um belo par de pernas, cueca e o mais importante: um belo rosto?

V

Agora que reparei no mais magro: ali cresceu um bigodinho e tá parecendo francês de filme americano.

VI

O bom do Rio e de onde você mora é isso: poder fazer coisas a pé. Não sei como são as coisas naquela cidade que pra mim era nome de marca de roupas dos anos 90.

VII

Ouve-se ruídos à noite. Pena que não deu pra ver muita coisa.

VIII

Dia seguinte: sim o mais bonito dorme nu. Você teve sorte porque para mim o que restou foi uma canga vermelha. Vou fazer um musical: Retalhos Malditos. Muita música indiana para combinar com as cores daquele pano, mas não quero que ele seja algo de mais de 3 horas. É Copacabana, não Mumbai.

IX

Nesses dias da França contigo há muito sol, brilha o céu tá lindo e ganhamos queimaduras. Mas estamos lindos, é o que conta.

X

Só ele reparou o jeito que ele nos olhava antes de sairmos pra praia. Achamos natural isso, afinal algo foi dito a respeito do nosso amigo antes de eu tomar 1 ou 2 goles de rum naquela manhã.

XI

Vou pra casa. Quero que você tenha uma outra visão da França na minha ausência, beijos.

XII

Daí você fica sabendo via mensagem que eles, mesmo ocupando pouco espaço, estão naquele sítio em que a maioria gosta de espaço. Espaço bem maior do que de alguém que pede abrigo por uns dias. Que diabos!  Por que não avisaram antes? Não se deram conta de que a gente na frente deles éramos um duplex com vista para o mar, um que não se avista naquele ponto do Sul da França?

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Pro pós-carnaval ficar mais engraçado


No site marrom já recebi várias mensagens de um moço, indignado pelo Site  Marrom ter cortado a conta premium

"Agora ficou sem graça,nosso acesso ficou restrito,agente so consegue receber mensagens e enviar,por enquanto, vamu ver se isso tbm sera bloqueado,uma pena.....beijus"

Essa foi a quinta mensagem que recebi da criança. Quando queremos ver fotos de bofes bens, o entendemos, mas não nego o absurdo dessa indignação no estilo aposentado reclamando do preço do remédio para hipertensão na Farmácia Popular.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Ju e Re


Marilyn a observa de lado e estranha a pesada maquiagem


- Rê, o que você fez?
- Não viste as visitas de ontem? Uma delas trabalha com maquiagem de grandes estrelas lá fora. Mas de vez em quando arruma uns frilas quando de férias no Brasil.
- Percebo...tá diferente, te traz um ar de felicidade.

Telefone toca, era Ju a interromper a conversa junto à parede. Foi só o tempo de sacar depois uma bela imagem e colocar no desktop. Um perfil belo e sério de fim de carnaval que a cabeça que quase sofrera uma concussão dias antes ainda tinha a capacidade de captar.

Mas a hora não era para perfis nem paredes, era hora do diálogo.

(...)

Fim de tarde, Ju na cadeira em comportamento inquieto não decide ainda como acompanhar o sol. O certo é que insiste freneticamente em coçar as partes, não se sabe se por areia, tesão ou chato.

- Rê, como você me coloca em uma roubada daquelas. Toda vez você cisma em chegar em alguém que já cheguei, que coisa chata isso. Ou então me empurra gente feia. Façamos um trato em relação à última conquista, já que nós dois conseguimos: quem quiser chegar junto tem que falar com a gente primeiro. E lembre-se, não é fifity-fifity porque não é assim que a coisa funciona. Lembra-se daquela outra que eu peguei e depois você foi em cima? Pois é, ela me disse que você confundia as coisas, que era só amizade. Lembre-de de que tem pessoas que estão só a fim da sacanagem e tal, tá liberada. Para outras não é assim que a coisa funciona. E sim, já já vou dar um mergulho, passar a zero na cabeça e me cuidar porque engordei muito, minha imagem é feia. Mas não arrume gente feia para mim.

Ju era uma metralhadora de palavras, sempre de costas para o sol. O corpo cheio, rosto bonito e pernas grossas eram bem realçados pelo som, ainda que em movimentos constantes, frenéticos, entre a indefinição sobre o que se pensa do seu desejo, ansiedade ou simplesmente desorientação. Ou tudo isso junto. Coisa que Marilyn, por ser mito, desconhecia, pois era uma imagem linda e kistsch na parede.

Algumas mulheres ali perto pensaram que pelo jeitão com certeza Ju era do mercado financeiro. Sabia classificar bem suas conquistas, estabelecer cada tipo psicológico e negociar com suas amizades como deveriam ser as relações com cada uma delas. Planejamento estratégico era a palavra de ordem na areia e Rê sabia reconhecer bem isso,. No fundo o que todos desconfiavam é que Re e Ju deveriam sempre estar em companhia eterna, seria mais bonito que o mais belo dos casamentos. E tesão não faltaria com certeza.

Mas era hora de partir. Ju em dois mergulhos rápidos demora demais para pegar as coisas. E anda pela praia e depois pelas ruas em ziguezague. Assim como o poder de barganha e classificação, ela adquirira a mania de andar na vertical e na horizontal pelos corredores do mercado em que trabalha. Então, tal como Marilac, decidiu naquele verão fazer algo diferente e andar em diagonal. Com paradas estratégicas para colocar cada pessa de roupa.

O Fundão ainda espera Ju numa festa naquela noite...

Carnaval em dois tempos

Tempo Pi

Pi de piranha, piedade, pia e Piaget.
A vida pode ser circular ou reta passando pelo seu centro, diâmetro e daí dividimos o seu valor e temos um número impreciso. Diante disso simbolizamos, Pi. Tês vírgula catorze dezesseis e reticências.

E o que não é o carnaval senão um símbolo dessa inexata vida que se tenta por em retas e circunferências perfeitas?

No carnaval Pi fotografa-se a banda em dois tempos. No tempo da multidão de um dia lindo e luz mais baixas. Dos velhos flagrantes. De uma Amy Winehouse feia e desfigurada que lança um coração.

Tempo da ressaca, do estômago embrulhado em H2UÓ frutas cítricas sem açúcar e bebida gosto de maçã. Do Engov e da febre que passa no dia seguinte com o poder da Dipirona Sódica. Dos ônibus cheios, da loira maldita que lança um olhar fulminante porque olhamos para uma de suas possibilidades de carnaval. Da corda humana que protege a banda que se diz livre. Do Multibloco perdido no sono da manhã e das lembranças do ano novo não liquididificado em Rondonópolis. Da luz ruim da terça gorda e a consequente falta de foco.

Tempo das mensagens desconexas, do coelhinho perdido naquela noite que se perde em outra por não saber seduzir. Da ursa casada que tenta algo com quem não gosta de gordo. Do lugar apertado, da fila e da música que se repete 10 minutos depois. A velha música da Madonna e a nova velha música da Beyoncé. Do neurótico que te cumprimenta de longe e do rapaz do interior que insiste em dar, de longe, um tchauzinho sem jeito. Da bicha de cabelo grisalho que fuma seu cigarro após hospedar outra possibilidade italiana perdida. Da sua saída 10 minutos depois e da minha após duas horas. Da porta que não abre para poder fumar. Tudo tão certo, tudo tão inexato.



Tempo de Anjo

Ele sobrevoa em dose dupla, ora em Valparaíso, ora em Santiago, ora em Los Angeles, ora na Tijuca, ora em Campo Grande. Mas ele me confessa em segredo que sonha com uma morada em Copacabana. E me traz notícias da América Latina de 2 semanas e dos EUA de três anos atrás.

No seu tempo, a maldição da loira se quebra e ganha-se um beijo bicudo de longe no ponto do ônibus. A Montilla tem um preço barato e não dá ressaca nem estômago embrulhado.

Na floresta se revelam coisas interessantes e nos livram de um show de uma pimenta estragada. Tem gosto doce da água de coco que repõe os sais minerais.

Tem músicas que ainda não ouvi e espero achar na set list do DJ. Tem sistahs dando escândalo na porta da boate e da sauna causando asco daqueles que muitos outros tem asco e estão ali na fila, medindo com olhares algo que nem mesmo eles sabem. Por isso devem dizer "estava lá e não te vi". Ver o outro às vezes permite-se a ver a si mesmo.

No tempo do anjo a mensagem da Itália ou de Melbourne é rechaçada e tem-se dignidade. Tem um bloco de sujos que passa na porta do prédio e consigo colorir. Tem um ruivão exibido que sobre no hidrante para ver a banda passar. E um careca de bico vermelho faz a foto ficar perfeita.

Nesse tempo nos fantasiamos de palhaço e de pirata. Por sorte consigo um tapa olho chinês e fico com pele carameloavermelhada pela maquiagem. Tem o sucesso junto com o sorriso da senhora na rua. Tem se a satisfação por um trabalho bem feito.

 Tem um sorrisinho no meio da multidão. Tem um planejamento estratégico perfeito para os nossos olhares e a bela surpresa de chegar em casa depois e ver que não são as piores fotos do carnaval. O coelhinho passa porque de Ancara vem algo bem melhor. Avisa que a ducha será de portas abertas, enquanto há uma expectativa da França e um argentino louco se perde nas areias da praia.

No tempo do anjo equilibra-se o carnval "nerd" de ver a TV e rir com os comentários de várias mídias e ao mesmo tempo sair e se divertir como bom folião. É ver mais belezas e ter um gordo na janela que te salva da síndrome do "adonis factor". Onde foi que eu disse que ver o outro às vezes é ver a si mesmo?

É tempo de flamenguista na van. Da suposta Mônica do celular e do interesse em saber em que banda se estava o que vai fazer enquanto se vai para casa do "amigo" no Leblon.

É de estar livre para falar o que se gosta. Estar com melhor amigo e poder rir com a melhor amiga, mesmo essa de luto por alguém que lutou por algo justo.

Os anjos caídos tem a sorte de nos livrarmos dessa tragédia chamada perfeição. Ele vem anunciar em pleno carnaval o valor de pi que são aquelas reticências, que eu também chamo possibilidade. Com muito frango apimentado na hora do almoço enquanto queremos "free Alemão". Se esqueci de mais alguma coisa, por favor, me avise, já que esses momentos são cheios de detalhes inexatos.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Bichinha de Parada

Há uma noção reacionária que diz que a relação entre politica e sexualidade é algo do século passado, coisa de maconheiro que lia Marcuse em 1968. Só que quem tem um mínimo de noção de que sexualidade permeia nossas identidades e que política fala essencialmente de poder, nada mais humano, demasiado humano nos dois temas, com ou sem maconha, 68 ou 2012.

A Parada Gay é vista muitas vezes como um carnaval pura e simplesmente. Um argumento sem estrutura porque na verdade é só dia de celebração para que um grupo da sociedade possa celebrar a diversidade da sexualidade e convoca a participação de todos. Por isso há de tudo, da bicha bate-cabelo à senhora com o netinho. Diversidade, esse é seu nome.

Por outro lado a luta política se dá no dia a dia, na cobrança de nossos direitos junto às 3 esferas do poder e na educação, que é o ponto mais importante para nossa plena cidadania.

Dito isso recebo uma conversa no qual um homossexual, a fim de ridicularizar o outro diz que seu amigo não merecia ter um namorado cujo amigo é "uma bichona', "um afeminado" e, "do tipo de ir na parada gay".

Estou me indagando ironicamente se há um tipo para ir na Parada. Eu já fui, será que eu tinha o tipo? Em que lugar eu vou para fazer o exame se estou apto para isso e pegar as minhas credenciais.

A "pinta" para muitos homossexuais masculinos é como o "tom de pele' ou o "nariz afilado" dos negros. Algo como "ah você é gay, mas que bom você nem dá pinta" é correlato do "ah você é negro mas não é tão escuro e seu nariz é fino ou o cabelo é bom". Naquela base.

Essa fala reproduz exatamente isso. O cara que vai na Parada e assume publicamente seu desejo, assim como a pinta, é motivo para a ridicularização de uma alma infeliz que não tem a coragem de se olhar no espelho. A projeção de seu desejo em igual - um homossexual que não tem medo - causa medo (fobia) a esse ser humano que teme que seu desejo seja conhecido. É um paradoxo que se resolve a partir da criação de hierarquias tolas que no fim das contas serão inúteis para as nossas conquistas.

Se você busca ter a união civil pouco importa se você dá pinta ou não. O juiz não vai levar isso em consideração. O pastor ou padre que prega contra gays bem como o skinhead que nos agride também não levam isso em consideração. Aliás já tem até pai e filho agredidos pela mera demonstração de carinho, mesmo sendo eles heterossexuais.

A Parada de certa forma é uma transferência e resistência. Resistência na ridicularização quando um desejo que não quer ser assumido ou sabido não pode sê-lo. Nesse sentido ela dá ótimas pistas de como os próprios homossexuais podem, muitas vezes, serem homofóbicos, jogando ao outro a sua homofobia interna.

Ditos isso tudo resta-me o desprezo por esse tipo de viado. E fico com Betina Botox que diz "respeito é bom e a gente gosta". Um viva para as bichinhas de Parada.

Onde estão suas cordas?

Uma coisa que deve irritar a maioria das pessoas e que comigo não é diferente é ser subestimado, em especial no que tange à minha inteligência. Essa é uma frase corriqueira típica dos mimimis que escutamos nos espaços reais e virtuais. E eu gosto de uma dose de vulgaridade.

Aí você se depara com uma situação em que a pessoa mente, omite da forma mais absurda acerca de temas igualmente vulgares, banais. Pode ser que ela arrume uma boa justificativa para satisfazer os seus atos.

A questão é que para mim o que menos importa muitas vezes é o conteúdo que está escondido. No final aquilo só tem relevância de fato para a própria pessoa, mas por algum motivo ela dispara a sua mentira com os argumentos mais tolos e essa suposta inocência é o que realmente irrita.

Usando o Pinóquio como metáfora, a gente percebe que as próprias mentiras que ela criar para si corre o risco de servirem como cordas e no fim e a outra pessoa que, ao perceber isso e resolver ser cruel o suficiente, fazer como o Gepetto e começar a manipular a pessoa, como marionete. Só que como não é boneco a pessoa pode se enforcar em uma coisa aparentemente tão besta.

Usando a frase de uma personagem vulgarizada, o Dr House, "todo mundo mente". Só que se me conheces minimamente, saiba escolher uma boa e bem contada mentira.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A Garrafa de Água



"Namorar implica em negociar, em renunciar, mas também em ter muito prazer no estar com o outro, em fazer coisas juntos, e uma série de possibilidades que emergem do conhecimento mutuo e da segurança do vinculo. Talvez exista aqui o problema de que a mídia prega a relação amorosa como sendo instantânea e natural. A ideia transmitida é que desde que haja amor todo resto é resolvido por "osmose", simplesmente tudo aconteceria como num passe de mágica. Sabemos que essa é uma versão achocolatada e idealizada do amor. Assim diante do primeira dificuldade, da primeira diferença de interpretação do mundo, podemos recorrer ao chocolate ou ao sexo fácil como alternativa a nossa angústia diante de nossa dificuldade de encontrar soluções criativas para a vida cotidiana a dois. "




Esse trecho vem de um antigo texto do psicanalista Júlio Nascimento do Mix Brasil. Ele expõe uma dicotomia de nosso desejo, que penso ser um contraponto de duas "eternidades"a de eros, a pulsão de vida e a de Tanatos, a pulsão de morte.

Mais uma vez eu fico sabendo de uma velha história recorrente, especialmente quando estamos às vésperas do carnaval. Alguém encontra Outrem e tem daquelas paixões avassaladoras a ponto de já se permitirem namorar após o primeiro ou segundo encontro, inciativa de Outrem que Alguém prontamente concorda e deseja. Decidem experimentar a relação que acaba seis dias depois, após algumas discussões por motivos fúteis e Outrem dá como argumento para o término: preciso experimentar a putaria porque ainda tenho feridas de um relacionamento anterior.

Alguém reclama, pois saiu também de uma situação parecida e estava completamente disposto e encantado pronto para participar desse relacionamento. Alguém é do tipo romântico, se abre muito, sensível e mostra para Outrem todo o seu carinho, afeto e atenção, ainda que uma pulga atrás da minha orelha sempre me diga que Alguém tem mais prazer no relacionamento, em dar carinho a alguém (esse assim mesmo em minúsculas) do que realmente nomear Alguém. Ai está o paradoxo da puta e da freira romântica.

Outrem é um neurótico clássico. O eros que Alguém lhe oferece ao responder ao seu desejo de ter um relacionamento lhe causa um tremendo desconforto e uma incapacidade de lidar com o Outro. Ao que parece, enquanto Alguém me afirma na sua retórica romântica de que não pensava tanto no sexo em si, mas no carinho e afeto para Outrem, enquanto esse encarnava um tesão mais forte na cama, em detrimento dos carinhos de Alguém. 

Alguém enquanto sujeito do discurso apresenta o lado lindo do relacionamento, do quanto está feliz em viver aquela situação nova, um sentimento que não tinha sentido por ninguém antes e tudo o mais e esconde as pequenas brigas por motivos banais que mexem com o emocional e pouco diz a respeito das características de Outrem, restrito ao velho "é legal, gente boa, lindo, gostoso"...coisas superficiais e comuns a muitos alguens. E eu partilhei desse mesmo sentimento ao conversar com Outrem.

Júlio Nascimento aponta como metáforas o chocolate e o achocolatado. Outrem parte da premissa do achocolatado, de um relacionamento maravilhoso, mas que após a primeira discussão ele decide terminar por achar que tem que viver a putaria, o lado chocolate da história, ou seja, a simples gozada, a busca do prazer sem o ônus dos conflitos emocionais que a relação com uma outra pessoa implica. A sua justificativa de achar que Alguém é uma peça que não se encaixava em seu quebra cabeça é perfeita ao demonstrar esse lado achocolatado inicial, a busca de um romance perfeito e inquembrantável, uma peça que complementasse a sua falta, lembrando que a ausência da falta é terreno de Tanatos...a putaria lhe dá o prazer puro e simples sem cobranças.

Essa metáfora do quebra-cabeças - da qual também já sofri a maldita analogia - explica bem como funciona o neurótico. Há uma espécie de busca de prazer pelo poder. O carnaval batendo à porta com as inúmeras possibilidades de encontro significa um alívio, uma ilusão que compensa a sua castração, condição de todos nós humanos. É como alguém que ao beber a água quase no final que está na garrafa da geladeira não a bebesse toda e deixasse aquele resto ali como metáfora de horror ao vazio, à castração, o que implicaria, caso a bebesse toda, em ter que encher de novo toda a garrafa e esperar mais um tempo na geladeira para estar na temperatura ideal para beber nesse verão que vivemos cá nos trópicos.

O quebra cabeça completo é ilusório. Assim como Nascimento aponta o quanto certas ilusões como as drogas, o excesso de comida e outros comportamentos compulsivos pode nos acarretar a longo prazo, podemos pensar na quarta-feira de cinzas, o dia que vem depois do carnaval, que para católicos é o começo da quaresma. Período de expiar os pecados (afinal veio o carnaval antes, não?) que culmina na celebração de um deus-humano, Jesus, aquele que renunciou aos prazeres e se sacrificou pelos pecados de toda a humanidade. Jesus o ser completo, o que morre e ressucita por ser Deus.

Como não somos deuses, não somos o começo e fim, a completude alfa e ômega, somos dotados desse vazio. Como sentir-se "de bode" depois da festa ou da "blue monday" dos usuários de droga ou a lombeira que temos depois de comermos muito. O prazer é momentâneo e não dá garantia que aquela coisa chamada "vontade" não apareça de novo. Nas nossas contradições, o coração há de se fazer suas exigências e aí nem Outrem e nem ninguém terá como escapar disso. Como numa música dos meus queridos Pet Shop Boys "there's no place to hide when you're screaming inside".

Quanto a Alguém o movimento foi de sair de uma situação "chocolate" - com a devida latência- e partir para uma relação achocolatada. No entanto a breviedade dos acontecimentos talvez não lhe provocou dores maiores, mas uma necessidade de repensar o seu papel. Alguém me diz "Odilon eu não tenho como interferir nas escolhas do outros, mas nas minhas escolhas". Eu prontamente concordo e lhe digo se a garrafa tá vazia vai lá e a encha de novo e espere gelar. Para você que admitiu sua falta fica mais fácil partir para novas e ricas experiências do que Outrem, que prefere não só admitir seus erros, bem como maquiar a sua falta, que um dia há de lhe fazer pesadas cobranças, como aquele que abre a geladeira e pergunta "ei, quem foi o filha da puta que estava com preguiça de encher a garrafa e deixou esse restinho na geladeira?'. E diferente da sexta-feira santa, pode não haver o perdão.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Rogers e o Zen

Esse moço careca da foto é Carl Rogers (1902-1987). É um dos grandes nomes da psicologia humanista. Se você desconhece o que é isso pense na manjadíssima escala de necessidades de Abraham Maslow (1908-1970) que há tempos já deixou os limistes da psicologia e aparece desde livros de auto-ajuda até em palestras motivacionais.








Creio que algum blog passado meu tenha feito menção ao Rogers. Hoje uma ideia muito presente no seu clássico "Tornar-se Pessoa" que é: entender o outro provoca uma mudança em si mesmo.

Daí me lembrei de outro mote, dito por um cara com quem fiquei uma vez e na sua sabedoria de  entre um chope e outro e discussões sobre astrologia me disse: "Hoje,aos 62 anos, eu posso dizer que estou zen, mas ser zen não significa ser bundão"?

E que o cu tem a ver com as calças?

Quando pensei nesse "entendimento do outro" pensei na trolagem de um professor meu que dizia que o existencialismo foi colorido de rosa na Califórnia e daí saiu a psicologia humanista. Fato é que essa premissa de Rogers (terapia centrada no cliente) do "entendimento do outro" com "mudança" se relaciona com o existencialismo por este ser anti-determinista (a existência precede a essência) e se não há nada essencial de fato, como já bem revela Nietzsche, então essas mudanças são possíveis.

No entanto, como me disse o sexagenário, não deveria ser espaço pra ser bundão. Entender o outro não significa colar-se ao outro, ser igual ao outro, mas provocar uma mudança em si mesmo. Por outro lado a mudança que você causa, causa mudança no outro.

Não quero dizer que a partir de um comportamento "x" seu o comportamento "y"do outro mudará da maneira esperada. Não é função, é uma relação, como bem ensina a matemática. Não é uma lei simples de causa e efeito, mas com certeza, pensando em várias experiências que tive, no entendimento do outro pude mudar a ponto de até mesmo certas pessoas se afastarem como efeito disso. E posso dizer, foi muito bom.

Faltam 28 anos ainda para chegar aos 62, mas usar a prática zen junto com a do titio Rogers há de me fazer muito bem.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Os Descendentes



Ok, ainda no esquema oscar 2012, o filme de hoje é "Os Descendentes", de Alexander Payne (o mesmo de Sideways que comecei a ver com Fabi mas não vi todo). Um filme que concorre nos Oscars mais comentados, a saber:  melhor filme, melhor ator (George Clooney), melhor direção,  edição (Kevin Tent , de  filmes com Payne e uma curiosidade, Emmanuelle 5 de 1987) e roteiro adaptado (categoria que Payne divide com os atores Nat Faxon e Jim Rash). Roteiro baseado na obra de Kaui Hart Hemmings, que faz uma ponta no filme como secretária do protagonista.

A primeira vista o filme me pareceu um mix de Supercine com Sessão da Tarde: Matt King (Clooney) é um advogado workaholic que se vê de repente envolvido no cuidado das filhas por causa de um acidente que deixa a esposa em estado de coma. Tudo para ser aquele dramalhão básico se não fossem as sutilezas.

Tecnicamente o filme é correto e conta com ótima atuação de Clooney bem como de Shailene Woodley e Amara Miller que vivem as filhas Alexandra e Scottie respectivamente. Elas conseguem dar o tom certo ao fazer duas adolescentes com seus problemas, reforçados pela ausência parental, mas sem cair na caricatura.

Ai que está o tom do filme. Ele é solar como pede o seu cenário, o Havaí com praias e a maior parte das cenas (externas) ambientadas durante o dia, aproveitando bem a exuberância do arquipélago. Mas diferente de uma Ilha da Fantasia ali, com personagens muito comuns - a exemplo de Beleza Americana, com neuroses menos evidentes- vai se percebendo os não ditos, os conteúdos recalcados familiares que coordenam aquela família desestruturada afetivamente e que vai juntando os seus cacos na medida em que Matt tem que lidar com as filhas, a traição da esposa e questões familiares quanto a venda de terras paradisíacas de sua família.

O filme não propõe uma solução imediata no estilo "e todos foram felizes para sempre", mas dá uma dimensão humana e a possibilidade de continuidade, coisa que uma "felicidade eterna" abortaria. Com um texto leve e bem humorado muitas vezes vai se revelando uma série de conflitos e temas como amor, perdão, traição, atenção e entre tantos outros afetos vão aparecendo e cativando o espectador mais sensível.

Não considero o filme uma joia, mas muito bem feito e que sim, provoca ótima reflexão dentro de sua direção "correta". Valeu a pena!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Millenium: o homem que odiava as mulheres



Neste verão eu decidi fazer algo de diferente. Ficar na minha casa nesse verão maravilhoooooooooooso das Baixadas Litorâneas fluminenses, tomando meus bons Montillas e dividir com vocês esses momentos meus, que inclui bancar o cinéfilo de ocasião e comentar os filmes oscarizáveis.

É que cinema pra mim tem sido como ir a um restaurante bom ou ir no McDonald's, ou seja, seja um filme de arte ou um blockbuster cerejão é algo que faço raramente e, quando o faço, sei distinguir entre uma coisa e outra.

Mas o cerne do post não é esse, e sim comentar o que vi da versão estadunidense para a obra do jornalista e escritor sueco Stieg Larsson (1954-2004), "Man som hataar kvinnor" (quedê o trema para o a de man, abnt? #classemediasofre) e que na versão de David Fincher é a "A Garota com a Tatuagem de Dragão" e no nosso dialeto brasileiro tornou-se "O Homem que não amava as mulheres". Coloquei os três títulos porque achei interessante quanto ao seu significado. Mas vou deixar a papagaiada psicolingúistica para o fim.

Estou com a versão sueca do filme na fila, que é de 2009 e dirigida por Niels Arden Oplev e quando vê-lo comentarei aqui, para as inevitáveis comparações.

Vamos ao tio Fincher. Esse é o tipo de filme que não dá pra ver assim de relance, aliás como todo o filme de mistério, detetives e afins em teoria devem ser. Não li a obra, mas pelo roteiro ele mescla uma história aparentemente nada absurda em termos de mistério, mas faz isso de uma maneira muito bem feita. Não foi difícil saber quem era o assassino do filme - acho que deduzi mais pela escolha de quem desempenhou o papel do que pela lógica em si, sou péssimo pra essas coisas - mas Fincher conseguiu trabalhar isso de forma  muito boa, partindo dos clichês habituais sim mas sem o lugar-comum: o investigador que se envolva com a assistente, o velho nazista em uma casa empoeirada, a garota hacker-gótica-maluquinha-usuária-de- drogas-bissexual, o senhor rico elegante e tudo o mais. E claro que além do bom roteiro de Steven Zaillian - o mesmo de Tempo de Despertar, A Lista de Schindler, Missão Impossível, Gangues de Nova Iorque, A Intérprete entre outros- aliado com as atuações do ótimo elenco, bem como detalhes técnicos como a fotografia, edição e montagem contribuem para isso.

Daniel Craig faz com competência Mikael Blomkvist, o jornalista da revista Millenium (título do filme) que perde um processo para Hans-Erik Wennerström, um "vilão" que pouco aparece no filme, até porque ele não é o foco central, mas o começo e o desfecho da trama. Craig teria tudo para repetir o 007 - tanto é que assim como em Casino Royale temos uma cena de tortura com tom homoerótico- e, por sua competência não o faz. Ele consegue achar o equilíbrio entre o jornalista derrotado, o pai ausente, o investigador inteligente e um homem submetido ao desejo de mulheres em situação de poder maior, seja pela editora Erica Berger (Robin Wright), chefe de Blomkvist ou pela jovem Lisbeth Salander (Rooney Mara), mais rápida, inteligente e que, sexualmente é quem toma a iniciativa diante de Mikael. 

A presença de Stellan Skarsgård é muito boa, ainda que eu o ache uma espécie de Gerard Depardieu sueco, ou seja, se o filme é sueco ou tem lenda nórdica na história, chamem Stellan. Para quem viu "A Casa de Vidro", em que ele era Terry Glass (vidro em inglês)  pode fazer uma ótima conexão, pois a personagem dele em Millenium, Martin Vanger, mora em uma casa envidraçada de fora a fora e dentre os membros da família Vanger é o mais simpatico e "transparente", juntamente com seu tio Henrik.

Bom rever Christopher Plummer que ficou na minha memória como o Capitão Von Trapp do clássico "A Noviça Rebelde". Mas uma vez ele é rico e mora em um lugar isolado de tudo...e a sua participação como o patriarca Henrik Vanger está ótima. 

Outro que merece destaque é o ator holandês Yorick van Wageningen, que faz do seu Nils Bjurman a medida exata entre o advogado comum, gordo , pai de família - sutileza do diretor na presença leve do álbum de retratos em sua mesa- e o cara perverso, fazendo um bom jogo com Rooney Mara sobre quem dá as cartas em alguns momentos do filme. 

A escolha do titúlo em inglês "A Garota com a Tatuagem de Dragão" é excelente, pois o filme é de Lisbeth Salander, a dita garota. O bacana é que essa tatuagem durante o filme é mostrada uma vez só durante um banho da personagem e já é o suficiente para sair do clichê (nossa, como estou usando essa palavra aqui). E se Lisbeth tinha tudo para ser a caricatura da garota esquisita rebelde maluca, a atuação econômica de Rooney Mara deu o ponto exato para a personagem que transita entre o violento, sexual, rigidez, dureza, afeto, carinho, infantil, inteligente tudo isso no momento certo, preciso.



Outros bons pontos é o fato do filme não terminar na resolução do mistério principal "quem matou Harriet Vanger?" e voltar para a briga de Blomkvist x Wennerström e Rooney Mara num visual mezzo Kate Perry, mezzo Raquel Assunção no julgamento de Ruth (sim, eu tenho que mencionar a teledramaturgia).

Aliás em relação ao apelo "gótico" de Lisbeth, é bom lembrar que a trilha tem o senhor Trent "Nine Inch Nails" Reznor, o homem do rock industrial tão querido pelos "goths, já que não só o filme, mas como o cenário, desde Estocolmo até o chalé de Blomkvist no norte da Suécia dá exatamente esse clima sombrio, mas sem cair naquele esquema fácil do noir-cinzento (pelo contrário o lugar é coberto por alvíssima neve). Há referência a Trent na camisa que o gordo que vende apetrechos eletrônicos para a espionagem de Lisbeth. 

E sim, nada de vilão voltando dos mortos para encher o saco e amarrando o final da história. O tempo nesse sentido é trágico e não dramático e isso é bom para o filme.

E as mais de duas horas de filme, enfim valem a pena. Se bem que nunca vi um filme gringo com merchandising descarado - quase no modelo brasileiro em que nomes de bancos vêm escancarados nas cenas- como esse, incluindo a Apple - claro em todo filme tudo mundo usa Mac, mas nesse, diferente de outros que vi, mostra o uso do MacOs- Coca Cola, Marlboro e Mc Donald's. Nada que comprometa o filme.

Consigo fazer mais leituras que me chamaram a atenção sobre Lisbeth: o fato dela oscilar bem entre a fragilidade e a força, entre a vítima e a vingadora, entre a louca e a sã, a tutelada e a independente. Outro ponto, no fim do filme, é que ela, mesmo sabendo de cabo a rabo a vida de Blomkvist ainda é surpreendida na cena final do filme por uma atitude tão comum feita pelos homens. Não vou contar para não fazer spoiling.

E por fim, no Brasil quisemos nos aproximar do título sueco "Man som hataar kvinnor", como "O Homem que não amava as mulheres". O que acontece, meus caros distribuidores brazucas é que uma coisa é "não amar", outra coisa é "odiar", onde é um desejo realmente existente com objeto e objetivo constituído, como o filme bem mostra. aliás quando li "hataar" me lembre do inglês "hate". Tá bom, não interessa a ninguém saber meus exercícios de etimologia vagabunda só pra dizer que sei alguma coisa).


Ps: Vejo nesse momento a que categorias do Oscar o filme está concorrendo

- Melhor atriz (Rooney Mara);

- Melhor Fotografia ( Jeff Cronenweth, que já trabalhou com Fincher em O Clube da Luta e A Rede Social, diga-se de passagem o segundo ainda não vi por pura implicância e o primeiro impliquei por anos para depois gostar muito do filme);

- Edição (Kirk Baxter e Angus Wall, companheiros de Fincher em A Rede Social, Zodíaco, O Curioso Caso de Benjamin Button, sendo que o segundo fez o Quarto do Pânico, para mim um suspense mediano)

- Edição de Som: Ren Klyce, também dos filmes já citados

- Mixagem de Som: David Parker, Michael Semanick, Ren Klyce and Bo Persson. Parker, já participou de inúmeros filmes, de O Retorno de Jedi a Gi-Joe, Piratas do Caribe entre tantos blockbusters. Semanick já tem duas estatuetas, uma por O Senhor dos Anéis- O Retorno do Rei (2003/4) e outra por King Kong (2005).  E o sueco Bo Persson já trabalhou com Bergman em Fanny e Alexander de 1982).

- Nada melhor que o IMDB nessa vida né mesmo? Dá um ar de que a gente sabe tudo de cinema, mesmo sendo um lammer, meu caso.