sexta-feira, 15 de novembro de 2013

No muro, no entanto, há vigas expostas

Les Demoiselles D'Avignon, Pablo Picasso, quem me mostrou as múltiplas faces na pintura

Aquela velha pergunta: quem sou eu?

Clarice, em "A Hora da Estrela" fornece uma ideia:

Quero afiançar que não me conheço senão através de ir vivendo...

Se tivesse a tolice de me perguntar "Quem Sou Eu?" certamente cairia estatelada e em cheio no chão.
É que "Quem sou eu?" provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade?
-Quem se indaga é incompleto!


Hoje ela surge através do que muitas vezes penso sobre mim mesmo. Eu, incompleto que sou.

E a bendita/maldita alteridade. O que os outros veem em você?
Há aquele discurso prático de auto-ajuda aparentemente rebelde "seja você mesmo, não ligue para o que os outros pensam". Claro que viver em função do pensamento ou da opinião dos outros é horrível. Por outro lado cabe a pergunta: será que estou imune a isso?

Na minha vida convivo com certos paradoxos. Nada mais humano que eles...

Para alguns eu tenho um lado forte, combativo que me leva à intolerância. A uma incapacidade de ouvir o outro e de ser crítico 24 horas por dia. Uma pessoa teimosa que não abre mão daquilo que pensa.

Para outros sou o eterno diplomático. Aquele que tenta contornar as relações e que não arruma inimizades. Que não é maldito na boca dos outros e sempre tenta ficar bem com todo mundo. O famoso "em cima do muro".

Ironicamente, o sonho desta noite me mostrou esse paradoxo: nele eu tentava ficar em um muro com vigas expostas (ah, os símbolos fálicos) só que não tinha espaço suficiente para eu me sentar. Engraçado ver como o sentar pode levar a uma associação interessante: bunda, passividade, acomodação. E no isso tudo era impossível. Há algo no desejo, esse que me mostra incompleto, que impede isso.

O que tem essa acomodação com o "quem sou eu?" e o "olhar do outro"?

No muro, sentado eu poderia estar ao mesmo tempo exposto (nele eu ficaria ao lado do meu namorado) e ao mesmo tempo observando. Sujeito ao olhar do outro. Sujeito, o ser da fala, o praticante da ação contida no enunciado verbal que ao mesmo tempo sofre a ação, se sujeita.

E junto com isso vem os incômodos: será eu o intolerante que não se permite ao que os outros pensam? será eu o covarde que tem medo de se colocar diante de certas situações?

No fim, ao invés de pensar no "quem sou eu", vem o "o que eu faço"? E como faço? Por que faço? E se eu puder colocar todas as perguntas, mesmo sabendo que elas não serão totalmente respondidas. Pela falta.

Aí me vem um conselho: não racionalize. Pode ser...Mas sou incapaz É aquele momento que parafraseando uma música do Serguei "eu volto pro interno". Nele, mais que racionalizar, é importante sentir também. Perceber as multiplicidades que há em mim na forma como eu me construo a cada dia. Reconhecer o paradoxo tolo do "quem sou eu", mas se permitir ir além dele.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Psicossociologia, PT e Supereu

Vi que compartilharam esse texto no Facebook e muitos o citaram como algo perfeito e definitivo. Uma coisa que observo é que toda vez que você quer negar algo do seu universo ou fazer a crítica de uma suposta crítica estabelecida, ela é feita de maneira rápida sem observar os detalhes que existem nela. No caso da autora, se há um universo de esquerda que critica a classe média e o que está junto (homofobia, machismo, racismo...) há uma necessidade de criticar.

Acho sempre válido criticar e duvidar do que parece tão confortável ao seu redor. No entanto ela tem que ser feita com observação e argumentos que sustentem essa crítica. E nesse sentido o texto apresenta alguns problemas. Vamos a eles.

Em primeiro lugar ela enxerga a classe média como "bode expiatório" e isso é motivo de incômodo. Eu fico pensando nos milhões de brasileiros que não tem o que comer e ela fazendo tal afirmação. Isso não é pura e simplesmente demagogia ou uma afirmação piegas, mas em um país em que a concentração de renda é absurda, essa afirmação não é de todo certa. Ainda que se possa reconhecer que essa concentração se dá, justamente pela forma como toda nossa estrutura social foi formada ao longo dos séculos e como ela se estabelece no século XXI, em que parte da elite está inserida no contexto capitalista global e outra mantém relações do Brasil Colônia. Mas esse é outro papo...

O grande problema é que ela fala de "classe média tradicional" e trata uma distinção como uma mera observação. É importante saber sim de que classe média você fala. Então falta explicar com clareza que classe média é essa.

Daí parte para para as explicações psicanalíticas. Sendo que faltou estabelecer uma outra diferença entre luto e melancolia, em que o primeiro é consciente e o segundo inconsciente. Isso é fundamental porque aí há de se falar de uma instância psíquica, o supereu, que sequer é mencionado, mas tem uma relação com a melancolia, já que ele se baseia em um desejo recalcado edípico (seja como seu pai, mas você não pode ser como seu pai, ie, desposar a mãe).

Outro fato é que o agente crítico tem sua relação com o sadismo e com a pulsão de morte.

Aí parte para a discussão sobre o tumblr classe média. Na sua alegação ela acha que tudo é creditado à classe média. De fato, homofobia, sexismo, racismo não são exclusivos dessa classe. O que ocorre, algo que qualquer psicólogo social deve ter em mente, é de que lugar se fala. Os discursos ali são produzidos sim pela classe média. É ela que fundamentalmente está lançando os comentários nas redes sociais e, além disso, são os clássicos comentaristas de portal. Concordo que nem tudo pode ser creditado a essa classe, mas afirmar que não o é é falta de uma visão contextualizada sobre o que está sendo postado ali.

A falta de uma visão social mais ampla faz com que a autora ache que as reivindicações da classe média são as mesmas do PT/Movimentos Sociais. Em um país em que se pautou pela escravidão e pela diferenciação das pessoas, parte da classe média quer sim seus filhos em escolas particulares ou seus planos de saúde porque isso é um sinal de distinção de classe, ainda que eu compreenda a má qualidade dos serviços públicos.

Outro detalhe é em relação aos movimentos evangélicos em que ela cita como das classes mais baixas. Os movimentos aos quais o PT tem como principal aliado, em especial a IURD, tem como sua base a Igreja Universal do Reino de Deus entre outras que pregam  a chamada "teologia da prosperidade", que muito mais se identifica com os anseios de consumo dentro das relações religiosas do que simplesmente pessoas pobres que estão indo rezar.

O PT não é e nunca foi o totem absoluto da "classe média tradicional". O tiozinho que esbraveja contra o Lula é o mesmo que 89 dizia que não votava em analfabeto baderneiro.Parte dessa classe pode estar enlutada, bem como os movimentos sociais organizados que tem/tinham o PT como aliado (aliás é bom frisar que no movimento LGBT, parte está cooptada pelo governo e outra não, então nem isso é homogêneo). Restringir toda a classe média "tradicional" a "viúvas" melancólicas do PT é uma simplificação falaciosa.

Até mesmo vendo os comentários da autora percebo a sua insistência em manter esse mesmo modelo. Enfim, o supereu não só se relaciona com a melancolia, mas também com a neurose obsessiva, que também tem horror a perda do objeto investido.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma saia justa

E este bafafá todo em torno da discussão entre Bárbara Gancia e Paula Lavigne me fez pensar sobre algo que há dias eu tinha refletido a respeito e que ainda não tinha colocado em texto.

Acertadamente, diz Gancia:
Fora que achei a pergunta preconceituosa, como se "pegasse mal" alguém ser gay hoje em dia.


A diferença é que ainda pega mal sim, ser gay hoje em dia, infelizmente. Por essa razão há questões que ainda permanecem necessárias. E a partir daí penso em duas situações com conhecidos meus, mas que provavelmente muitos já devem ter ouvido.

Um deles reclama que um amigo fica interpelando o tempo todo para saber a sua orientação sexual, para saber se ele gosta de homem. Pergunto a ele: por que você não joga tudo na lata e não diz logo? Ele me responde dizendo que aquela questão é de "foro íntimo", que o tal amigo não merece ter a resposta porque não foi uma pergunta de coração e só fez a pergunta para satisfazer uma curiosidade pessoal e não realmente uma preocupação com o que ele (meu conhecido) sente.

Outro resolveu dividir apartamento com uma amiga que fala abertamente sobre seus namoros e histórias "doidas" com os caras e tudo o mais. Ele reclama que ela "joga verde" para saber se ele é homossexual. E ele diz que não diz, porque não quer dar esse gosto para ela, não quer que ela fique sabendo da vida dele ou algo do tipo.

Em princípio posso pensar como uma operação neurótica do desejo. O dizer mara a possibilidade da dúvida e, como dizia Freud, o neurótico goza com o seu sintoma. Há um gozo, de certa forma, nesse não dizer, nessa omissão. É como o último biscoito do pacote que ainda fica ali, mostrando que está (quase) vazio, mas esse "vazio" de todo não ocorre. A dúvida alimenta essa construção.

Por outro lado não há de creditar tudo isso ao sujeito, isolado de sua cultura, sociedade e história. Pensemos: um hetero não diz que a sua orientação sexual é algo "de intimidade". Um homem que tem desejo sexual por mulheres ou uma mulher que sente desejo sexual por homens (com grandes ressalvas aqui, porque entendo como o machismo opera na hora das mulheres expressarem seu desejo, ainda que com parceiro do sexo oposto) não é algo "íntimo". Seu amigo hetero não vai esconder que ele tem desejo por uma mulher, ainda que existam aqueles tímidos ou os mais reservados que não revelem o seu interesse. Independentemente disso, eles têm uma autorização social para que esse discurso ocorra...o discurso do homossexual não goza desse mesmo atributo, ainda que seja "hoje em dia", embora eu reconheça as pessoas que não têm medo de falar a respeito, como a própria Gancia.

Tem dois caminhos que pensei: por um lado sim, o desejo é de ordem íntima e não sabe forçar os meus conhecidos que mencionei ou quaisquer outros em situação semelhante a apresentarem sua orientação. Por outro lado é estranho essas pessoas terem amigos, ou pessoas com quem dividem o mesmo ambiente e se sentirem agindo dessa forma, gerando essa espécie de roda sem fim. Se eu prezo tanto a minha intimidade assim por que razão eu haveria de me relacionar com amigos com os quais não digo certas coisas, ainda que dividamos os mesmos espaços, troquemos intimidades e convivemos juntos quase todos os dias?

Talvez é para o biscoito permanecer ali, no mesmo lugar. Só que chega um dia que ele estraga...e fede. E não há saia justa que dê conta.





segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Adesivado


Adesivos! Adesivos! Tome seu caminho pela trilha figurinha-autocolante. Reluzentes todas elas. Que no final da estrada, a casa de espelhos, toda transparente, está tomada por completo por adesivos. Nem macacão de piloto de F-1 conseguiu tamanha proeza.

Mas fique certo de que a palavra são "stickers". E não leve um dicionário. Neste caminho eles não são de bom tom e há de provar pra este universo de que toda palavra estranha é dita com todos os efes e erres. Ainda que elas não signifiquem nada.

A loucura tem algo assim, não é mesmo?

Toque na casa de adesivos. Está mole. Não há mais espelhos, ainda que muitos deles em tinta fluorescente diga "si-mesmo"...Mas no apagar da luz, a tinta fosforecente, mostra outra coisa. Mostra nada.

E nada há dentro da casa. E adesivos se desfazem no ar.

Ali não há casas. Há. São todos com passos de tartaruga. Carregam suas casas também. Suas identidades. Seus adesivos. Para que todos vejam. Mas só os que forem de figurinha repetida. Fora da repetição tudo é um grande mar de tédio e bocejo.

Então era melhor dormir, para ver a realidade. Longe dos campos forjados, adesivados.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Olhar de si

Os existencialistas, a reboque de Nietzsche recusavam a ideia de um "si mesmo", em nome da mudança. Não me lembro do nome do pré-socrático (Parmênides?) que fala do conhecimento como um fluxo que muda, tal como um rio.

Lacan vem com o seu estágio do espelho em que para a emergência do "eu" é paradoxalmente necessário o olhar do Outro. O Outro do inconsciente internalizado em nós mesmos, mostrando onde somos onde não pensamos.

Nas redes sociais, fotos da academia, da viagem, marcações no foursquare, stickers do get glue, instagram e ganham mais significado que o exercício, a viagem, os lugares, os filmes vistos ou a comida saboreada. O prazer é puramente escopofílico. E o olhar do outro aprova esses espelhos tão turvos, já que o real, é indizível.

Enquanto isso, nos esquecemos do que aconselha Riobaldo em Grande Sertão Veredas, que o segredo da viagem é o caminho, e não o seu final. Mas ele era homem do sertão, de grandes distâncias...bem longe desses 2013 sem compartilhamento de ideias em si e só exposições narcisistas na nossa eterna busca de aprovação do olhar dos outros.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Equilíbrios

"Deletar, não! Não quero ser tão radical." Luane Dias

Há exatamente um ano, o Evandro aproveitou que eu passaria a última semana de férias do meio do ano fora de Araruama e me sugeriu: desligue o facebook por uma semana pelo menos e você verá o resultado. Foi uma experiência ótima, apesar de sempre aparecerem as mensagens desesperadas querendo reafirmar o sentido de urgência. Sobre isso a Eliane Brum tem um texto ótimo falando a respeito.

O caso aqui é que agora me bateu aquele senso de Luane Dias ("deletar o facebook não, não quero ser tão radical!") e pensar justamente num clichezão que é clichê por justamente ser ideal: um ponto de equilíbrio entre a existência dentro e fora da internet. Tudo bem que essa divisão para mim não é radical, mas quero pensar exatamente sobre pontos específicos em que essa distinção será necessária.

A última viagem para Curitiba me fez ver bem essas coisas. Pude curtir bem o passeio sem estar conectado 24 horas por dia e tudo o mais, ainda em que em certos momentos eu possa ter compartilhado uma foto aqui ou outra acolá em uma rede. Se eu me sentisse culpado em relação a isso e preconizasse "ah não posso fazer isso de jeito nenhum", aí sim estaria esquisito pois estaria postulando a mim mesmo uma proibição para algo que no fundo não me seria saudável.

Penso por exemplo nas ilusões de Escher do passeio que fiz com Matias e em como o tempo naquela cidade vive mudando. Pude sentir isso e depois ter um ótimo chá. O passeio que refiz 18 anos depois me faz reconectar com o menino que vivia numa época em que o máximo em fotografia era torcer pro filme de 12 poses não queimar (o de 36 era mais caro). Aliás me bateu uma emoção quando vi a mesma farmácia na esquina em frente ao Jardim Botânico na qual comprei o filme quando cheguei em Curitiba em 1994. Ao mesmo tempo é engraçado conviver com mensagens do tipo "onde está você?", como se houvesse uma cobrança para estar a postos. Eliane não está errada.

A pergunta clássica do mesmo Evandro: E como você se sente com isso, Odilon? Ele mesmo notou uma certa intranquilidade minha no regresso. Era como se tudo estivesse misturado ali: a vontade de rever as pessoas, fazer os passeios do jeito que eu quero, contar as novidades, carregar uma mala pesada e tudo isso pra ser vivido no "real" enquanto as "cobranças" do virtual estão ali. É angustiante, pesado até o momento em que paro, penso e digo, como aquele mene do cachorrinho "Qual a necessidade disso?".

O ponto de equilíbrio está justamente em seguí-lo, ainda que ele não esteja em seu perfeito ideal. Explicando melhor e sendo menos abstrato: se estou curtindo o resto de férias na presença de amigos do jeito que eu quero que eu continue fazendo exatamente isso a despeito de qualquer cobrança que possa surgir. Na verdade essas cobranças não são dos outros, mas internamente minhas. E é justo com elas que eu tenho que lidar de uma maneira mais tranquila.

Assim sendo, nessa busca da tranquilidade esse é o caminho necessário para mim conseguir uma melhor tranquilidade e qualidade de vida. Os equilíbrios são ideais? São...Mas que ao menos eu tenha o direito de perseguir o meu equilíbrio ilusório da maneira mais interessante e livre para mim, sem cobranças que possam encher a paciência.

Ps: A escolha de Luane para ilustrar esse texto e aquela foto desta celebridade nascida no virtual com esses óculos espelhados e mostrando em parte os seus olhos não foi à toa.


terça-feira, 23 de julho de 2013

O investimento de Narciso


Já postei aqui, diversas vezes, quando quero pensar sobre o amor sobre o investimento que é feito no "eu". Seja com aquele jargão psicanalítico, herdeiro do texto do Freud de 1914, ou mesmo no conselho da amiga pra outra "fofa, você tem que ter amor próprio, dane-se se vocês terminaram" e tudo o mais. Está no imaginário coletivo.

Aí na madrugada aparece esse tema mais uma vez. Pensei na questão dos investimentos que fazemos e quando nos damos conta de que estes objetos investidos de amor se perdem e aí desabamos.  E então nos recolhemos, sofremos, nos martirizamos, isso quando não colocamos toda a culpa no outro. Diante da perda amorosa, são várias as respostas possíveis.

Daí eu, que gosto de extrapolar, pensei nas confusões que vejo em redes sociais. A com estranhos porque um quer valer a sua opinião como soberana e digna de ser curtida e admirada. E as inúmeras que vejo entre amigos na qual, aquela pessoa que você ama (amizade é um investimento amoroso) discorda de uma ideia sua. Ele não ama, não se interessa e ao mesmo tempo rechaça aquela ideia que você guarda para si com tanto carinho. Como pode meu amigo ou minha amiga discordar de mim assim?

E daí, o sentimento de aniquilação, que não dorme cria toda a confusão com um objetivo: destruir aquele outro que não te ama. Um objeto destruído pelo eu é mais vantajoso que um outro que me causa desprazer por não concordar comigo. Antes nada do que algo negativo. Ou seja, mais vale eu acabar com aquela opinião do meu amigo e convencer de que estou certo, ou em casos extremos, acabar com a amizade, do que manter a discordância que tanto me incomoda e interfere no meu eu, transmutado na opinião minha de algo, essa traduzida como um objeto.

Outra situação interessante é a timidez. Eu mesmo me considero tímido em muitas situações. E daí me dou conta de que essa timidez é uma tentativa tipicamente neurótica de não sentir o ego abalado. Por exemplo...

... uma pessoa está numa festa e se interessa por outra. A timidez gera um medo que diz assim "não vá até aquela outra pessoa que ela vai te rechaçar. O seu "eu" não maravilhoso vai se mostrar completamente desinteressante, a desistência do outro vai evidenciar isso em você. Te causará esse desprazer. Então a saída é não fazer nada, ainda que o resultado seja exatamente igual ao de quando se é rejeitado, isto é nada acontece tanto para aquele tímido que "não chegou junto" como para aquele que levou o fora.

A diferença no caso é que o tímido, ali, paradão, se sente no controle da situação. "O neurótico goza com o seu sintoma" diria Freud e é mais ou menos por aí. Ou "eu" tenta de alguma forma se manter inteiro e gera a fantasia da rejeição do outro (se eu for, vou me dar mal, vou me ferrar) na qual o enredo está sob o controle de mim e não da ação (real) do outro.

Tem um paradoxo interessante nisso que, ao mesmo tempo em que é um investimento narcísico (não entendido aqui como uma patologia, por favor) é também a eleição de um outro como grande avalista do seu desejo. O estranho com quem brigo por opinião, o amigo em que investi uma relação pra concordar comigo em tudo, ou aquela pessoa ali no canto da festa na qual não chego junto. Para todas elas entregamos um poder que ilusoriamente era nosso.

No meu caso específico, uma chave talvez seja se perceber ridículo - coisa que reparei no divão, por exemplo- e perceber que tem muitas coisas além. Que viver implica sim perdas, ou então era melhor nem ter nascido e daí não ter nem prazer nem desprazer, como é na morte. Lidar com as perdas é difícil, mas nos obriga a deparar de que não somos um inteiro perfeito, mas que somos quebrados e fragmentados em diversas ações, somos faltosos e é justamente essa falta que move o mundo.

Enxergo aí uma chave que me faz pensar sobre a compulsão e a timidez: um investimento falho em um eu inteiro que simplesmente não existe. Enfim, esse assunto ainda rende, não é conclusivo, apesar da confusão que está esse texto. Tipicamente liquididificado.

Protesto

Faz um bom tempo que isso aqui tá abandonado, meio que pegando carona nos protestos que estão rolando no Brasil e tudo e tal. E em terras fluminenses a coisa continua com prisões arbitrárias, tiro, porrada e bomba. Algo que os moradores das periferias e favelas conhece há muito tempo... Mas antes que me taquem pedras, não justifico nenhuma forma de violência, seja na Vieira Souto ou na Passarela 9 da Avenida Brasil.

Os ânimos estava acirrados a ponto de eu ser questionado no facebook por conta de uma charge do Latuff - criticando os coxinhas - de ser um extremista de esquerda sem visão política da realidade ou algo do tipo. Claro que não preciso ficar dando satisfação pra a, b ou c sobre os meus pensamentos desde o momento em que eles não interferem no direito de ninguém, mas é um tanto quanto ilustrativo de como estavam os ânimos.

Sim, teve uma galera que preferiu ficar resmungando e dizer "ah é coisa de coxinha e vla bla bla". Isso pra mim é uma atitude conservadora pra quem se acha libertário. Se você ao menos é contra ao que está sendo dito, faça você mesmo então seu protesto, se organizando, militando, consultando as lideranças e fique pronto(a) para o tiro, porrada e bomba.

Claro, tem o coxinhismo do "sem violência" ou do mandar sentar. Tem aqueles ativistas de facebook que acham ruim porque o trãnsito fica uma merda pra chegar em casa e depois quer pagar de iconoclasta falando mal do Papa. Se você é contra manifestação por direitos legítimos você tão babaca quanto à ICAR pelo conjunto da obra e a tal da cartilha nefasta e preconceituosa que ela anda distribuindo. Enfim, esse é outro assunto. Deixa eu sair da teoria e contar a minha experiência pessoal em relação a isso.

Fui para o protesto em Cabo Frio, maior cidade das Baixadas Litorâneas Fluminenses, me encontrar com um amigo lá. O ônibus parou na entrada para o Centro da cidade e uma mulher com medo - justificável- de levar tirou ou algo do tipo.

Ao chegar encontrei muita gente jovem, muitos estudantes. Mensagens inócuas sim, vazias como "contra a corrupção" e coisas do tipo, mas outras bem direcionadas. O alvo era a empresa Salineira, que detém o monopólio do transporte na região e conta como um de seus acionistas o onipresente Jacob Barata, aquele mesmo que manda e desmanda no transporte rodoviário da capital.

Boa parte dos ônibus é intermunicipal. Até porque a região não ficou imune à praga da criação de trocentos municípios. Assim sendo, se você vai de Araruama a Cabo Frio (40km) você paga os mesmos R$ 4,00 que alguém saindo de São Pedro da Aldeia ou Arraial do Cabo até aquela cidade, mesmo distante 10 km (ou menos) de Cabo Frio.

Rolou o barulho, mas as passagens locais não baixaram. Só o intermunicipal de 4 passou para 3,80 por determinação do Governo Estadual.

O legal é que nós temos o desejo neurótico obsessivo de querer determinar tudo (beijos Viviane Mosé) e morremos de medo do incerto. Claro, "é preciso estar atento e forte" com manobras conservadoras do pior tipo em uma situação como essa. Mas isso não é desculpa pra fazer a linha iconoclasta de botequim e ficar apenas pixando de "coxinha" quando você não faz absolutamente nada.

Essas manifestações me lembram, num primeiro momento o objeto "a" criado por Lacan, aquele que não pode ser dito. No entanto vejo as manifestações como um discurso. Tudo bem, é da classe média, ou daqueles que outrora não estavam engajados. Mas isso não desqualifica o movimento. Se há a necessidade de coisas para serem ditas, que sejam. É legítimo. Ao que parece os que criticam a falta de democracia por vezes agem como reais reacionários.

Por outro lado tem aquele discurso mal direcionado e a papagaiada carnavalesca. Faz parte sim. E tem aquela hipocrisia do coxinha que ouve Charlie Brown Jr porque "é contra o sistema" e curte grafite, mas quando o bicho pega e você fala "fulano, você vai no protesto"..."ah não vou nessas paradas não, sabe como é, o bicho pega e bla bla bla"

Menciono tudo isso porque em mim habita o doido revolucionário, o coxinha do face, o medroso que só se revolta ouvindo aquela musiquinha entre tantas coisas e, obviamente, é importante revelar em mim cada um deles, mais que fazer o papel de inquisidor. E participação política é muito mais que uma passeata. E opressão policial é mais que as balas de borracha. Maré e Amarildo não me deixam mentir. 

De qualquer forma foi aberta uma das várias caixas de pandora (algumas já abertas há séculos) que parte da sociedade resolveu mexer e/ou olhar. E isso significa muita coisa, ainda que não se tenha um significado completo dos protestos. 

Ainda bem, porque cabe espaço para mais. Como diria o Basílio, trolando um clichezão ridículos desses, mas bem apropriado pra o momento "definir é limitar"

terça-feira, 18 de junho de 2013

Do pessoal e do coletivo



Estou há tempos protelando novas postagens por aqui. Especialmente agora que é outono, estação simbólica não só pelo fato dela ser a minha preferida, mas também quando ocorre o meu rito pessoal maior: o meu aniversário.

E nessa virada dos 35 tenho percebido de forma mais intensa as minhas emoções. Ao mesmo tempo inicio um relacionamento amoroso de forma mais tranquila e nem por isso menos intensa. Por vezes um sorriso desconcertante ao ouvir um "Eu amo você" me diz muito mais ao meu respeito do que uma série de elocubrações.

Acontece que eu sou prolixo.

E sou do tipo que sempre penso nas interseções da história coletiva com a história individual. E isso acaba mexendo com certas emoções em outros campos, em outros relacionamentos amorosos.

Estamos cá agora vivendo toda essa onda de protestos no Brasil. A história coletiva acontecendo. E em meio a tudo isso vejo pelas redes sociais uma pá de opiniões. Acaba que uma, mesmo que sendo uma merda, ganha mais relevância que a outra. Afinal vem na cabeça: poxa, vem de alguém que a gente ama, convive por mais de 20 anos desde o momento que nasceu etc etc etc. Mas antes desse "vir na cabeça" vem uma raiva acompanhada por uma série de ressentimentos.

E por que eles aparecem? Um exercício mental me lembra de que por mais que eu queira ignorar o fato, tem a história pessoal. Nela vem uma enxurrada de ressentimentos por parte da outra pessoa. E isso mexe comigo. Admitir isso é um primeiro passo.

E quais seriam os outros?

Diante das opiniões pessoais desse outro na qual vejo no intertexto uma série de ressentimentos o exercício da sabedoria a ser feito, antes do "deixa pra lá, é irrelevante" é pensar na clássica pergunta que, vira e mexe, o Evandro me faz: "Odilon, isso muda alguma coisa na sua vida?". É um questionamento libertador.

No caso não muda em nada. Sou talvez como Ló ao sair de Sodoma e Gomorra e segue em frente em busca de uma nova terra. A esposa vira para trás, vira uma estátua de sal. E as estátuas de sal devem ficar onde estão, até serem dissolvidas. Ela não há de salgar o meu prato.

E no mais, tem algo muito, mas muito maior acontecendo a minha volta...seja pessoalmente, seja no coletivo.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Dos balões


Sim, eu me lembro de quando o chamei para ir comigo." Mas esse balão é só de enfeite. Tem como contemplar o céu e as estrelas sem necessidade de subir nele. O céu, visto de baixo é bem maior. Não que eu não gostasse de ver o que há ali em cima com você, mas isso não é tudo". Isso foi tudo que me foi dito, mas...

... de repente estávamos ali no meio da tempestade enquanto subíamos e poderíamos ver toda a paisagem por cima. Disse-lhe que não havia problemas, que ele era bom navegador, que tirava aquilo de letra, ainda que o balão não fosse perfeito e que ajustes eram necessários.

"ah legal!". Isso foi tudo que me foi dito e...

... cessa a tempestade e não sei se caí, não sei se foi sonho, ou apenas um torpor momentâneo. Só sei que estava no meio do deserto. Sem balão, sem tempestade, sem a companhia, sem a habilidade. Senti-me só no frio de uma noite seca com muitas estrelas. Todas inalcançáveis, quaisquer que fossem os balões.

Isso foi tudo que pensei, logo...

... dei conta de que o único diálogo era comigo mesmo. Ali. O que restava era fazer o meu balão. Do meu jeito. Eu era um bom navegador. Não me importunavam a secura ou as aves que piavam no céu disputando alguma coisa que eu não conseguia ver. Vi que o conhecimento estava comigo e que só me restavam achar as peças pro meu próprio voo, para daí decidir quem ia comigo ou não. Mas tudo vinha do zero e...

...esse nada, esse vazio, essa vontade, era tudo que eu tinha, mesmo que não dito.

sábado, 23 de março de 2013

Como liqudidificar o carnaval?

No meu infame trocadilho com o nome desse blog penso que o tempo pode ser um aliado ou cruel motor para a liquididificação. Eu era para ter feito isso com o carnaval, que já foi há mais de um mês (daqui a pouco já é Domingo de Ramos) e nada foi mencionado aqui.

Talvez porque há experiências que são mais intensas e ao invés de serem colocadas numa espécie de associação livre, elas são melhores se forem sentidas. E no fim vem a elaboração textual, apesar de achar meus últimos textos muito fracos nesse sentido.

É engraçado agora recordar tudo. A figura da barca que vai e volta na mesma embarcação  para ver se resolve algo. O velho que me diz algo que não entendo. Os moços do 472. A sexta-feira. A necessidade de comprar bebidas. Aquele bloco simples no Leme com cordas. O multibloco dessa vez bem mais cheio e que rendeu fotos como a que ilustra esse post. A necessidade por descanso. O meu domingo cedo e maquiado com Osmar, Jefre e Átilas. A noite com comentários de Fabiana e volta pelo Centro do Rio. Rir com Sandro e Jadir e rever outras figuras. O reencontro com alguém que não vi pessoalmente e a noite ao som do samba da Portela. A manhã ressacada e eu perdendo uma estação do metrô. Aquela segunda de pura pasmaceira, que é a praga do carnaval, mas torcendo para Fabi se dar bem em seus desfile (e assim foi!). A terça-feira no Rio Maracatu e depois na Banda de Ipanema. O ar de desleixo que aparece quando eu bebo e me dou conta que esse desleixo é como eu gostaria de ser (ou na verdade sou). As revelações falsas de um espírito do Natal passado do meu amigo. Outra volta pelo mesmo lugar e dessa vez a noite é do Sandro.

... a quarta-feira de tão bonita merece uma linha separada. Meu coração agora bate mais devagar que em outras situações parecidas, porém com grande intensidade. Achei que nunca mais sentiria isso, mas o amor tem dessas coisas...

(e me obriga a pisar em ovos...)

... a quinta feira com uma figura maluca dos Andes que só Deus sabe como chegou no Brasil. A noite doida do meu melhor amigo que não será narrada no programa de TV vespertino. E vem a sexta...o sábado no fim do horário de verão eu deixo a Manchester Fluminense que estava no ensaio da Viradouro para ver a Manchester de fato. Para um domingo mais calmo e uma segunda feira de reencontro com parentes, de viagens emocionais, antes mesmo de voltar para casa.

Assim foi, assim tá registrado. Os neuróticos-obsessivos precisam disso. Mas que se foda, o gostoso é dar uma gargalhada e perceber que assim como as criações no texto, muita coisa é maquiagem.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Enquanto eu puder cantar...


Hoje eu estava para fazer um texto sobre temas mais amenos aqui nesse blog. Mas as manobras em nosso Congresso apoiada em especial na omissão do Partido dos Trabalhadores, que historicamente abrigou as lutas da minorias de poder neste país, me fizeram mudar o tom. Este tom é de indignação e tristeza, ao saber que um pastor racista e homofóbico de uma legenda de aluguel evangélica consegue a liderança da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Acho importante saber as suas atribuições aqui.

Diz o texto que  " O poder exercido pela CDHM advém da representação intrínseca dos mandatos " e fico pensando nesse poder dado a alguém que afirma que africanos apresentam uma maldição, bem como suas práticas religiosas, além de declarações homofóbicas. Mais que uma lástima, é triste saber como o jogo político funciona quando uma força com a história do partido dos trabalhadores rifa os direitos dessa maneira e entrega ao fundamentalismo de ocasião mais nojento um cargo dessa natureza.

Mas Odilon, isso não é democrático, ele tem o direito constitucional de exercer o cargo. Ok, se as leis garantem isso, faz parte. No entanto da forma como essa "força resultante" se colocou a partir de uma política que acende uma vela para Deus e outra para o Diabo e que se reflete em diversas áreas em nosso país, uma prática chamada por alguns de "lulopragmatismo". E o pragmatismo se converteu em uma negligência espúria com um representante da maior denominação evangélica do país.

Em tempos de ditadura Nelson Carneiro lutou contra o conservadorismo da Igreja Católica para que a lei do divórcio fosse aprovada em 1977. Hoje, em 2013 a luta não cessa, apesar do mesmo conservadorismo estar em outras mãos. É luta que permanece.

Sendo negro e homossexual sei que a vida vem no modo "hard" tal como uma comparação nerd que vi certa vez nas redes sociais. E nesse modo há de se enfrentar de cabeça em pé essas e outras manifestações do pior tipo de conservadorismo. Não nos esqueçamos que Marco Feliciano foi eleito pelo voto. Ele representa uma série de eleitores que compactuam dessa mentalidade conservadora. E essa por sua vez em muito se alimenta na cultura autoritária que engessa esta terra desde 26 de abril 1500, o dia da primeira missa, combinada com a omissão do Estado em pontos cruciais como sa´de e educação. A omissão do PT na comissão se assemelha a do Estado que ao não cumprir seu papel dá espaço (e por vezes apoia) a essas diversas seitas de pura lavagem cerebral que servem de consolo e garantia de prosperidade aos pobres. Nesta história toda, não há santos.

Com lágrimas nos olhos eu termino o texto cantando essa que considero uma das mais maravilhosas canções do Chico. Não sei como vai ficar o meu cordão. Sei que diferente do desejo de alguns que falam em pedir green card para outros países . Negligenciando o fato de que os direitos conquistados em locais onde os direitos LGBT e outro avançaram não foram por benesses dos governante e parlamentares, mas foi a custa de muita luta. Não há no caso uma "cultura naturalmente avançada" como faz supor nosso complexo de vira-latas no estilo "classe média sofre". 

No frigir dos ovos, ninguém vai me acorrentar, enquanto eu puder cantar, enquanto eu puder sorrir...




quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Amoriçoca

Por vezes se é hostil a certos sentimentos. Então é melhor preveni-los porque paixão amortece assim como a dengue. E a hostilidade pode ser uma prevenção assim como evitar água parada. Revolva as águas, agite e crie um padrão de barreira emocional para não deixar esse sentimento aparecer.

Mas é verão e por vezes não tem como fazer um controle absoluto. E ai o amor vem zunindo como uma nuvem de muriçocas. Essas aparecem à noite, mordem, incomodam e causam coceira. Assim o melhor a ser feito é se apoiar numa cortina de inseticida e deixar o amor se manifestar sozinho, sem colocar o menor sinal de empatia. Mas é bom deixar aquela nota de que "a ausência foi necessária para não interromper o processo". Está na embalagem do produto: deixar o recinto completamente fechado por 20 minutos para o remédio fazer o efeito. No caso, foram exatos 28 minutos em uma madrugada de quarta para quinta.

Cabe prevenir-se de novo? Ou cagar pra isso tudo? Arrumar confusão, hostilidade? Seguir o tolo conselho tautológico do olhar para "si mesmo"? Enfim, no frigir dos ovos a decisão é minha. Diferente das muriçocas o melhor é fazer isso tudo sem zunir. 


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O corpo nu é, sobretudo, um corpo vulnerável

Recebo com espanto e ao mesmo tempo com racionalização a morte do ator pornô Arpad Miklos, cujo nome real era Peter Kozma. Morreu aos 45 anos e ao que indicam as notícias foi um suicídio.

Espanto porque a morte de alguém que aparentemente está bem - não faz muito tempo Miklos estrelou esse clipe- de repente aparece morto.A racionalização vem daquele princípio de que "ah vida de ator pornô é assim, tem aparência e tal, mas por trás há muitos problemas com drogas, depressão etc e Miklos não é o primeiro a morrer nessa indústria...". A racionalização não é mentirosa, mas é aquele eterno desejo da neurose obsessiva em organizar e arrumar explicação para tudo, inclusive para o que não pode ter explicação.

Quando via Miklos nos filmes sempre percebia um encontro de ideiais: homem com mais de 40 com "tudo em cima", musculoso, peludo, "jeitão de macho", enfim, um homossexual com todas as características desejadas do mundo hetero. Um detalhe que pode parecer banal, mas que me chamava a atenção era o fato de nos filmes ele sempre ser o ativo.

Fuçando a internet encontro o post de outro ator pornô, Colby Keller, comentando a respeito da morte de Miklos/Kozma. Uma frase que me chamou demais a atenção e que me inspirou a fazer o post foi essa "Afinal de contas, um corpo nu é um corpo vulnerável". Não pensei nela para buscar explicações para o sucídio de Arpad, mas em pensar a forma como lidamos com o corpo e a industrialização dele.

"The naked body is a vulnerable body after-all" Colby Keller


Um ator pornô, seja hetero ou homossexual ativo, não pode broxar. Esse mecanismo me faz pensar muito na estrutura neurótico-obsessiva, que evita a morte, mesmo rondado por ela o tempo todo. Tudo tem que estar duro e há uma evitação constante da falta. Como na metáfora da garrafa de água na geladeira que ainda guarda um resto insignificante porque o último que tomou água não quis que ela parecesse vazia por completo. E quando penso não só na indústria pornô, mas nas representações do corpo na mídia em geral me traz exatamente essa ideia: tudo milimetricamente calculado para aparecer e não deixar"cair" nenhuma vez. Seja a subcelebridade do carnaval, o ator malhadão, a/o modelo capa da revista ou aquele anúncio de cásulas emagrecedoras na rádio AM. Tudo bem que essas coisas são mais que batidas, mas cabe estabelecer a ligação aqui.

Outro dia mesmo comentava com um amigo sobre Queer As Folk e Roma e suas "ousadas cenas de sexo" e a forma como elas eram extremamente plastificadas a ponto de não serem sexuais. E o que isso tem a ver com o texto?

"Um corpo nu é vulnerável" e diante dele tentamos colocar diversas forma de controle. Enquadramos em discursos que se ligam politica, cultural e economicamente com o sistema vigente. Este corpo é construído para atender a um certo padrão estabelecido. E em uma sociedade que "sucesso", de "superação" broxar não é permitido, exceto que você venha com uma linda história de superação. Só que, repetindo, sendo esse corpo vulnerável nenhum controle é capaz de escapar à morte. Talvez o suicído de Peter Kozma seja uma trágica ilustração de como um corpo e uma personagem moldados em um certo padrão não escapa a ela também.




quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O dinheiro que não protege

Um tema que estou há tempos para "liquididificar" é o racismo. E como ele tem a sua grande dose de perversão, fica aquela coisa "Odilon, não é melhor não discutir isso, parece que você está se vitimizando etc e tal e bal bla bla" E por ai vai.

Tudo bem que nunca fui um negacionista ou mesmo alienado quanto a isso. Está na minha carne, está em minha própria identidade e disso não tem como fugir. O que eu estava sentindo falta era de uma leitura mais profunda sobre o tema, já que como psicólgo social sempre me foram sensíveis questão de gênero, sexualidade e violência. Considerando o racismo como algo ligado á violência estrutural e tendo experiência em lugares pobres em que a maioria da população era negra assim como eu, sempre senti falta, mesmo nesses trabalhos de apontar isso de forma mais direta e intensa.

E ai vieram a questão das cotas. Os debates a respeito do tema. O chorume de gente como Demétrio Magnoli e Ali Kamel. O caso envolvendo "Caçadas de Pedrinho" do Monteiro Lobato. As velhas manifestações no dia da Consciência Negra em que me dá mais revolta quando vejo um negro repetindo o discurso negacionista. Eu sei que como estrutura e instituição, essa opressão é devidamente internalizada por todos. Ainda assim, mexe comigo. Bem como as falácias sobre o tema, as mais clássicas ditas até por pessoas cuja inteligência admiro, mas esbarram feio quando não tem ou não querem entender o seu privilégio na sociedade. Poderia até fazer uma lista deles aqui, mas seria chover no molhado. Ou deixo para um próximo post.

Dito isto, vejo hoje o caso do Neymar no campeonato paulista. O jogador foi chamado de "macaco" pelo técnico do ituano e na hora reclamou com o juiz. Depois fez o estilo "deixa disso" e disfarçou dizendo que era apenas um "mal entendido". Cá nessas terras temos a esquizofrenia de um país em que as pessoas sempre conhecem alguém racista, mas ninguém admite que o é.

O negacionismo de Neymar é recorrente. Ele mesmo ao desconversar sobre racismo ele disse que nunca o sofreu porque "eu sou branco". Algo parecido foi dito por Ronaldo Fenômeno. E vejo isso, especialmente nos meios mais pobres, já que no país, sendo a cor um patrimônio, como bem explica Muniz Sodré, o tom de pele do negro mestiço um pouco mais claro confere-lhe uma aparente "vantagem", mas essa mesma se desmonta. Eu mesmo percebo isso, quando algumas pessoas ficam indignadas comigo quando afirmo a minha negritude e dizem "mas Odilon, você não é negro, é moreno (ou moreno escuro, seja lá o que for) e ai me lembro da melhor frase de Fabiana: "meu filho, nem meu cu que não pega sol é moreno".

No entanto o ocorrido com ele no jogo é um fato que desmonta algumas ideias. A primeira é a afirmação de que "raça" não existe, ou que querem "racializar" o brasil. Bem, quando alguém xinga o jovem jogador de "macaco" tem duas coisas ai: primeiro a raiva  em um discurso racista. Outro ponto é que esse xingamento não é uma novidade criada pelo tal técnico, mas ele é comum em nossa cultura racista. Então, o racismo é sim um fato social e psicológico, ainda que alguém apresente 50 teorias da biologia dizendo que raça não existe (ela está certa em seus pressupostos, mas a biologia não dá conta dos fatos sociais). Se tem gente que acha que Adãoe  Eva é verdade absoluta como alguém vai deixar de ser racista só por conta de dados do projeto Genoma?

Além disso mostra que a velha falácia do preconceito apenas social é mentira. Neymar tem seu nome e prestígio no futebol apesar da pouca idade. Deve ganhar 50 vezes mais que um ministro do STF (não fiz as contas, mas com certeza é mais, me permitam a hipérbole) e é contratado em diversos comerciais e tudo o mais. Veja, se o preconceito fosse apenas social no Brasil como alguém o chamaria de "macaco" durante uma partida?

Uma das coisas que sempre me chamaram a atenção no futebol, eu como torcedor, é que nele paixões são liberadas. Sentimentos absurdos surgem, entre eles a raiva, por conta da disputa. Não é à toa que, infelizmente, vemos brigas de torcida com morte mostrando o caso mais extremo da violência e geralmente contra alguém que o assassino sequer conhece e o odeia por apenas torcer para outro time. Pois bem, é nesse cenário que as censuras baixam e a sombra do nosso negacionismo aflora. Não que o racismo seja circunscrito ao futebol, que ai seria uma loucura da minha parte afirmar isso, mas como esse caso do Neymar é um bom exemplo de como esse tema é presente em nosso país, em nosso mundo.

Sendo assim, um tom mais claro, grana, fama e sucesso não vão te resguardar do racismo. Ele é uma instituição mais entranhada do que isso. E um passo importante será nós mesmos não negarmos isso e não ter medo de encarar a situação de frente, nem medo de dizer o que pensa sobre isso, tal como estou fazendo agora.

Ps: Aqui tem um texto interessante sobre o racismo sob a ótica da psicologia behaviorista.






terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Não há nada especial



“Seria a experiência de que não somos grande coisa e, em particular, não somos a única coisa que falta para que o mundo seja perfeito e para que a nossa mãe seja feliz. Isso parece (e é) uma coisa fácil de saber e mesmo de admitir, mas uma experiência efetiva dessa superfluidade de nossa existência é uma outra história. Nesse momento final, o sujeito vivenciaria, logicamente, uma espécie de desamparo depressivo, mas também uma extrema liberação.
Por que liberação? Pois é, o que mais nos faz sofrer talvez seja justamente a relevância excessiva que atribuímos à nossa presença no mundo, pois essa relevância é a pedra de fundação de todas nossas obstinadas repetições, é graças a ela que insistimos em ser sempre “iguais a nós mesmos” (sendo que, no caso, essa expressão não tem um sentido positivo).”
–Contardo Calligaris, em “Cartas a um Jovem Terapeuta” Quibado daqui

Ainda me lembro que na época do meu primeiro relacionamento o Fábio me disse: “Odilon, não cai nessa do ‘você é especial’ que isso é mentira, balela”. Na época achei um tanto radical a postura do meu amigo (em geral, meus amigos são radicais). Afinal, por que razão não somos especiais para quem nos diz que nos ama? Parece cru, mas a minha experiência me mostrou que a crueldade de fato está nesse “ser especial” muitas vezes.

Parei para pensar no mundo que me cerca  - por vezes é muito difícil me alienar dele- e pensei em alguns pontos. Na era em que vivemos não só reis, rainhas e príncipes podem ser especiais. Tendo dinheiro você pode querer se sentir especial pela roupa que comprar ou o carro que dirige. Se tem capital social também você é o especial na área VIP no show aberto da Praia de Copacabana no réveillon. Outros querem ser destaque, diferente das pessoas comuns em outras frentes. Pode ser participando de uma palestra motivacional, lendo um livro de auto-ajuda ou indo para uma igreja em que o pastor diz que você é um eleito porque Jesus te ama e você há de prosperar.

Me vem a primeira pergunta: será que esse ter – junguianamente falando – pode nos levar a sermos especiais?

E sobre ser especial para alguém? E quando se sai do plano material e entramos no campo dos amores e dos relacionamentos, será que meu amigo está errado em sua radicalidade?

Parece que vivemos em um mundo que temos pânico do ser comum, ao mesmo tempo em que as coisas mais simples ganham status de originalidade. Me lembrei dessa matéria que outro amigo postou sobre um local sem rede wi-fi que de repente se tornou especial para a estratégia de marketing da kit-kat.

O psicanalista Joel Birman  certa vez disse que o processo analítico é quando deixamos de pensar que somos especiais e vemos que somos todos ridículos. Penso nisso quando a associação livre que nos torna sujeitos e faz aparecer o sujeito do inconsciente nos faz perder toda a lógica cartesiana elaborada do mundo e ali nos vemos com a “sujeira” que estava debaixo do tapete: nossas raivas, mesquinharias, desejos, amores, tristezas, medos, invejas, culpas e tantas outras coisas e como qualquer mortal. E não há nada de especial nisso.

Quando alguém afirma que sou especial me dá um certo medo. As pessoas podem criar essa categoria para a qual há um conjunto de regras para serem seguidos que outras pessoas fora dessa caixinha de especialidades não pode. Fulano me maltratou, me tratou como o cocô do cavalo do bandido, mas você Odilon, não pode porque é especial. É essa a crueldade do "ser especial"...você entra numa redoma de idealização e a pessoa joga a culpa para cima de você em função desse rótulo e impede qualquer discussão de forma realmente humana , isto é, fora de idealizações, de igual para igual. É um amor narcísico no qual só a ideia que a própria pessoa cria de você conta e não quem realmente você é interessa. Imagino Narciso no lago olhando a imagem de um outro amado que na verdade é ele mesmo.

Claro que dentro dos relacionamentos amorosos a minha ideia de “não ser especial” justifica toda a sorte de impropérios que você pode dirigir ao outro. Eu sei que por muitas vezes já manifestei raiva, ódio e menosprezo com aqueles que amo. Mas nesses casos o que cabe em mim é julgar eticamente o que eu faço como um ser humano mortal como qualquer outro e não como um cara que tinha a carteirinha do “acesso vip do coração do outro” e de repente a perde diante de uma falta, por mais grave que ela seja.

Junto com o “ser especial” vem as idealizações. Elas são frutos do investimento que fazemos. Por isso seria um absurdo eu falar que não tem essa de “ser especial” porque não faço investimentos amorosos e/ou sexuais. Claro que os faço: sejam com meus livros, com as minhas roupas, minhas ideias ou as pessoas a minha volta. Não julgo isso moralmente enquanto não prejudico a relação com o outro. O que é importante, sempre, é saber que posso fazer sim as minhas idealizações, escolhas e investimentos. E isso se dá não porque eu e o outros somos especiais, mas sim porque nos amamos, com todo tipo de qualidade e defeitos.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Para onde vai essa arca?


Aproveitei esses dias para ver Noah's Arc, seriado americano de 2005-6 que há muito tempo o Evandro tinha falado para eu ver. Acabo de ver toda a primeira temporada e, sendo assim, minhas observações se basearão nelas.

O seriado tem os seus pontos positivos: para a época chama a atenção que temos um elenco de atores negros, algo bastante negligenciado. São pessoas que vivem fora do "gueto" e as personagens parecem-me bem menos plastificadas do que os que vimos em Queer As Folk, em que todos falam de forma impoluta, quase num cantochão. No caso de Noah's há espaço sim para a bicha pintosa que não é tratada de forma negativa. Isso não é excluído.

Pena que os pontos positivos ficam nisso. Poderia aqui falar que o seriado poderia ser feito por atores brancos, exceto na questão de alguns temas que foram mal abordados: a questão da masculinidade, uma personagem que se relaciona com um negro "do gueto", o comportamento que é chamado de DL (mal traduzindo seria estar no armário) e a relação com as igrejas, que representam um papel importante naquela sociedade.

A questão é que tudo isso é tratado com extrema superficialidade. Sem falar que todos se encaixam num molde de ricos, bem vividos e mesmo de diante de conflitos mais sérios (como a personagem que se relaciona com um médico soropositivo) é tratado de maneira rápida, sem chance para o drama que a série, ao optar em discutir isso, deveria ter feito. Ai o seriado não sabe se é um Queer As Folk ou um Will and Grace com atores negros, sendo que no caso da última série, ela tem uma agilidade nos diálogos que permitem a comédia funcionar e atente ao que ela propõe. Em Noah's isso fica muito indefinido.

Quando se pensa em minorias as discussões tendem a polarizar. Dois exemplos: se o foco são os gays surgem dois discursos básicos, que são o da bicha pintosa esteriotipada ou da bicha rica bem sucedida que não dá pinta num claro processo de "limpeza" da imagem. Se o foco são os negros, pode-se pensar nos negros nos guetos em contexto violento de alta criminalidade ou no negro bem sucedido e rico podendo posar em comercial de margarina. Essa polarização é o problema.

Se a questão toda é discutir diversidade que se coloque. Crie-se espaço para as diversas formas. O problema em Noah's Arc é que isso ficou preso. Fora que é evidente outra polarização entre os atores principais são "flamboyants" e que se relacionam, cada um deles, como o tipo "macho man", muitas vezes inertes. As personagens Trey Iverson, um cara que a gente não sabe se é enfermeiro ou o Coisa do Quarteto Fantástico (a atuação de Gregory Keith é quase uma pedra) e Wade (Jenssen Atwood) são alguns exemplos. No caso de Wade há várias possibilidades, mas Atwood está mais preocupado em mexer o queixo da mesma maneira, esteja sua personagem rindo ou chorando.

E é aquilo: série de TV está preocupado com o lado comercial. Então não consigo encará-la como algo "revolucionário" e inclusivo "per se". Ao mostrar personagens só com esse aspecto o que enxergo é a grande questão quando se discute politicamente os direitos das chamadas minorias: queremos direito como cidadão ou queremos ser apenas consumidores de produtos? No caso de Noah's Arc pelo que se vê na primeira temporada, ele opta pelo segundo caso. Uma pena.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Cores, Odilon!

Gosto dos meus amigos fotógrafos que nunca me explicaram de forma definitiva a diferença de uma foto preto e branco para uma colorida. Ok, eles me disseram algo, sobre formas e tudo o mais. Só que a pergunta chave é: o que eu percebo como diferente?

É muito intuitivo. No meu quarto mesmo há uma foto que tinha tudo para mostrar o grande mar azul da Praia do Forte em Cabo Frio. No entanto o P&B me possibilitou dar mais valor às formas e, em especial do casal que se abraça vendo o mar.

Por vezes o pensamento é assim. Quando adolescente sempre me achei muito "firme" do que pensava e acreditava e, ao mesmo tempo, muito em cima do muro diante de muitas questões. Até hoje há quem me veja como muito "diplomático" pelo fato de não ser muito afeito a inimizades. Como se elas fossem imprescindíveis para a vida. Eu não sei. Tem gente no mundo que eu não gosto e tem gente no mundo que não gosta de mim, viver é isso. Sei que hoje sinto o pensamento radicalizando e ao mesmo tempo não tão firme com proposições como na adolescência. E por vezes vejo os meus amigos passando dos 30 em sentido inverso...

Lembro-me da Bárbara falando para o Osmar valorizar as cores em suas fotos. Ele gosta muito e se sai muito bem com fotos P&B, apesar de que há algumas coloridas. Quanto a mim ele fala das minhas "alopradas" com cores esquisitas com as quais elas ficam.

As cores me dão uma sensação de mutabilidade e de algo também que um dia vai sumir, algo transitório. E por vezes posso pensar assim com certas emoções que, por mais que elas pareçam ser certeiras (preto&branco), por outras podem se apresentar infinitas, cheias de possibilidades e matizes. Foras as que não enxergamos, tal como acontece com o espectro do infra-vermelho e o ultra-violeta.

Talvez na hora de tirar um retrato interno do que pensamos e sentimos, por vezes vale valorizar as formas e ver as coisas de forma mais crua. Por outras colocar ou apreciar cores que um dia podem sumir. E depois ainda se dar conta que mesmo aquela imagem como um todo pode não durar para sempre, assim como é a vida. No fim, o que não se pode perder, tal como o requisito de toda boa fotografia, é o olhar.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Queda livre

No ano que passou, o austríaco Felix Baumgartner quebrou o recorde mundial de queda livre saltando a 39 mil metros acima do solo. Quando soube disso me vem sempre as perguntas dos críticos quando alguém realiza esses feitos: para que esse feito? Qual o objetivo disso? Satisfação pessoal apenas? Qual a utilidade prática de alguém escalar o Everest?

No mundo capitalista meritocrático provavelmente muitas desses experiências poderão render bons livros de auto-ajuda e palestras motivacionais milionárias, em especial se considerarmos que o discurso e os saberes são em nossa sociedade um meio de produção que pode ser capitalizado. Mas o meu pensamento de hoje não vai de Marx. Vou para outros pensadores.

Mas por que pensei no Baumgartner? Fui questionado hoje sobre "me sentir só" e com uma conotação negativa, como se eu não reconhecesse o amor de quem está a minha volta diante dos momentos de tristeza. Daí pensei numa série de perguntas a mim mesmo, a saber:

1. Eu me sinto sozinho quando estou triste? Sim. A minha tristeza tem uma necessidade grande por solidão. E acho que a maioria das pessoas também reage dessa forma como forma de reflexão. A solidão aparece ai como necessidade para que essa mesma tristeza seja depois quebrada.

2. Estar sozinho me deixa triste? Se a escolha é voluntária não. Ela parte de uma necessidade e que seria estranho que isso obrigatoriamente conduzisse à tristeza. Por outro lado existem as solidões que não comandamos, a do abandono, sobre a qual não temos controle e, nesse sentido, a solidão como fruto desse abandono pode deixar triste. Freud esmiuça isso bem no seu clássico "fort-da" em "Além do Princípio de Prazer" quando o menino é deixado pela mãe e, para ter algum controle da situação, brinca com uma bobina  para não lidar com a dor da saída da mãe. A solidão voluntária tem um quê disso também.

3. Estar acompanhado pode aliviar a tristeza? Depende se a companhia está na mesma sintonia que a minha e se eu a desejo. Caso contrário há um conflito de interesses e aí é aquele famoso clichê do "sozinho na multidão" justamente por nossa cabeça estar em um ponto e as pessoas ao nosso redor em outro. E aí entra uma questão fundamental que é até base do amor: o reconhecimento.

O Baumgartner estava lá se jogando no espaço e aparentemente sozinho no meio daquilo tudo. Mas junto com ele havia uma série de equipamentos que o comunicava com a base na terra e ele era visto por pessoas no mundo inteiro no momento de seu feito. Ainda assim, creio que no momento da entrada na atmosfera a comunicação vai embora e esse olhar do outro é zero. O que se passaria na cabeça dele ali sem esse reconhecimento?

4. É possível estar feliz sozinho? Sim, é. Daí pensei em duas solidões. A primeira é kafkaniana, na qual eu fico num quarto fechado e angustiado sem ver o mundo externo. Essa é muito ruim, mas por vezes necessária quando o objetivo é apenas ficar quieto. A segunda é nietzschiana, que pensa no homem a sós consigo mesmo empreendendo uma viagem sem um objetivo último e superando sempre um ponto. E para superar esse ponto ele não pode pensar em um fim último, numa ideia acabada (daí a sua crítica à metafísica de Platão e a ininteligibilidade de Aristóteles). Nesse sentido não há o "essencial invisível aos olhos" simplesmente porque não há uma essência a ser buscada. É bom se perder em meio a viagem e sem se preocupar em encher os bolsos com certezas. Essa solidão por vezes é muito boa e a boa viagem não é confortável...ela é feita a pé com bastante desgaste das pernas e dos pés pois nada pode ser alcançado por uma Divina Providência. A dor simboliza o potencial humano. E é essa solidão que talvez me bate na cabeça agora.

E onde ficam os espaços do reconhecimento, do auxílio e até mesmo o cuidado do outro? Há espaço para isso? Estar a sós consigo é impedir a si mesmo de ser amado? Significa uma barreira?

Por vezes o caminho da solidão é necessário em meio a tristeza na busca de alguns novos conhecimentos acerca de si. Em outras ocasiões pode mascarar uma certa arrogância que se julga capaz de lidar com as dificuldades de maneira absoluta. E sou capaz de perceber esses dois movimentos meus, já que muitas vezes assumir dizer que está triste é assumir uma fraqueza ou se colocar vulnerável. Aliás força e fraqueza são temas interessantes para eu pensar daqui pra frente. De qualquer forma nenhuma solidão ou tristeza são coisas absolutas. Sentí-las faz parte da vida e ainda bem.

Mesmo num mundo que tenta a todo custo evitar o sofrimento, como no alerta do post anterior do "preciso entender se você está confundindo as coisas para te proteger" quando na verdade pode ser apenas um exercício de poder que retira a autonomia da descoberta e proteger o ego de quem faz a pergunta de uma possível retaliação futura. A eterna gangorra do Eu e o Outro, do só e do acompanhado.

Independente de qualquer coisa, assim como Baumgartner, estou quebrando as minhas barreiras...






domingo, 13 de janeiro de 2013

Meu inferno é todo meu

Certa vez, saindo da faculdade, em frente ao Iate Clube esperando o 107 junto com o André Russi ele me saca a pergunta: já pensou Odilon, se o inferno fosse pessoal? Acho que conversava com ele sobre a peça Huis-Clos de Sartre que se passa no inferno.

André naquele tempo já era agnóstico. Ele tinha um passado espírita-kardecista e o rejeitava por considerá-lo muito moralista. Se bem que ele sempre me dizia "Odilon, temos que ter um crivo moral". André faleceu em 2008, ano que para mim também foi marcado por rupturas emocionais que se estendem até hoje.

Existem perguntas desconcertantes e que revelam o que termos de pior e de melhor. De forte e de fraco. E, se o "inferno são os outros" para Sartre, talvez ele habite dentro de nós mesmos. Nos sentimentos que ainda somos incapazes de compreender ou permitir que eles existam. Apesar de que muitas vezes sermos "fiéis ao que sentimos e/ou pensamos" implique em absurdos, grosserias e até mesmo violência. Mas esse é outro tema.

Voltanto às tais perguntas ou a uma pergunta apenas: Odilon você não está confundindo as coisas? Pronto era a chave que eu precisava para liberar o diabo dentro de mim. Parto para acusações pesadas por saber muitas coisas do interlocutor. Meu objetivo é colocá-lo para baixo, castigá-lo em uma arena emocional que em nada deve ao "choro e ranger de dentes" e fazê-lo se dar conta de que aquela pergunta jamais deveria ter sido feita. E por que tanta raiva assim?

Ela revela sentimentos meus. Intenções e muitas, mas muitas fraquezas. Vai me remeter a situações passadas e amores passados. Momentos em que me mostrei completamente inerte e que ao invés de viver um amor concreto e real fiquei preso ao imaginário. E se alguém me questiona se o mesmo está ocorrendo de novo o inferno é outro. É necessário rebaixar, desmoralizar e deixar claro que o indagador nada conhece sobre o amor e, logo, não tem o direito e nem a competência para me perguntar sobre qualquer coisa. Deve permanecer calado. O meu diabo é como o espiritismo segundo o André, tem algo extremamente moralizador.

Depois eu mesmo tenho que vencer esse tirano em mim e descer ao meu Hades. E nele aparecem homens significativos - aliás devo um texto ao meu "alfabeto" sobre esse aspecto- na minha vida e como me relacionei com cada um deles. Aparecem situações que eu mesmo me senti subjulgado e, exatamente por isso o meu diabo emocional é tão punitivo comigo mesmo e sádico com os outros. E provocar esse "diabo" causa rupturas ao ver que na verdade podem existir forças muito mais poderosas, criadoras e, por que não, mutáveis.

É o momento de chorar muito, de soluçar. De se sentir sem proteção alguma. De se sentir sem chão e ao mesmo tempo jogado nele. De se sentir em estado bruto, primal. A chave se abre como o parto e a criança se dá com o mundo exterior. E dá o primeiro choro. Mas agora não estou em 1978 e sim em 2013 com os 35 no meu cangote e com duas perguntas: que homem eu sou e que homem desejo ser? Essas são as perguntas de fato mais desconcertantes e significativas do que o "você não está confundindo as coisas". E qual a razão disso?

"Você não está confundindo as coisas?" tem uma intenção: um cuidado, um medo de "me fazer sofrer". Uma evitação de frustração. Como se os sentimentos pudessem ser captados como imagens do satélite e fazer a previsão mais ou menos certa do que pode acontecer e assim preparar a lavoura para o tempo que chega. Só que essa pergunta se esgota em meio a um turbilhão de sentimentos dos quais ciência alguma é capaz de prever. E nela o interlocutor dá para si um poder de me fazer sofrer, escondido na sombra do "só estou cuidando de ti", quando na verdade quem transfere esse poder ou não sou eu. Ainda tenho que discorrer sobre a síndrome de Dorothy e mostrar como a intenção dessa pergunta pode se desfazer mais fácil que a Bruxa do Oeste depois de levar água.

Prefiro mesmo as outras duas: sou e que quero ser. São dinâmicas. Quem eu sou é uma pergunta do passado e do presente e sem uma resposta definitiva, justamente porque o passado mostra o quanto ela não é nada estática. O que quero ser permite a mutabilidade também e aponta para o futuro. São os baldes de água na bruxa e mostra que o caminho não está em uma estrada de tijolos amarelos, mas está dentro de mim. E isso é mais eficaz que rebaixar o outro, pois ao invés de querer humilhar o interlocutor que faz a pergunta que traz em si um narcisismo ainda que não intencional, eu posso dar valor ao que há dentro de mim. Esclarecer melhor os meus próprios sentimentos.

E daí vem a terceira pergunta: você prefere se manter narcisista fechado em si mesmo? De forma alguma. Essas situações quebram com a necessidade de lutas ou brigas externas por esses motivos e me coloca diante de uma série de emoções presentes e futuras, sem esquecer as que estão no passado e transformar isso em algo sempre melhor. Até porque como diz o Erly em um de seus filmes "diabo não existe, meu inferno é todo meu". Era essa a resposta talvez que não consegui ver naquela tarde há mais de 10 anos com o André.


sábado, 12 de janeiro de 2013

Arquétipos masculinos (1)

Ai fico eu perdido nessas madrugadas na Band e eles exibem "Família Soprano". Me lembro do Lucas Mendes no Manhattan Connection hypando junto com o Caio Blinder "explicando" a maravilha do retrato de um mafioso que ao mesmo tempo era um pai de uma família de classe média suburbana.

Enfim o século XXI começou assim, a normalidade burguesa querendo ser vanguarda.

Fora isso Tony Soprano era ícone de virilidade e força para alguns. O cara pega todas. E para algumas amiguys, sex-symbol.

Ai vejo uma cena que o camarada transa de camiseta e cueca samba canção. Poooooootz

Se isso é arquétipo masculino, Deus, me faça vir mulher e lésbica na próxima vida.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Um caminho incerto, ainda bem


Em um ano que os meus sentimentos mais internos estão como verdadeiros tornados, fui obrigado a pensar sobre um deles:a raiva. Pensei em vê-la até com um modelo emprestado da física, ou seja, pensá-la como uma forma de energia. Sendo assim ela seria produto de uma força de de um deslocamento.

A força no caso eu entenderia como as motivações. Fossem elas externas – algo que alguém tenha feito para eu reagir dessa forma – ou internas, ou seja, ligados a sentimentos que dirijo contra a mim mesmo ou outros que não consigo explicar a causa aparente dele.

O deslocamento seria pensado no sentido de que a raiva tem as suas consequências. Ou seja, se estou com raiva de mim mesmo em função de algo que desagrada a mim mesmo isso me provocará certos efeitos até mesmo ligados a outros sentimentos, sejam eles medo, tristeza e até mesmo motivação para certas ações. Por outro lado esse deslocamento pode ser dirigido ao outro e ai tenho três caminhos que pensei inicialmente: atacar o outro em função da minha rava, guardá-la para mim e isso se transformar em um ressentimento ou ser claro e comunicar essa raiva de forma clara sem que isso se traduza em agressão. Mas como fazer isso? Cadê o manual de instruções?

Em um texto do meu alfabeto ela aparece de forma implícita. Me lembro de que quando fiz análise ela era um sentimento forte, porém não declarado. Quando me lembro da analista falando algo como “falta da falta” era como se eu tivesse medo de nomear o que me fazia falta, porque naquele momento a minha raiva apareceria de forma brutal. Nesse sentido vejo esse sentimento como uma energia atômica: em um núcleo de um átomo de tamanho irrisório há uma energia enorme. Aquele era um momento muito delicado da minha vida onde eu estava começando a exercer minha sexualidade de forma mais plena. E se por um lado eu me sentia deprimido depois das sessões por conta desses sentimentos raivosos não assumidos, por outro me motivou a seguir adiante e, 13 anos depois daquilo tudo muita coisa se transformou em mim.

Obviamente essa transformação é gradual, eternamente gradual e não há um ponto máximo em que tudo se estabeleça de forma perfeita. Também o uso de um modelo físico não dará conta de todas as contradições que os sentimentos trazem e a raiva não é diferente disso. E qual foi o gatilho para isso tudo?

Achei que alguém tivesse a obrigação de me dar satisfação, um sinal de vida no momento em que eu bem queria. Isso não aconteceu. Tentei apelar para algo mais zen, no sentido de que, de fato eu estava sendo um completo babaca egoísta por conta desta exigência e que um homem de espírito superior e melhor estaria além dessas coisas. Quem em 2013, ano novo, eu seria uma pessoa diferente que é magnânima o suficiente para assumir seus sentimentos, mas sem que isso levasse a uma exigência raivosa e descabida ao cobrar satisfações de alguém.

O fato é que, se por um lado, tentei escapar do ressentimento, por outro, a falta de clareza – aquele terceiro caminho que falo na procura de um manual de instruções que não existe- no momento de comunicar o que eu sinto logo de cara, fez com que esse alguém quisesse se abrir em seus sentimentos como forma de chegar nos meus e compartilhar isso. Acontece que, quem está com uma raiva absurda como eu estava, já deveria ter deixado de cara que, enquanto aquela raiva não fosse discutida de forma clara, aberta e imediata, a tal “abertura de sentimentos” seria impossível por conta da minha inabilidade, naquele momento, em querer ouvir tudo aquilo de peito aberto, sem deixar a sombra da raiva se manifestar.

Agora sou capaz de compreender isso de uma forma melhor e de que essa necessidade de comunicar esses sentimentos, mais que questionar as outras pessoas, se faz necessária. E isso não é um puro exercício egoísta, pelo contrário. Quando se coloca os sentimentos para fora estou sujeito sim a avaliação do outro, quer eu queira ou não. E seria importante ver isso mais que um compartilhamento, mas uma transformação. Uma mudança que não necessita de manual de instruções, mas que permita que o caminho da chamada abertura esteja limpo, pronto para encontrar futuros muros que possam ser quebrados e, mais que tudo, que esse não seja o caminho de um só, mas um caminho seguido pelos dois. Diálogo, discurso de dois, compartilhamento, mudanças ao assumir que a raiva tem uma energia sim, poderosa e é algo contraditório, mas que pode impelir para transformações importantes, como as que se deram 13 anos atrás.

E, o mais importante: esse caminho não é certeiro, como que tem "um ponto a chegar". Ele permite que, ao quebrar os muros com essa energia toda, a possibilidade de prosseguir e sempre estar aberto a novidades, a novas descobertas, epifanias e grandes reflexões, como sempre tive com esse alguém. Se já tenho um destino estabelecido - as minhas certezas do que é certo ou errado- essas descobertas se tornam impossíveis e essa jornada será apenas uma mentira.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ah, sim! Começou 2013

Este foi meu segundo reveillon em Araruama e o primeiro em que fui até o Centro acompanhar a queima de fogos. Fui junto com o Sandro.

Foi de uma absurda tranquilidade. O movimento na Amaral Peixoto era intenso e via pessoas vestidas de branco saindo de bairros como o Viaduto em direção ao evento na maior tranquilidade. E o mesmo foi percebido na cidade, ao chegar. Pude tranquilamente armar o tripé da câmera na areia na beira da laguna e fazer as fotos que eu queria.

E a volta para casa foi igualmente tranquila e me dei conta de que bêbado sou capaz de fazer uma ceia melhor do que se eu estivesse sóbrio.

Espero que 2013 seja assim: cheio, intenso, mas sem tumultos. Ébrio, mas com resultados bem interessantes. Luminosos e tranquilos, como o céu de Araruama naquele dia: