quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Capitu

Vi o primeiro capítulo...quem lê esse blog sabe o quanto espraguejei, mas deixe-me tentar ser minimamente razoável. Luis Fernando Carvalho quis bancar o moderno, com figurinos, trem da Central, Michel Melamed e musiquinha de sonoridade indie...mas ficou só nisso, já que ele optou por uma narrativa conservadora, para não correr o risco de criar uma obra sem nexo e assim preservou a genialidade de Machado. O figurino e cenários são excelentes e algumas atuações também, mas senti que foi dado pouco espaço para os atores em uma edição em ritmo de videoclipe - talvez para ser similar aos curtos capítulos típicos de Machado - mas sem grande criações. Uma pretensão ousada que no fim se fechou no próprio texto. O bom disso é que dá uma vontade danada de reler o romance.

Patrícia Kogut, que é da casa publicou um texto que vale uma conferida:

Desde que Luiz Fernando Carvalho anunciou que iria adaptar “Dom Casmurro”, a maior dúvida era saber como ele conseguiria transpor para a tela aquilo que faz o romance ser genial: Machado de Assis construiu uma história toda calcada na subjetividade de seu protagonista-narrador. Tudo o que o leitor lê — a história de vida de Bentinho, sua infância, seu amor por Capitu, o caráter de Capitu, sua amizade com Escobar e, principalmente, a suposta traição de Capitu com Escobar — é contado por um narrador interessado, o próprio Bentinho. É tudo verdade, mais ou menos verdade, ou uma distorção da imaginação? A genialidade do romance está na impossibilidade de responder a essas perguntas. Outras adaptações fracassaram justamente aí, tornando objetivo o que era só subjetividade.


Na série “Capitu”, esse problema sequer se coloca: Luiz Fernando utilizou o narrador da maneira clássica e literária, como no livro. Funcionou? Sim, mas resta saber se foi uma saída criativa. Bentinho maduro (Michel Melamed) relata a ação. Mas a “arqueologia psicológica”, a busca por camadas passadas, os tropeços da memória, tudo isso ficou relegado ao tratamento plástico. Interpretações exageradas, talvez inspiradas no expressionismo alemão, escantearam a delicadeza e o fino humor que caracterizam a obra de Machado. O que no livro é sutileza, na TV ganhou ares de caricatura.


Merecem destaque, porém, o trabalho de Letícia Persiles (a jovem Capitu), que se impõe na cena com talento impressionante, e a D. Glória de Eliane Giardini. Outro ponto alto foi a $üência em que Capitu e o jovem Bentinho (César Cardadeiro) usaram giz para se movimentar no cenário. Foi uma das cenas mais lindas já vistas na TV brasileira. Um ponto de delicadeza em meio a opções cênicas que apostaram em exageros e excessos, sem que esses excessos tivessem uma justificativa estética clara. Em uma palavra: pareceram gratuitos, às vezes prejudicando o entendimento. Luiz Fernando é, com certeza, um dos mais autorais diretores de TV no Brasil. “Capitu” é ousado como prometia, mas a ousadia nem sempre é sinônimo de encantamento artístico. E não há dúvidas de que a série oferece um banquete para os olhos, mesmo vazio de sentido às vezes. E, se não reconstrói Machado de Assis para a TV, como a trajetória de Luiz Fernando levava a crer, também não destrói a obra dele.

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