quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Asterion no reino dos espelhos


Pior que o centro do labirinto, agora era o centro do reino dos espelhos. Tinha a cara de lugar perfeito onde a fome seria a menor de todas as preocupações. Era no tempo da nova dieta de Astérion, de novos terras e novos ares. Tempo do fogo abrandar e deixar jorrar por todos os lados as águas sobre o solo. E, junto com ela, certamente, viriam os peixes.

Melhor tempo, sempre o que vem após a chuva. As águas estavam repletas de peixes. Acontece que ali havia deuses caprichosos ocupados em ver a indecisão ou o sofrimento do faminto. Assim, e somente por isso, os peixes que eram de água doce tornavam-se de água salgada. E se fossem de água salgada viravam de água doce. E, segundo consta os antigos escritos, era vedado comer aquele fora de seu habitar natural. É o momento de ver o Destino como obra de um deus de carne e osso, ciente do que faz e disposto a pregar peças.

Assim, junto com a fome veio a fúria. Era grande o suficiente para revirar boa parte daquelas terras. De colocar abaixo árvores que, por mais flexíveis que fossem, eram profundamente enraizadas ali e por onde ar de nenhuma terra havia lhe tocado as folhas. 

Era outro tempo agora, o tempo das cinzas...

O acusado se apresenta diante do rei. Seus bolsos traziam, além de pouco dinheiro para a contribuição real, alguns argumentos que não poderiam ser utilizados no reino onde a imperfeição era tida como perfeita e ninguém poderia desmentir aquilo.  Estava vedado também tremer o chão, já que estes quebravam todos os espelhos. E como poderia um rei de espelhos sem seus espelhos?

"Acusam-te de exigir águas tranquilas e claras e aqui é lei que isso não existe". Era hora de sacar mais um argumento dizendo que as águas daquele tipo eram inexistentes e que a exigência fora outra. mas era só hora, pois todos sabiam que, diante do rei, nenhuma palavra era pronunciada quando este se julgava cheio de razão.

"Acusam-te de querer um reino real e este aqui é virtual, feito de ilusão. Como ousas a desafiar a natureza deste reino que sempre foi completamente aberto a você? No fundo você não gosta do clima daqui e por isso resolveu destruir a todos nós". Foi a maneira do rei poder fazer justificar a acusação mais forte, a de querer destruir aquele reino.

Como era o tempo do preto e do branco se combinarem no ar para que nenhuma resposta fosse dada,o condenado resolve fazer o mesmo por algum tempo. A escolha em calar-se era a mais acertada para não ter que enfrentar de novo as lamúrias do Rei dos Espelhos. Melhor ainda é que sempre havia a esperança de partir para o exílio.

É no caminho para o exílio que a água ainda inundava a terra, agora quebrada. Se antes era plana, agora quebrava em partes altas e baixas. E as águas caíam em cachoeiras. E foi nelas que o agora exilado percebeu que os peixes - que sempre tinham o conselho de que não fazer nada era muita coisa- eram exatamente os mesmos e que nunca havia mudado, seja de água doce ou salgada. E eles seguiam conscientes e felizes para as parcas iscas que pescadores enganadores lançavam naquelas novas águas. A morte também era uma escolha.

Fora dali era hora de tornar-se bicho por todo. No tempo das mastigadas, as ruminantes foram a que fizeram pará-lo e deter os olhos para aquele reino de longe. A terra agora, ao invés de parecer destruída, parecia também ainda mais bonita. 

Ao Rei dos Espelhos  isso era inútil. Ele não gostava, naquele momento, de pensar na vida também como uma outra escolha. Estava mais preocupado em olhar para os espelhos na garantia de que sua imagem ainda estava intacta em meio a esganiços no meio da noite que nenhum súdito escutou. E nem os peixes que sofriam mortos em meio a um campo de flores antigas que ainda resistiram ao terremoto.

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