quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Uma saia justa

E este bafafá todo em torno da discussão entre Bárbara Gancia e Paula Lavigne me fez pensar sobre algo que há dias eu tinha refletido a respeito e que ainda não tinha colocado em texto.

Acertadamente, diz Gancia:
Fora que achei a pergunta preconceituosa, como se "pegasse mal" alguém ser gay hoje em dia.


A diferença é que ainda pega mal sim, ser gay hoje em dia, infelizmente. Por essa razão há questões que ainda permanecem necessárias. E a partir daí penso em duas situações com conhecidos meus, mas que provavelmente muitos já devem ter ouvido.

Um deles reclama que um amigo fica interpelando o tempo todo para saber a sua orientação sexual, para saber se ele gosta de homem. Pergunto a ele: por que você não joga tudo na lata e não diz logo? Ele me responde dizendo que aquela questão é de "foro íntimo", que o tal amigo não merece ter a resposta porque não foi uma pergunta de coração e só fez a pergunta para satisfazer uma curiosidade pessoal e não realmente uma preocupação com o que ele (meu conhecido) sente.

Outro resolveu dividir apartamento com uma amiga que fala abertamente sobre seus namoros e histórias "doidas" com os caras e tudo o mais. Ele reclama que ela "joga verde" para saber se ele é homossexual. E ele diz que não diz, porque não quer dar esse gosto para ela, não quer que ela fique sabendo da vida dele ou algo do tipo.

Em princípio posso pensar como uma operação neurótica do desejo. O dizer mara a possibilidade da dúvida e, como dizia Freud, o neurótico goza com o seu sintoma. Há um gozo, de certa forma, nesse não dizer, nessa omissão. É como o último biscoito do pacote que ainda fica ali, mostrando que está (quase) vazio, mas esse "vazio" de todo não ocorre. A dúvida alimenta essa construção.

Por outro lado não há de creditar tudo isso ao sujeito, isolado de sua cultura, sociedade e história. Pensemos: um hetero não diz que a sua orientação sexual é algo "de intimidade". Um homem que tem desejo sexual por mulheres ou uma mulher que sente desejo sexual por homens (com grandes ressalvas aqui, porque entendo como o machismo opera na hora das mulheres expressarem seu desejo, ainda que com parceiro do sexo oposto) não é algo "íntimo". Seu amigo hetero não vai esconder que ele tem desejo por uma mulher, ainda que existam aqueles tímidos ou os mais reservados que não revelem o seu interesse. Independentemente disso, eles têm uma autorização social para que esse discurso ocorra...o discurso do homossexual não goza desse mesmo atributo, ainda que seja "hoje em dia", embora eu reconheça as pessoas que não têm medo de falar a respeito, como a própria Gancia.

Tem dois caminhos que pensei: por um lado sim, o desejo é de ordem íntima e não sabe forçar os meus conhecidos que mencionei ou quaisquer outros em situação semelhante a apresentarem sua orientação. Por outro lado é estranho essas pessoas terem amigos, ou pessoas com quem dividem o mesmo ambiente e se sentirem agindo dessa forma, gerando essa espécie de roda sem fim. Se eu prezo tanto a minha intimidade assim por que razão eu haveria de me relacionar com amigos com os quais não digo certas coisas, ainda que dividamos os mesmos espaços, troquemos intimidades e convivemos juntos quase todos os dias?

Talvez é para o biscoito permanecer ali, no mesmo lugar. Só que chega um dia que ele estraga...e fede. E não há saia justa que dê conta.





Nenhum comentário: