terça-feira, 22 de outubro de 2013

Psicossociologia, PT e Supereu

Vi que compartilharam esse texto no Facebook e muitos o citaram como algo perfeito e definitivo. Uma coisa que observo é que toda vez que você quer negar algo do seu universo ou fazer a crítica de uma suposta crítica estabelecida, ela é feita de maneira rápida sem observar os detalhes que existem nela. No caso da autora, se há um universo de esquerda que critica a classe média e o que está junto (homofobia, machismo, racismo...) há uma necessidade de criticar.

Acho sempre válido criticar e duvidar do que parece tão confortável ao seu redor. No entanto ela tem que ser feita com observação e argumentos que sustentem essa crítica. E nesse sentido o texto apresenta alguns problemas. Vamos a eles.

Em primeiro lugar ela enxerga a classe média como "bode expiatório" e isso é motivo de incômodo. Eu fico pensando nos milhões de brasileiros que não tem o que comer e ela fazendo tal afirmação. Isso não é pura e simplesmente demagogia ou uma afirmação piegas, mas em um país em que a concentração de renda é absurda, essa afirmação não é de todo certa. Ainda que se possa reconhecer que essa concentração se dá, justamente pela forma como toda nossa estrutura social foi formada ao longo dos séculos e como ela se estabelece no século XXI, em que parte da elite está inserida no contexto capitalista global e outra mantém relações do Brasil Colônia. Mas esse é outro papo...

O grande problema é que ela fala de "classe média tradicional" e trata uma distinção como uma mera observação. É importante saber sim de que classe média você fala. Então falta explicar com clareza que classe média é essa.

Daí parte para para as explicações psicanalíticas. Sendo que faltou estabelecer uma outra diferença entre luto e melancolia, em que o primeiro é consciente e o segundo inconsciente. Isso é fundamental porque aí há de se falar de uma instância psíquica, o supereu, que sequer é mencionado, mas tem uma relação com a melancolia, já que ele se baseia em um desejo recalcado edípico (seja como seu pai, mas você não pode ser como seu pai, ie, desposar a mãe).

Outro fato é que o agente crítico tem sua relação com o sadismo e com a pulsão de morte.

Aí parte para a discussão sobre o tumblr classe média. Na sua alegação ela acha que tudo é creditado à classe média. De fato, homofobia, sexismo, racismo não são exclusivos dessa classe. O que ocorre, algo que qualquer psicólogo social deve ter em mente, é de que lugar se fala. Os discursos ali são produzidos sim pela classe média. É ela que fundamentalmente está lançando os comentários nas redes sociais e, além disso, são os clássicos comentaristas de portal. Concordo que nem tudo pode ser creditado a essa classe, mas afirmar que não o é é falta de uma visão contextualizada sobre o que está sendo postado ali.

A falta de uma visão social mais ampla faz com que a autora ache que as reivindicações da classe média são as mesmas do PT/Movimentos Sociais. Em um país em que se pautou pela escravidão e pela diferenciação das pessoas, parte da classe média quer sim seus filhos em escolas particulares ou seus planos de saúde porque isso é um sinal de distinção de classe, ainda que eu compreenda a má qualidade dos serviços públicos.

Outro detalhe é em relação aos movimentos evangélicos em que ela cita como das classes mais baixas. Os movimentos aos quais o PT tem como principal aliado, em especial a IURD, tem como sua base a Igreja Universal do Reino de Deus entre outras que pregam  a chamada "teologia da prosperidade", que muito mais se identifica com os anseios de consumo dentro das relações religiosas do que simplesmente pessoas pobres que estão indo rezar.

O PT não é e nunca foi o totem absoluto da "classe média tradicional". O tiozinho que esbraveja contra o Lula é o mesmo que 89 dizia que não votava em analfabeto baderneiro.Parte dessa classe pode estar enlutada, bem como os movimentos sociais organizados que tem/tinham o PT como aliado (aliás é bom frisar que no movimento LGBT, parte está cooptada pelo governo e outra não, então nem isso é homogêneo). Restringir toda a classe média "tradicional" a "viúvas" melancólicas do PT é uma simplificação falaciosa.

Até mesmo vendo os comentários da autora percebo a sua insistência em manter esse mesmo modelo. Enfim, o supereu não só se relaciona com a melancolia, mas também com a neurose obsessiva, que também tem horror a perda do objeto investido.

Nenhum comentário: