segunda-feira, 28 de maio de 2012

Efêmeras


Os textos que mais gosto são os que me inquietam, me colocam para pensar. Posso fazer isso com a Bíblia (um paradoxo, reconheço) ou com qualquer outro texto como esse maravilhoso de Eliana Brum para a Época.


Ela ao fazer uma correlação entre o Antigo Egito e o tempo atual das redes sociais fomenta mais ainda a questão "quem sou eu", aquela que por vezes pode ser vista como superada e, paradoxalmente se faz sempre presente. Afinal se, a exemplo de Nietzsche, dos existencialistas e do Odilon com bronca de escrever na redação "quem sou eu" é impossível afirmar uma essência, afirmar essa impossibilidade já é em si uma possibilidade. É como aquele que diz "tudo é relativo", até o "tudo é relativo" pode ser sim relativo.


Deixando essas reflexões penso também nas palavras que dizemos uns aos outros. Como comunicamos nossos desejos, tanto a quem convive com a gente, como para nós mesmos e ao Outro que habita em cada um de nós. A existência depende intimamente da alteridade. Insetos como formigas e cupins tiveram sucesso ao viverem assim, a diferença é que eles não reconhecem a si mesmos e nem provocam transformações - fora aquelas preconizadas por Darwin, mas aí é dar origem a novas espécies.


Reconhecer esse outro e ao mesmo tempo como interfere em si mesmo é perturbador. É provocador de mudanças em certezas absolutas e eternas diante de nossa efemeridade.


Ironicamente, pensei em Let It Be, dos Beatles, no "deixar ser" antes de começar a postar. Mas no fechamento desse texto não-concluído me lembrei do álbum que mais ouvi nesse fim de sema. Esta música pode refletir bem o estado de coisas meu agora. A morte, que pede um tipo de recomeço, essa sim não é efêmera.


Sem a angústia de desculpas, explicações ou ter que dizer ao outro quem eu sou. Basta chegar diante de mim e se perguntar "Odilon, quem você quer ser?". Ou simplesmente não dizer nada, bem na metafísica proposta por Alberto Caeiro, talvez o melhor entendedor das efemeridades da poesia em língua portuguesa.

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
 
     O que penso eu do mundo?  
     Sei lá o que penso do mundo!  
     Se eu adoecesse pensaria nisso.
     Que idéia tenho eu das cousas?
     Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
     Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
     E sobre a criação do Mundo?
     Não sei.  Para mim pensar nisso é fechar os olhos 
     E não pensar. É correr as cortinas
     Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
     O mistério das cousas?  Sei lá o que é mistério!
     O único mistério é haver quem pense no mistério.
     Quem está ao sol e fecha os olhos,
     Começa a não saber o que é o sol
     E a pensar muitas cousas cheias de calor.  
     Mas abre os olhos e vê o sol,
     E já não pode pensar em nada,
     Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
     De todos os filósofos e de todos os poetas.
     A luz do sol não sabe o que faz
     E por isso não erra e é comum e boa.



Se bem que sei que o pensar em nada é tão impossível quanto a morte...

Um comentário:

Rodrigo disse...

Ótimo texto da Eliana. Acredito que em vez de perder tempo pensando em "quem eu quero ser", precisamos ter a certeza de que somos o melhor que podemos ser em cada momento. O problema é que nossa 'programação' foi feita para sermos seres racionais e deterministas, onde tudo tem uma causa e um efeito. O nó acontece quando atentamos para o fato de que a causa não está "nesse mundo" e, dessa forma, todo e qualquer raciocínio é, de início, falho. Mas a nossa mente é deste mundo e os valores que colocamos lá também e é por isso que ela SEMPRE terá uma resposta para tudo. Nesse momento, acredito que precisamos ter discernimento suficiente para mandá-la calar a boca. Só que aí, concordo com você, é tão impossível pensar em nada do que a morte.