segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Preto e Gordo

A minha década pessoal de 30 tem me feito aprofundar em uma série de questões sobre identidade e também de que maneira eu percebo os outros, bem como a mim mesmo. Na verdade penso que sempre fiz isso, só que na medida em que vamos envelhecendo, novos fatos ou novas maneiras de observarmos determinadas coisas vão aparecendo.

E uma dessas várias questões identitárias que me tem aparecido tem respeito com a minha própria negritude. Aliás isso me lembra até uma enquete que vi na página Preto Gay do Facebook, em que se perguntava em qual dessas ditas minorias a pessoa mais se identificava e houve diversas respostas. Todas muito interessante, porque me fizeram observar outras vivências que tinham vários pontos em comum com os meus. E da minha parte tenho observado como uma "velha novidade" pensar a minha negritude. Velha porque é um tema que nunca deixei de pensar. Novidade porque penso que tenho aprofundado mais essas questões comigo mesmo.

Cito aqui como um ótimo exemplo de quanta coisa legal e bem escrita o blog "Preto e Gordo", do Túllio. Há tempos estou para escrever sobre algumas reflexões que tive ao lê-lo. Mas o texto dele é tão bem escrito que fala por si só. Cabe apenas a mim aqui compartilhas algumas impressões que tive com a leitura e outras com a minha própria vida.

Entre tantos pontos que merecem destaque ali é a maneira com ele coloca de que como certos temas que são vistos por pessoas não pretas como "diferente" ou até mesmo "revolucionário" pode parecer diferente para nós. E aí pensei em dois outros exemplos, além dos que ele já menciona, especialmente nesse texto , no qual ele relaciona a questão do amor livre e a bicha preta.

Certo diz li em uma discussão um militante branco LGBT fazer uma crítica a um casal de dois homens pretos estadunidenses que tinham uma filha e postavam a foto deles o tempo todo no Instagram. Ele fez a crítica no sentido que aquele era um modelo heteronormativo propaganda de margarina. Em princípio concordei, mas precisei refletir mais um pouco a respeito.

Minha mãe conversava comigo por exemplo o quanto é comum após a sua viuvez as pessoas perguntarem por quantos anos ela "morou junto" com meu pai, lembrando que ela é preta e ele tinha passabilidade branca.  Ela comentava que é comum falarem esse "morar junto" porque muitos julgam improvável uma mulher preta ser casada tanto no civil como no religioso. E o quanto as pessoas se assustam por exemplo quando surge naturalmente em uma conversa lembranças do casamento dela, o preparativo do vestido de noiva, o padre que fez a celebração e tudo o mais. E daí ela me disse o seguinte "há mulheres brancas que consideram revolucionário o fato de não seguir as normas estabelecidas do casamento. Mas para a mulher preta, como sua bisavó, casada três vezes, morar junto era a norma. Então tem que ser observado que mulher está falando". E daí pude compreender melhor muitas dessas e outras questões que são colocadas por feministas negras.

E daí fazendo a ligação entre esse relato da minha mãe, o texto do Túllio e o discurso do ativista pude pensar da seguinte maneira: pessoas brancas possuem dentro da nossa sociedade a opção de escolher o modelo que ela deseja, quando comparado com pessoas pretas. E sendo assim, não há uma propaganda de margarina com uma família preta. Então um casal de homens pretos cuidando de uma filha está longe de ser o modelo heteronormativo branco da propaganda da margarina. Aliás nesse sentido, o ator Érico Brás faz um ótimo trabalho ironizando o racismo em nossa publicidade aqui.

Não quero dizer contudo que não existam outras formas de opressão, mas acho que o recorte étnico-racial que observo a partir de questões tanto da minha vivência como de outras pessoas tem contribuído muito para também me fortalecer no que diz respeito a minha auto-estima e também às minhas emoções.

Pensar mais a minha negritude e as vivências de outras pessoas pretas tem sido fundamental nessa jornada não só de reforço ou de valorização da própria identidade, mas também como uma troca excelente de experiências para lidar com a coletividade, já que eu não penso que o racismo não será vencido apenas por ações individuais e pontuais.

Nenhum comentário: