quinta-feira, 15 de junho de 2017

A defesa do óbvio

Então essa semana teve a repercussão em torno da prisão dos dois homens que tatuaram um menor de idade, acusado de roubo de uma bicicleta, no ABC paulista. Eles divulgaram o vídeo que correu pelo whatsapp. E ao que consta, o dono da bicicleta não prestou queixa e estava preocupado com o rapaz e ficou consternado diante da tortura. E há relatos de que o rapaz sofre de problemas mentais, incluindo dependência química e está em tratamento pelo CAPS.

Então vem aquela avalanche de comentários achando um absurdo os grupos que se organizaram para pagar a cirurgia para o apagamento da tatuagem e contra a prisão dos torturadores. Entre os argumentos mais usuais tem-se a questão da pessoa que se esforça por meses e anos para comprar um bem e tem ele roubado. Há o clássico "os Direitos Humanos só defendem bandidos" além do "só defende vagabundo até a hora de um entrar em uma casa". Ou ainda que o tratamento do "marginal" como pessoa indefesa é coisa de discurso politicamente correta e que alguns disseram que leram a matéria ou viram o vídeo e que pelo que observaram que não há nenhum problema mental verificado.

Tristes esses tempos em que temos que dizer o óbvio: tortura é crime, em qualquer hipótese. E o direito a vida não é superior ao de propriedade.

Quem acha que Direitos Humanos só defende bandido realmente não sabe sequer o que o termo significa e que por definição ele é válido para todas as pessoas. E ele não é uma pessoa ou um grupo de pessoas, mas um conceito jurídico que se insere também nos campos social, político e psicológico.

A existência de um julgamento feito pelos órgãos competentes não é um "discurso politicamente correto", mas prerrogativa de qualquer Estado democrático de direito. Diante de um roubo cabe aos órgãos do Poder Judiciário cumprirem seu papel dentro do que foi estabelecido em lei.

O mais interessante é que quando esses argumentos são mostrados aparecem uma série de malabarismos retóricos. Uns que eu não sei de onde a pessoa tira e fazem inferências baseadas na sua própria observação, já dando diagnóstico psicológico da pessoa e tudo o mais.

Daí me lembro do conto da Cartomante do Machado de Assim, onde a personagem principal sai aliviado da casa da personagem título pois ela disse a ele exatamente palavras de conforto que ele gostaria de ouvir. E nós, no nosso narcisismo e para poder conferir as nossas ideias que não passaram por uma verificação racional e lógica, vamos acrescentando absurdos para poder sustentar, ainda que canhestramente, aquilo que dizemos e nos fechamos naquelas ideias. E o pior que nesse caso não é uma simples questão de opinião, mas sobre defesa de direitos básicos de existência de alguém.

Por essas razão tenho que repetir: tristes os tempos em que temos que defender o óbvio e ter que repetir que tortura é crime. E não há malabarismos para isso.

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