quinta-feira, 22 de junho de 2017

Presente

"Mas de repente a madrugada mudou 
e certamente 
aquele trem já passou 
e se passou 
passou daqui pra melhor, 
foi!" 
 (Go Back, Torquato Neto)

Aí mais uma vez me deparo com aquele tipo de texto que glorifica o passado e acha que o tempo atual é maravilhoso. E eu, no meu lado Simão Bacamarte, acabo verificando uma forma de narcisismo nisso. Mas antes de prosseguir, cabem algumas lembranças.

Meu gosto musical inclui muita coisa antiga. E na verdade esse foi um processo que foi formado ao longo da minha vida, mas há episódios significativos de como isso foi se consolidando. Um deles vai me fazer voltar a minha adolescência.

Na época eu tinha 12 anos e em plena Copa da Itália a televisão pifou. Foi um drama e, obviamente (moçada dos anos 80-90 vai entender isso bem) a culpa pelo estrago da TV sobrou pro videogame. Um Atari na verdade, numa época em que os consoles da Sega ( Master System e Mega Drive) e da Gradiente (Phantom System, que rodava jogos da Nitendo) estavam chegando ao Brasil. E enfim, no meio disso tudo, a televisão não foi consertada de cara e passamos uns 2 meses ouvindo rádio, incluindo a Copa e a eliminação do Brasil com aquele gol do Caniggia.

Durante esse tempo a rádio que era mais sintonizada era a Antena 1, que era a rádio de flash-backs por excelência. Ali, no comecinho dos anos 90 passei a ouvir um repertório dos anos 60 e 70 basicamente e que remetia a infância e adolescência da minha mãe. Não menciono meu pai porque em 68 ele não seria uma pessoa confiável, já que tinha acabado de fazer 31 anos.

Eu,  na começo da adolescência gostava de zoar aquelas músicas. Achava aquilo tudo muito velho e por implicância ficava zoando o tempo delas. Mas obviamente eu gostava de muita coisa. Lembro-me também que nessa época um primo nosso passou uma época lá em casa e era ele que me fazia escutar as rádios com as músicas que na época eram atuais. E verifiquei que alguns hits eram regravações, como Knockin' on Heaven's Door do Gun's, que era uma regravação do Bob Dylan, que, aliás, faria seu primeiro show no Brasil naquele ano.

Outra questão musical interessante foi quando a professora de música comentava sobre a moda da lambada. Quando se é muito jovem, parece que as coisas vão durar pra sempre. Mas ela avisou pra gente que em música, assim como em outras coisas, existem ondas. Modas que vão, desaparecem e depois retornam. De fato, a lambada não durou muito tempo, mas atualmente temos aí o reggaeton latino em alta, bem como alguns ritimos paraenses (como a lambada) e que apresentam familiaridades sonoras, uma vez que eles se encontram em bases semelhantes, ainda que sejam estilos diferentes.

Depois, já adulto sempre fiquei com aquela cisma: será que minha playlist é muito velha, apegada demais ao passado? Depois com um tempo reparei que não. Que na verdade, embora não suporte a maior parte do que se executa no pop atual e costumo gongar dizendo que tal coisa que Lady Gaga fez tá copiando Madonna no álbum tal, ou que a Nick Minaj tá pegando carona em algo que a Trinere fez muito melhor nos anos 80 reparo que gosto de ouvir coisas atuais, ainda que não necessariamente estejam no mainstream. Aliás não ouvir as músicas mais executadas nas rádios, como eu fazia 27 anos atrás com meu primo, é um sinal da atualidade, onde as coisas andam mais segmentadas por conta do impacto da internet na indústria fonográfica.

E qual a razão de toda essa reflexão musical e o que isso me fez pensar sobre outros aspectos da vida e qual a relação disso com o nosso próprio ego? É porque na medida em que vou envelhecendo vou me incomodando com esse discurso de que "antigamente era melhor", ainda que eu em vários aspectos reproduza isso. E tenho reparado que esse discurso - e que serviu de referência para essa reflexão- vem quando as pessoas sentem que em tempos atuais não podem falar qualquer merda sem ser criticada por algumas pessoas.

O clássico "geração mimimi" que vemos mencionados em redes sociais (ironicamente por uma galera com menos de 20 anos muitas vezes) é um bom exemplo da ideia de que se o mundo atual não aplaude qualquer merda que eu falo, então culpemos o presente e a atualidade e vamos nos fechar na nossa lembrança narcísica do "meu tempo", "minha época" ou "minha juventude" para, de alguma forma, termos o nosso pensamento valorizado. Ou uma ideia de lembrança para aqueles que não viveram aqueles tempos, mas ainda o idealizam, como a galerinha Bolsominion- cujos pais sequer eram adultos no começo dos anos 80- que acha que o tempo da ditadura era uma maravilha.

Aí fiquei o tempo todo com esses versos do Torquato Neto, musicado pelo Sérgio Brito dos Titãs esses dias na cabeça. Pensando o quanto se prender demais ao passado pode servir como uma tranca narcísica que impede de lidar com a atualidade das coisas. Obviamente, não vale colocar o passado para debaixo do tapete, pois como disse a professora, existem as ondas que vem e voltam (to reparando que foi uma professora de música que me fez pensar numa ideia anti-positivista de história em que tudo obrigatoriamente é linear e tende a progredir). É no tempo presente que se pode fazer uma boa conciliação entre o que se aprendeu- como aqueles dois meses sem televisão- e as coisas novas que podem chegar, como aquelas que meu primo me passou e que hoje faço descobrindo via web novas músicas.

E pra finalizar fico com duas frases de dois grandes músicos. O Paulinho da Viola, que diz, "meu tempo é hoje" e o clássico das rodinhas de violão, Belchior em "Como Nossos Pais" que afirma "mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem".

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