quarta-feira, 14 de junho de 2017

Decifra-me ou devoro-te

Um namorado, ao discutir sua relação, diz ao outro " cuida de mim!" O outro pergunta: "como?" E a resposta é "cuida de mim, do jeito que você sabe fazer!" Essa frase, carregada de enigma e subentendidos, junto com uma demanda de exigência de cuidado do outro traz a pergunta: a quem cabe o cuidado nas relações?

Em uma relação sadia as pessoas devem ter o poder de cuidar de si mesmas, sem a necessidade de exigência da outra pessoa. Assim, o cuidado do outro aparece de forma mais natural. E como pensar nessas questões, levando em consideração que esse texto se trata de relações não abusivas.

Cada um de nós temos nossas identidades, construídas ao longo de nossa própria história pessoal. Dessa forma vamos formando nossos defeitos, qualidades e uma série de emoções. Algumas delas, nós mesmos temos dificuldade em reconhecê-las. Assim, não há como outra pessoa adivinhar o que se passa com a gente se somos incapazes de expormos as coisas de forma clara. Nesse sentido, ter a possibilidade de uma conversa franca é muito importante, entendo que essa é uma forma de cuidado.

Muitas vezes agimos como o enigma da Esfinge de Tebas: decifra-me ou devoro-te. Nos sentimos pessoas muito especiais, tais como um artista famoso, e achamos que o outro sabe tudo a nosso respeito. Daí, manter o enigma e não deixar as coisas clara é uma maneira de manter esse pedestal que criamos para nós mesmos por nos sentirmos tão especiais e maravilhosos. Alimenta-se um narcisismo exigindo cuidado do outro, sem deixar as coisas explícitas, já que falar o que sentimos e nos incomoda seria uma forma de "rebaixamento" dessa imagem criada.

Dessa forma, comunicar o que sentimos, ou até mesmo a dificuldade que sentimos em reconhecer nossas emoções e colocá-las pra fora, é muito importante. Assim, pode ser criar uma relação baseada no cuidado sem exigências absurdas e enigmáticas que desgastam a relação. Isso possibilita nosso posicionamento como sujeitos naquela relação, ao mesmo tempo em que o que é posto está sujeitado ao que o outro sente e pensa. Abre-se o caminho para a comunicação e negociação em uma relação baseada em cuidado que foi construído e não exigido, como na situação dos namorados que ilustra esse texto.

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