sexta-feira, 27 de julho de 2007

Dogma


Um dos males deste neurótico obsessivo: ausência de síntese. Prolixidade é meu nome muitas vezes. E já que neurose obsessiva tem relação com a fase anal, imaginemos aquele cidadão doido pra defecar , mas segura até o último momento para poder descarregar tudo no vaso depois. E daí vem um prazer intenso. Ou então aquele camara que junta dinheiro e não abre a mão nem para dizer tchau. Ou ainda, aquela pessoa que pega a garrafa de guaraná quase no fim, mas não a esvazia e deixa um pouco, um resto ridículo na geladeira para jurar a si mesma que o guaraná não acabou. Pois é, este é o maravilhoso mundo da Nobs. Qualquer dia desses voltarei a falar nela, tema recorrente por aqui.

Todavia, o que o cu tem a ver com as calças (literalmente)? Tal como o cidadão do meu primeiro exemplo passei os dias segurando os assuntos para por aqui neste blog e são inúmeros e claro, vai torrar a paciência de quem raramente se dá ao trabalho de ler minhas bobagens por aqui. Hoje comentarei um filme que vi na semana passada ao zapear por um acaso os canais da rede Telecine. Refiro-me a Dogma (1999) de Kevin Smith, que no filme também encarna a personagem "Silent Bob".

Antes - para reforçar a minha prolixidade - tenho que retomar à época de lançamento do filme. Eu estava no quinto ou sexto perído de faculdade. Do meu lado aqueles resquícios de adolescentes e gente que adorava falar mal da igreja católica - em cursos de ciências humanas e quando se tem menos de 25 anos isso pode soar cool- coisa que me incomodava não por ser católico, mas pelo fato de muitos críticos de tal instituição terem preconceitos e uma visão de mundo tão fechada que deixaria ruborizado até mesmo um membro da Opus Dei. Entretanto, como diria Irmã Selma "enfim, Deus sabe o que faz". E como se não bastasse Alanis Morissette era queridinha por algumas meninas chatas que achavam que ser sapatona e fumar maconha eram as coisas mais revolucionárias do mundo.

E dentro desse contexto eu torci o nariz para o filme na época por achar que era hype demais e se basear numa fórmula fácil: criticar a Igreja católica para parecer contestador. Wow! E caiu no gosto classe-mérdia ao qual me referi. Também não tiro a responsabilidade da própria Igreja que cria tanta celeuma que promove tanto exemplos ruins quanto bons, como o ocorrido com a escola de samba Beija-Flor no histórico "Ratos e Urubus, rasguem a minha fantasia" de 1999, por conta do uso de uma alegoria do Cristo Redentor na Sapucaí.

Sete anos depois, com quase 30, cá eu escrevendo a respeito do filme e dizer que ele é ótimo, além de divertidíssimo. Diferente da frase daquele pretensioso diretor francês que diz "o tempo destrói tudo", na realidade o tempo construiu ou ao menos permitiu que eu visse o filme sem a encheção de saco da época e, de fato, destruiu a minha resistência.

Em princípio o filme poderia parecer também uma espécie de propaganda protestante. Nele há um escárnio bem feito com elementos da Igreja Católica em especial com a Renovação Carismática - em alta antes da Dona Benta assumir o trono de Pedro - que tenta dar um ar "moderno". Aliás, ao lado de evangélicos neo-pentecostais, os carismáticos estão na lista da minha sombra interna, aquela que se dominasse o mundo criaria uma filosofia de vida, restauraria a inquisição e colocaria essa galera na fogueira...mas enfim, é a sombra, o lado cruel de cada um de nós.

Outro lado bacana do filme é que dá para aturar o Chris Rock e o Ben Affleck. Você se esquece de que são eles no filme, sem falar na piada bem sacada sobre o apóstolo negro que é esquecido das Escrituras. Alanis no papel de Deus também fica ótima, uma vez que ela não canta, a exemplo de Courtney Love que também não canta em "O povo contra Larry Flint". Ainda sobre o elenco, vale a pena ver Alan Rickman no papel de anjo e Salma Hayek como musa...eles estão ótimos.

E o filme por fim consegue ser uma comédia divertidíssima, com roteiro bem estruturado e piadas bem sacadas- o diálogo da personagem de Affleck com a freira no começo do filme exemplifica isso- sem cair em um discurso panfletário e, ao mesmo tempo, faz refletir, sem parecer como uma palestra chata, sobre algo que nos permeia talvez desde que se inventou esse troço chamado "civilização" que é a fé, as certezas, os dogmas, uma verdade absoluta em detrimento das idéias, do pensamento, do diálogo e do questionamento. Creio - verbo complicado, eu sei - que esses temas nunca perderão sua atualidade.

A frase do escritor, ex-pastor protestante, psicanalista, teólogo, etc Rubem Alves resume bem o que eu disse nesse post, desde o princípio: "parte de nossa neurose é o desejo onipotente de ter os nossos bolsos cheios de verdades e certezas". Como aquela garrafa de guaraná na geladeira, ou o intestino, que não se esvaziam.

Um comentário:

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

Não sei o que é pior, os conservadores ou os metidos a modernos.