terça-feira, 29 de junho de 2010

Que rosário você carrega?

Hoje minha tia conta-me um relato seu enquanto esperava o médico do posto de saúde. Fora tratar da sua diabetes e ao chegar em casa esbravejava contra o diabo , por achar que é ele que estava em seu sangue aumentando-lhe a glicose e não a sua falta de cuidado com a própria dieta.

Dizia-me ela que tinha uma senhora, com um rosário na mão, falando coisas belíssimas que tranquilizavam um homem que estava ali na sala de espera com elas. As palavras eram encantadoras e falavam do mesmo Deus que ela, como evangélica pentecostal, a senhora, católica, acreditavam.

No entanto, a alegria de minha tia acabou quando a velha disse sobre Nossa Senhora. Dizia ela ao homem que ele precisava do intermédio de Nossa Senhora para poder chegar a Deus. Minha tia retrucou-a dizendo que o único intermediário é Jesus. Ao me contar isso ela teve um certo cuidado em me dizer "Junior, eu sei que você é católico, mas a Bíblia é a mesma, não tem essa de Nossa Senhora, apesar de eu respeitá-la como mãe de Jesus".

Bem, esse texto não é para falar de religião, apesar de também falar sobre ela.. Eu pensei, na verdade, nos símbolos que carregamos conosco, valores ou objetos que investimos valores e nos associamos a eles de forma tão narcisista. Carl Rogers em seu clássico "Tornar-se Pessoa", diz que o passo para nos tornarmos pessoas implica o entendimento do outro e que a partir disso é que provocamos uma mudança em nós mesmos.

Foi mais ou menos que aconteceu com a minha tia. Mais ou menos porque o ponto em que ela gostou das palavras da senhora era no aspecto em que as duas concordavam com a mesma coisa. A identificação neste caso é narcísica. Pelo menos é um avanço no que diz respeito a uma possibilidade de ouvir o outro, mesmo quando esse outro diz exatamente a mesma coisa. Por outro lado a tolerância esbarra no rosário da senhora e minha tia elege seu objeto fetiche, no caso a própria Bíblia.

A velha senhora também não está distante do comportamento da minha tia. Ao invés de confortar o homem na sala de espera teve a sua dose de proselitismo, com terço na mão e tudo. no fundo o estranhamento entre elas se dá por essa identificação quase como um jog de espelhos.

Indo mais além: terços e bíblias ou outros objetos eleitos como defesa são privilégios de crentes? Até que ponto nós, de uma maneira geral, não elegemos os nossos próprios objetos e não nos associamos a eles de forma tão narcisista e deles não abrimos mão? Tem um lado de defesa do ego, que é importante, a necessidade de mantermos as nossas identidades sem sucumbir ao que vem do outro. É importante distinguir o comportamento de "maria-vai-com-as-outras" da pura intolerância, que no fundo são irmãs, já que muitas das crenças que abraçamos são nos passadas por instituições sociais durante nossa vida e, sem questionarmos, vamos repetindo as coisas como papagaios numa ilusão de que estamos sendo "nós mesmos".

Há sim, a possibilidade de coexistência entre a nossa capacidade auto-afirmação ao mesmo tempo que nos permitimos ao outro. Nascemos desa dependência do outro - ainda que , de início, nos provoque intensa pertubação. Para isso, a gente precisa nos perguntar: que rosários carregamos?

Nenhum comentário: