sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sobre a amizade.

Já passa da metade do mês de fevereiro. O meu segundo post. E isso porque essa semana aconteceram diversas coisas que poderiam render vários assuntos, temas e discussões para esse blog pouquísismo lido, uma das razões talvez que o fazem ser bissexto. Ok, chega dessa enrolação.

O ponto de partida para o pensamento de hoje é o filme que o Osmar me mostrou hoje, após chegarmos do enterro da mãe da Fabi que é o que ilustra esse post: "Mary e Max". A história de uma menina australiana que troca correspondência com um homem de meia idade novaiorquino com uma variação rara de autismo é de chorar. E, apesar desse argumento ele não é piegas e tolo. Apesar de ser uma animação, não é do tipo divertida, piadista (apesar de eu adorar animações desse tipo também) e, apesar de ser uma relação não de namorados é, no fim das contas, uma história de amor. Chorei com o filme e o recomendo, já que é um belo e realista libelo a mais nobre, por mais que isso seja batido, das formas de amor: a amizade.

"No fim das contas você vai ver que o amor é um só", me disse Evandro semanas atrás. Eu me lembrei de uma roda que a professora de português fez na sala, no primeiro ano do segundo grau, e falávamos sobre amor. Eu, sempre pernóstico e metido a intelectual da turma saí com o chavão: o amor tem várias formas de se manifestar, mas é tudo amor. Quinze anos depois eu iria me dar conta das minhas palavras não como um clichê, mas como experiência vivida.]

Naqueles idos de 94 a Suiá estava em outra turma por ter optado por francês e assim, poder manter seu grupo, "a cozinha", unida contra a fragmentação pretendida pela direção do colégio, pois, optando pelo francês no ensino médio, todas seriam obrigadas a estar na mesma turma, a de final 08, que era a única que tinha a língua estrangeira de baixa procura no colégio. Afinal de contas o inglês é mais necessário. E assim elas fizeram, não todas as cozinheiras. Eram 7 no total e 3 se mantiveram unidas. E as que não estavam unidas por turma mantiveram contato no colégio e este se estende até hoje. Ali é um exemplo de como se deu uma história de amor adolescente.

Hoje eu vi Suiá no enterro. Ela faz parte das minhas histórias amorosas. E Fabi que pra mim é minha irmã também. A morte de dona Reginalda me fez ter vários momentos de reflexão, estados, sentimentos por muitas vezes caóticos. De me lembrar do meu primeiro contato com Fabi, no dia em que tentei pegar o 438 e o maldito motorista ruivo (apelido que colocamos) impediu-me de entrar pela frente, porque a maior parte dos motoristas, antes da aprovação da lei orgânica de 1990 achavam que estudante do Pedro II não era da Rede Pública e por isso não deveriam entrar pela frente, tal como os das redes estadual e municipal. "Vem, Odilon!" foi a primeira palavra que trocamos. Isso era ainda na primeira ou segunda semana de aula, o que faz o cinco de março ser uma data emblemática para nós assim como o aniversário, natal, páscoa e ano novo.

Dona Reginalda apareceu pela primeira vez naquele mesmo ano. Tínhamos, eu e Fabi, que fazer um trabalho de matemática. O tema era porcentagem e era relacionado com a campanha para governador daquele ano. Entrevistamos pessoas, até pelo telefone usando o catálogo, para saber sua intenção de voto e, a partir dali, transformar em dados estatísticos. A mãe, preocupada com a filha a levou até em casa, dizendo que gostaria de saber onde a filha estava indo e quem eram as pessoas e tudo o mais. A partir daquele dia começa toda a história.

Eu e Fabi vivemos nossos momentos, nossos altos e baixos e sempre ajudando um ao outro. Tínhamos em comum um certo olhar de superioridade para cima dos demais. Eu fã de literatura, Fabi do teatro. Aliás foi pela paixão pelo teatro que me rendeu o título de "procurador" da Fabiana, pois às quartas feiras ela saía depois do recreio para o curso de teatro na Casa de Cultura Laura Alvin com hoje conhecidos na cena teatral Daniel Herz e Suzana Krugger e, por isso, nos dias de vista de prova eu olhava a nota dele e conferia algum erro na correção do professor.

Em meio a todas essas histórias que se desenvolveram lá estava dona Reginalda com seu jeito abusado de falar aquilo que pensava e queria. As suas várias histórias desde o tempo que chegou menina de Salvador no Rio, o que ela passou com sua mãe, sua vida toda, sempre pontuada por muita diversão e festa mesmo com toda luta e como foi ter uma filha com mais de 40 anos tendo que criá-la sozinha. Isso ao mesmo tempo fez com que Fabi tivesse que, desde cedo, desenvolver um senso muito forte de independência. Desde menina ela já sabia como lidar com burocracias bancárias, contratos de aluguel, dar atenção aos filhos do vizinho e tem que estudar. Essa independência fazia contraste comigo, completamente "Mummy's boy" e esse foi um dos fatores que me uniram a Fabi. E hoje me dou conta de que na mediação desse processo lá estava dona Reginalda.

Nos eventos importantes como meus aniversários, formatura, festas de fim de ano elas - mãe e filha - estiveram presentes. Muitos na família sempre acharam que eu e Fabiana éramos namorados, algo que hoje respondo como "temos um casamento de mais de 20 anos". E sempre refletindo sobre o que chamamos de "ditados de Reginalda", entre eles, o mais célebre "preto quando tem poder pisa logo nos irmãos de cor deles". Pelo espectro politicamente correto pode parecer racista, mas não é, especialmente quando víamos como a Chefe de Disciplina agia com a gente. O que dona Reginalda, do seu jeito quis dizer era como nós repetíamos o papel de feitores da Casa Grande.

Os anos se passaram e a saúde de DR, como a chamamos, foi se agravando. Não quero muito entrar nos pormenores desse processo que vivemos juntos, pois hoje, após o enterro o que mais quero lembrar são desses momentos de vida, seja na diversão ou até mesmo nos estresses que também ocorreram. Afinal, como Max disse a Mary, você não é perfeita assim como ninguém o é e não tem como ter uma fórmula que dê conta de tudo. Apesar de que a busca pela tal cura de Mary era uma maneira que ela acreditou de expressar seu amor, assim como estar ao lado de DR em momentos delicados de sua saúde. E cabe lembrar que ela, tal como uma mãe, me estendeu a mão também quando precisei. Mas o amor é mais que troca.

Pensei muito sobre essa questão de mãe e filhos. Pessoas com quem fiquei e meus melhores amigos passaram ou estão passando por situações delicadas no que diz respeito à saúde delas. Essa semana fez 3 anos que me mudei e minha mãe teve problema de saúde logo que nos mudamos para Araruama. Aquela situação, bem como quando ela retirou tumores benignos há 20 anos, fez pensar muito sobre isso, sobre cuidado, sobre saúde, sobre amor.

Amor de mãe sei que não é algo instintivo, da natureza. É fato cultural. E todo filho reconhece que em vários momentos as mães podem ser muito cruéis. Faz parte, Eros e Tanatos caminham ali, em certas situações o último prevalecendo mais que o primeiro. Só que dessa vez o que me deteve mesmo foi o amor, aquele que o Vando disse que é "um só". Aquele que acabei descobrindo.

E nas suas diversas formas, o que marca é a amizade. Pensei no que uma pessoa me disse que temia chegar aos 30 anos sem ter alguém, um namorado para estar junto. Hoje ele mora com o namorado. Mas pensei, pensamos no namorado, marido, esposa seja lá que nome tenha como forma de "companhia" nos esquecendo de que "companhia" mais intensa são a dos amigos e que tem a vantagem de não exigir monogamia, apesar de que existem amigos possessivos. Claro que muitos querem um companheiro ou companheira, casamento, família para que outros arranjos amorosos se desenvolvam. Não os nego aqui, só mudei de foco, talvez, para a amizade.

E aproveito aqui para agradecer os amigos que tenho. São todos muito preciosos e eles sabem disso. Rever amigos de tempos imemoriais, estar com outro de longa data no sepultamento de dona Reginalda, hoje, foi muito significativo. Não deu Fabi, para estar no Bar do Peixe e "beber" DR, mas é que um turbilhão de sentimentos e reflexões estavam comigo no mesmo momento e que permitiu a eu pensar sobre tudo isso e dedicar esse texto a você.

E um dia estaremos todos em algum lugar, junto com DR, tocando o terror, com samba do estilo da Praça XI, com DR fazendo todas aquelas exigências que já conhecíamos. Enquanto isso não acontece, vamos aproveitar as nossas vidas da melhor maneira possível nesse plano, como já temos feito durante todos esses anos.

Dedico também a todos os demais amigos, que após meu baque de fim de ano, estiveram ao meu lado, cada um de um jeito: um saindo comigo e fazendo a maldita, outro me ouvindo me ajudando a esclarecer as coisas, outro a ver as coisas com suavidade, outro me forçando ver as coisas na base da "porrada", enfim, tudo o que se espera de uma relação humana realmente verdadeira.

Esse texto pode parecer hermético para uns, caótico para outros. Mas hoje, com licença, quero me permitir ao caos das coisas como forma de poder abraçar, pelas palavras os meus amigos. Palavras que uniram Mary e Max, dois desconhecidos. Palavras que nos une, mesmo que não seja por carta ou blog, o faz pela voz. Não importa. O amor, repetindo mais uma vez, é um só.