domingo, 6 de novembro de 2011

Valores contra a parede

Um personagem delirante meu decide escrever a história de um universo próprio em uma parede infinita. Ele é livre para escrever. Quer dizer, nada do que ele escreveu pode-se apagar. Só poderá fazer isso uma única vez.

Talvez hoje eu estive tal como o personagem. Uma pergunta simples, e uma argumentação que não exigiria muito, e lá se vão valores meus contra a parede enquanto questiono os valores do outro. Vamos chamar esse outro, mais uma vez, de Homem-Parede.

Conversávamos sobre a presença de grupos em que há inimizades. E ele saca "grupo que tem muito viado é igual grupo que tem muita mulher, dá muita fofoca e intriga". Eu no meu afã feminista multifacetado - já não era a primeira assetiva machista dessa personagem da vida real em seu machismo - comecei a divagar sobre uma série de coisas. Tentei ser socrático ao perguntar quem mais mata e mais morre, se não são os homens,  boa parte heterossexuais, muitas vezes por motivos banais (há motivo sério para a morte? fica essa primeira questão). Ele me diz: homens são diretos, matam, não perdem tempo com intrigas, enquanto mulheres usam de falsidade. Tentei me perder em teorias mil, defeito meu, quando poderia simplesmente dizer "filho vai ver a próxima edição do BBB em janeiro que, ai quem sabe, você pensa melhor sobre isso".

Humano, demasiado humano. Criamos valores. E muitas vezes o usamos para rotular e discriminar - entenda como especificação- sobre o que o Hegemônico determina como o errado, pecaminoso, doente. Em suma, o que é "estranho" e "fora da norma". Uso um lugar comum também: o que é estranho e que ameaça o controle de quem detém poder causa angústia. Por isso deve ser rotulado, classificado para ser devidamente controlado. Daí é bom sair com boas pré-definições. "Vai me dizer que você nunca viu mulher falsa?". Poderia perguntar "Vai me dizer que você nunca viu um ladrão preto?" E daí poderia usar essa premissa do senso comum para poder estabelecer uma série de valores para manter tudo na devida ordem, tudo dentro da parede. Só que diferente da minha personagem, sem a possibilidade de voltar atrás na criação de seu próprio universo.

Não sou diferente. Sou um homem de universos e premissas. E com certezas no bolsos. Tentando em vão mantê-las mesmo sabendo que elas são como açúcar em água, se desmancham com facilidade. Isso já foi devidamente compreendido. E nesses meus universos compartilho com os demais o tabu da morte. A morte como algo último e que tirar a vida de alguém é condenável, absurdo, ainda que muitas vezes isso não tenha consistência absoluta.

Então, pelo tom da conversa - só pelo tom, não tive a oportunidade de questionar de modo mais profundo porque eu e o Homem Parede temos o mútuo medo de despedaçar tijolos falhos- me pareceu que falsidade tinha um valor mais fácil de ser condenado do que homicídio. No universo-parede, falsidade é intrinsecamente feminino (ou de viados, que por extensão se iguala ao feminino, haja visto que homem "de verdade" não transa com outro e viados são igualados às mulheres para isso parecer mais natural e controlável) e daí, talvez se lá, fosse um país, fofoqueiros, mentores de intrigas merecessem a cadeira elétrica e homicidas, uma liberdade por bom comportamento. Afinal o homicídio não é um fator desagregador, ele extermina logo de uma vez. E exterminando tudo, resolve se de maneira sucinta a possibilidade do conflito, sem espaço para indagações, dúvidas e incertezas que a natureza humana - se é que existe uma - é incapaz de resolver de uma vez em nome de uma suposta Verdade.

Nenhum comentário: