domingo, 16 de fevereiro de 2014

A moça do inglês perfeito*

Esses dias estava discutindo com o meu namorado sobre as manifestações anti-Copa do Mundo e eu, antes de tudo, questionei o que está sendo criticado e como essa crítica é feita. Daí ele me lembra deste vídeo, da menina que tem "um inglês perfeito":



Meu pé atrás sempre diz: sinto cheiro de coxinha frita no ar. Mas para não cair na clássica falácia ad hominem, resolvi prestar a atenção no vídeo e ver quais argumentos fazem sentido e quais não fazem.

Onde o vídeo acerta?

- Na crítica às várias remoções que estão sendo feitas em nome de obras que são feitas para a Copa do Mundo. E cabe lembrar que estas atingem, justamente, a população mais pobre;

- Colocar grandes eventos como uma panaceia que vai trazer, obrigatoriamente, melhorias para a população, especialmente no comércio e na infra-estrutura de transportes;

- Questionar sim se estes gastos estão de acordo com o que o evento pede e como o dinheiro público, pelos impostos, está sendo investido e que contrapartida, de fato, isso trará.

-Críticas feitas ao modo como as UPPs estão sendo implantadas e a forma como isso funciona como uma "maquiagem".

Dito isso, vamos aos equívocos deste vídeo:

- Ela parte de uma experiência pessoal ao dizer que toda vez que alguém a identifica como brasileira, a pessoa diz que vai para a Copa do Mundo. É válido você expressar suas experiências individuais, desde que elas sejam, colocadas como tais e não usar esse conjunto universo para a generalização de um tema muito mais amplo;

- Ela entrevista um número pequeno de pessoas para repetir aqueles clichês sobre o Brasil com a clássica e capciosa pergunta: "qual é a primeira coisa que vem a sua cabeça quando pensa sobre o Brasil?". A não ser que ela esteja fazendo algum teste psicológico projetivo, este tipo de pergunta (e o tamanho da amostra) são insuficientes para uma pesquisa mais séria sobre o tema. Talvez fosse o caso dela poder usar dados de pesquisas nas diversas áreas (da mais empresarial às Ciências Sociais) que pudessem dar mais estofo ao que ela diz;

- Na afirmação do custo da Copa, segundo ela, mais de 30 bilhões de dólares há vários problemas. O primeiro deles, é citar de onde ela tira esses dados. Isso é fundamental, pois as informações são variadas: os governistas falam em um custo bem menor do que esse enquanto oposicionistas colocam os valores em torno do que foi dito por ela. Exemplos destas disparidades podem ser vistos aqui e aqui. Nesse sentido o site do Globo Esporte, da famigerada Rede Globo (que tem interesses na Copa, mas é tida por governistas como membro do "Partido da Imprensa Golpista-PIG") apresenta relato parecido com o dela, mas cita a fonte e faz o favor de especificar, baseado nos dados do Tribunal de Contas da União, o total gasto, de onde vem cada quantia e onde isso será gasto. O portal da transparência também apresenta esses dados;

- O velho equívoco do "com esse dinheiro poderia se investir em educação e saúde". O problema no Brasil é fazer esses equações: educação= escola (prédio), saúde = hospitais e segurança = polícia. É uma visão reducionista e ao mesmo tempo demagógica. Investimentos nestas áreas devem ser feitos constantemente pelo Estado (não importa a sua orientação política) e a análise desses temas é bem mais ampla. Afinal, como se paga os salários dos profissionais das escolas, polícia e hospitais e, lembrando, que nem só de escola, delegacia e hospitais vivem a educação, segurança e saúde, respectivamente;

- A questão do "pagamos impostos para isso.." É a típica demonização do Estado, mas que é uma análise pobre a partir do momento em que não problematiza a forma como esse dinheiro é gasto e quais as relações desse mesmo estado com o grande capital. Em nenhum momento, do vídeo, tirando a FIFA, ela cita os interesses das multinacionais e de grandes empresas brasileiras em um evento como esse;

- O velho moralismo de imputar a violência às favelas - que sim, tem de fato problemas seríssimos nesse sentido - e de imputar ao trio "samba, festa e dança" o uso de drogas. Parece até aquele vídeo da Rachel Sheherazade sobre o carnaval. A impressão que se tem é que o uso de drogas só se dá quando se dança, tem festa e no samba.  Esse tipo de visão as respeito das drogas é extremamente problemática, preconceituosa e é preciso pensar de forma mais abrangente sobre o uso de drogas. E ela se esquece de que o tráfico de drogas não são exclusividade das "gangs". Tem muito playboy vendendo droga que não sabe sequer segurar um fuzil.

Enfim, poderia até traçar mais pontos, mas coloco aqui como eu vejo (e sim, posso ter meus equívocos) em relação a tudo que está sendo dito sobre a Copa do Mundo.

É fundamental fiscalizar e entender sim como o dinheiro público está sendo gasto. Não importa se são 10 bilhões de dólares ou apenas 1 real. Faz parte da democracia ter transparência nos gastos públicos. E isso não diz respeito apenas à Copa do Mundo, mas a qualquer investimento, seja na construção de um estádio ou no calçamento da sua rua feito pela Prefeitura de sua cidade.

Se há famílias sendo removidas, sim, isso tem que ser criticado, questionado. Bem como acontece com a remoção de comunidades quilombolas e indígenas Brasil a fora, muitas delas feitas em nome do desenvolvimento (vide o caso Belo Monte) e de que isso trará benefícios. Esse mesmo discurso sempre foi usado ao longo do século passado, desde a chegada de Vargas ao poder até a ditadura civil-militar e suas grandes obras.

As obras de mobilidade urbana são obrigação quando pensamos a situação que se encontra nas cidades. Vamos lembras que o Brasil começou o século XX como uma grande fazendão atendendo ao modelo agro-exportador e terminou esse mesmo século com a grande maioria das pessoas vivendo nas cidades. E isso feito sem o menor investimento em infra-estrutura, não apenas na mobilidade urbana, mas nos serviços que atendem às pessoas, como saúde e educação. Então a crítica à forma como isso (não) é feita é válida em qualquer momento, com Copa do Mundo ou não.

Tenho muito medo dessas falsas dicotomias que opõem "fazer grandes eventos" versus "deixar população na miséri". Considero-a falsa, porque vamos imaginar que dê a "loka" na FIFA e ela cancela tudo. Será que isso automaticamente trará benefícios imediatos para a população? É um tipo de relação causa e efeito que não faz sentido.

Devem ser feitas sim diversas críticas às formas de como o evento está sendo preparado. A FIFA e sua série de imposições que, mais do que "ferir a soberania", mostra como são espúrias as relações do governo com essa entidade e lembrar que elas não agem sozinhas, mas que temos trocentas empresas ligadas ao grande capital (seja o nacional ou o estrangeiro) com diversos interesses na realização deste evento. Também é preciso questionar se, de fato, esse evento trará benefícios para o país ou se isso resultará em prejuízo. Sim, pensar nesses pontos é absurdamente válido. Assim como a construção de grandes estádios que no futuro ficarão vazios, revelando-se grandes "elefantes brancos".

O que não vale é achar que dizer "não vou a Copa"  para os gringos é uma forma de protesto. Na verdade só revela o nosso velho complexo de vira-latas, como diria Nelson Rodrigues, ao não apontar os pontos de maneira mais profunda.

*o título é uma ironia, porque se sabe que o que se considera como pronúncia "ideal" ou "perfeita" está ligada a forma como os grupos dominantes de uma sociedade fala. A linguagem não é somente comunicação, mas revela também como usamos e nos deixamos usar pelo poder.





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