sexta-feira, 9 de julho de 2010

O caso Bruno


Mais que um caso de pessoa famosa envolvida em crime que desperta sempre aquela curiosidade do "o cara tem tudo, com pode ser bandido?", ou a tese preconceituosa do "tá vendo, o cara tem dinheiro, mas continua agindo feito pobre/preto/favelado", o caso do goleiro Bruno é sobretudo uma questão ligada a forma como se dão as relações entre homens e mulheres no Brasil.

O jornal "O Globo" perguntou a vários especialistas sobre o caso e a maioria deles apelou para um psicologismo absurdo. Pontos nesse caso foi para o Roberto da Matta, antropólogo, que falou sobre o "ethos" machista que há no futebol. O machismo não é privilégio do futebol, há na sociedade como um todo e em todas as classes.

As relações de poder de gênero se caracterizam, ainda nos dias de hoje, na noção de que o homem é dono da mulher, de seu corpo e de suas decisões. No que diz respeito à saúde reprodutiva, toda a responsabilidade é jogada para cima da mulher. O homem vive no paradoxo da responsabilidade no que diz ao trabalho, força e virilidade - "homem de verdade tem que ter caráter, não pode ser vagabundo"- e da "irresponsabilidade" no que diz respeito a sexo, e relações afetivase cuidado com a saúde "ah o cara é homem, é assim mesmo, pra que vi se preocupar em usar camisinha? Homem é feito bicho na hora do sexo".

Então temos a história de um goleiro que sai das classes mais baias e atinge o status que tradicionalmente os homens desejam: fama, dinheiro luxo, mulheres, sexo. Ele está em um lugar onde muitos desejam. Só que paraísos perfeitos não existem e todo cuidado é pouco quando se diz sobre poder.

Há o assédio por parte de muitas mulheres. No caso o desejo delas é o mesmo deles: fama, dinheiro e luxo. O acesso que algumas delas encontra é justamente pela via dos relacionamentos, sejam eles afetivos ou puramente sexuais. Talvez, sem fazer julgamento de caráter, seja esse o viés de Elisa Samudio. E como bem ilustra Da Matta, o desejado ali não é o goleiro, homem digno de ser admirado por suas glórias, mas sim o que ele tem financeiramente. Estamos em plena era do capitalismo e guerreiros míticos por suas glórias, porém sem dinheiro não cabe no discurso desejante de hoje, seja pelas mulheres que assediam esses jogadores ou um moleque de favela que sonha em ser jogador de futebol e deseja muito uma chuteira da Nike ou uma Ferrari. O heroísmo se dá por essas conquistas.

Justo com a necessidade de ser desejado há também a exigência da obediência ao poder do homem. Por ter transgredido também a essa exigência, pode ter sido esse o caminho que levou Elisa à morte. Há seus requintes de crueldade e perversão neste caso, mas isso só rendeu manchetes na grande mídia porque envolveuo técnico do time de maior torcida no Brasil. Casos como o de Bruno devem lotar as divisões de homicídio e Delegacias Especiais de Atendimento a Mulher de todo o Brasil sendo que esses mal devem ser notinha no jornal Meia Hora.

O fato é que antes de chamarmos Bruno de "monstro" ou "anormal", tal como chamamos o homem de "bicho" quando se diz a respeito de sexo deve-se pensar que o que ele fez é reiterado por uma sociedade que em pleno século XXI reitera a ideia de que a mulher é um objeto das vontades e necesidades masculinas, ao passo que a partir do momento que a mulher deseja alguma forma de poder ou desafia normas estabelecidas, ainda que esta também deseja viver dentro edesta norma (quero um homem rico para me deixar bem de vida) ela pode ser acusada de prostituição, receber nomes pejoativos, ser violentada ou até mesmo morta.

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