quarta-feira, 7 de julho de 2010

Remédio


Passo os lábios pela boca e sinto não mais o seu beijo, mas um gosto de melissa. Era resto de um chá para a garganta. Não sei as propriedades dessa planta para a dor que eu sentia. Não importava-me o gosto ou do que a planta era feita. Só a pimenta na ponta do nariz para permitir a respiração. São dias sem fõlego e não é por conta de um micróbio. É você, é a lembrança que aumenta com tua ausência.

Levo para o quarto a água (beba bastante líquido!) e o rádio. Toca a música de um alemão, música de cabaré feita nos anos 90 com cara de anos 20. Isso também não representa nenhum problema, porque sintonizei o rádio porque sabia que ali tinha música boa, não importava-me de quem era. Como a água quente e a erva-cidreira. O importante é a água quente dilatar os vasos e reduzir a dor. Pura, ela seria intragável. Por isso preciso de alguma folha com gosto minimamente agradável.

O alemão agora canta "we are the champions" como seu estivesse num filme de Marlene Dietrich. Só que o que eu queria era aquele som que interfere no rádio, um chiado estranho que avisa quando o celular irá tocar ou receber alguma mensagem. Aquele ruído que ora parece com trote de cavalo - isso deve combinar bem com caipiras - ora como um toque sutil na porta. No entanto nada de som, nada de notícia.

Descubro então que teu ruído é feito de silêncio. Tem uma capa de crise vivencial, porque tudo o que me disseste até agora não me parecem existenciais. Isso eu deixo para quem tira onda ouvindo jazz na mesma rádio que sintonizo com o resto de melissa no gosto da saliva misturada a das secreções de um resfriado. De qualquer forma o remédio liberta as narinas e a garganta. E meu pensamento se liberta da tua ausência na medida em que coloco cada palavra. Devemos, por isso, tomar muito cuidado com o que dissermos um para o outro porque palavras lbertam, mas também aprisionam na expectativa que damos ao outro. E isso terá aquele gosto ruim de sercreção sem remédio, não importando se a água está fria ou quente. A dor permanece e quando ela passa, remédio se chama desprezo.