sábado, 30 de abril de 2011

Sobre o silêncio

Tenho uma prima de 17 anos que posso considerar como a típica fundamentalista evangélica. Só que ela não é do tipo que abre a Bíblia na cara dos outros ou coisa que o valha. Mas está cheia de convicções e certezas a respeito do mundo, embora ela mesma seja uma menina inteligente e capaz de questionar certas coisas. Pena que quando ela faz isso, na maioria das vezes, é para fundamentar a sua própria visão de mundo.

Ela agora faz um curso que inclui no currículo "cidadania". Cada mês um tema é escolhido para os alunos debaterem e, por vezes, eles têm que defender posições que são contrárias ao que eles pensam. Achei esse exercício interessante, especialmente pelo fato dela ter que defender a adoção de crianças por casais homossexuais, coisa que ela, por uma mera premissa religiosa, é contra.

O tema do mês é espiritualidade. Parece que o professor disse aos alunos que era do candomblé e os demais manifestaram suas opiniões. Pelo que ela me contou um dos meninos resolveu relativizar a Bíblia, sabiamente apontando que ela era um livro escrito pelos homens e que algo dali fazia sentido para ele, mas que tem muita coisa que não cabe no mundo em que vivemos. Bingo, nem todos os adolescentes são iguais. Ainda bem!

A minha prima, que dá aula na escola dominicar da igreja para crianças, lê os best-sellers evangélicos, do Malfaia à Cabana, resolveu ficar na dela. Ela disse que se manteve em silêncio porque não valia a pena discutir aquilo e que a Bíblia estava certa e ponto. Eu me identifiquei com ela em certos pontos, em certos defeitos meus, que também vejo em outras pessoas com quem me relaciono ou me relacionei.

Carl Rogers disse que entender o outro é algo difícil porque provoca uma mudança em si mesmo. Rubem Alves fala que nossas neuroses são fruto de termos os bolsos carregados de certeza. De fato, o silêncio tem muito a ver com isso.

Tem aquela velha lição de nossos avós de que o silêncio vale ouro. Eles não estão errados, desde que esse silêncio não crie uma prisão na qual você se fecha em si mesmo e fica, além de mudo, surdo e cego para o mundo.

O silêncio muitas vezes tem esse propósito. Diante da palavra não dita ela não tem como ser confrontada. Se ela não é confrontada a certeza está ali, aparentemente intacta, junto com a visão de mundo que essas palavras carregam e dão sentido. Uma forma também de dar, além da segurança de que as coisas são como são, de que temos poder, controle absoluto sobre todas as coisas, tal como Deus.

O que ocorre que esse ser mais desamparado de todas as espécies e mais dependente do outro chamado ser humano não tem esse controle que julga ter. E que por mais certeira que seja uma determinada ação, a sua reação diante do mundo por ser diferente.

Um exemplo muito besta disso pode ser o desmatamento. Durante séculos se procedeu da mesma forma, achando que aquele jeito não teria grandes consequência negativas. Até que um dia, depois de quase nulas as florestas, nos demos conta de que aquela ação a qual estávamos tão acostumadas teve que ser repensada e mudada para poder garantir a nossa sobrevivência no planeta. E como eu afirmei antes, este é só um exemplo besta de como a realidade pode interferir forte nas nossas ações, pensamentos e sentimentos quebrando certas ilusões que criamos acerca do mundo. E neste caso estão ai as campanhas preservacionistas tendo que sair do silêncio.

Na vida amorosa, no compartilhamento de ideias, na escola, nas universidades, na família, enfim, em uma série de áreas do convívio humano estamos carregando e sendo carregados pelos vários silêncios. O silêncio do segredo, o silêncio diante da violência, o silêncio quando se escuta alguém com uma certa experiência, enfim, ele assume várias formas. Resta saber qual delas a gente quer escolher para que a gente não pereça diante da realidade e, mais ainda, que a sabedoria se silencie quando mais precisarmos recorrer a nós mesmos para uma resposta diante de um problema e o coração se calar.

Ps: Esse texto é dedicado a um rapaz que se diz muito tímido, mas que tem medo de abandonar as próprias certezas, assim como eu.

Um comentário:

Evandro disse...

Ou, como este que vos fala atua, simplesmente ir de acordo com a corrente, faz com que você perceba muito mais, do que uma cadência. Afinal de contas, ser paulatino é uma chatice.

O bom é que, ao longo da sua jornada, você percebe que certos padrões podem ser construídos na sua forma de ver a realidade. E isso é muito bom.

Então, seja bem vindo ao mundo dos "observadores"...