segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Sobre certas mentiras

Sempre pensei, até que ponto as mentiras de Pinóquio o tornavam mais humano e menos boneco, marionete manipulado por alguém?

Aquele momento em que vem um estalo enquanto se lê Wilde e provoca uma certa mexida em ideias pré estabelecidas minhas. Dizia o escritor irlandês:
" Seus lábios não me agradam, pois são retos como os de quem nunca disse uma mentira. Quero que aprenda a mentir, de modo que seus lábios fiquem bonitos e sinuosos como os de uma máscara antiga " 
Momento de pensar o quanto já fui cruel com alguém que mentiu para mim diante de uma mentira que em nada interferiria na minha vida, nem postitiva, nem negativamente. Puro orgulho ferido de quem não gosta de ser passado para trás. 

A mente volta para os meus dezessete anos. Tínhamos uma amiga mintômana; Suas histórias incluíam um noivado com um rapaz da sua igreja que sequer a olhava na cara. O rapaz era de fato bem bonito. 

Anos depois eu a reencontro no shopping com o seu marido de fato. Mais feio, mais velho, sem graça... a verdade naquele momento "fora de Matrix".

Um louco quando alucina não diz necessariamente uma mentira, subjetivamente falando. Para o sujeito aquilo é uma realidade. Mas com os olhos da objetividade, do observável, independentemente da intenção ou não do sujeito aquilo é tanta mentira quanto alguém que a faz deliberadamente. De qualquer forma, é um clichê dos profissionais psi que a alucinação é, sobretudo, uma resistência...

Platão em sua República - uma das inspirações de Matrix que citei há pouco - temia os poetas por serem "falseadores". Seu compromisso com a Verdade impedia a ação deles. 

Séculos mais tarde, Fernando Pessoa nos diz que o poeta é um fingidor, com uma dor que "deveras sente". Aí está a beleza.

Hoje, diante de certas mentiras preciso olhar para o outro lado. Penso na elaboração, na construção dela, como ela é feita. O trabalho imaginativo que foi colocado ali. O rapaz com quem fui cruel, por exemplo, construiu uma que era dotada de um certo romantismo e erotismo... O problema todo é quando a imaginação termina e assim todas as estórias se assemelham, ficam iguais. Aliás é essa uma justa crítica à telenovela, por exemplo e a necessidade de mudar algo. O sucesso de Avenida Brasil, de certa forma, mostra um pouco dessa necessidade.

A grande questão é quando a mentira oprime. Quando uma coisa é tomada como Absoluto e impede o ser de criar e impedir justamente novas construções - ou novas mentiras- e daí a pessoa se prende naquela repetição sem poder mais sair dela. Penso em outro mentiroso, um cara casado com quem já fiquei e tem uma vida dupla de moço pai de família evangélico no interior e bicha pegadeira na capital. Aliás esse rapaz sempre carecia de imaginação por repetir as mesmas coisas em suas cantadas.

Essa ponte com "verdades absolutas" misturadas com mentiras universais me fazem pensar na dicotomia religião e ciência. A ciência estabelece verdades efêmeras que no futuro se tornam mentirosas. Ou não foi isso que Einstein fez com Newton ainda que os dois estivessem dizendo a verdade?

Talvez esse texto me faça pensar em outro foco, não o da mentira em si, mas o da imaginação, da capacidade de criação. E é esse ponto que estou vendo naquela outra mentira, aquela em que fui cruel e em nome do meu ego acabei de analisar a beleza que existia ali até o momento em que as coisas não se repetiam por falta de imaginação. Como nos contos eróticos de um cara que sempre curtia ler, mas que perdi o gosto ao saber que em todas as suas estórias os seus parceiros se mudavam de cidade do mesmo jeito, para poder justificar o caráter efêmero de sua mentira-imaginação e a impossibilidade de um retorno com a mesma pessoa, ainda que com outras pessoas a sua narrativa seria exatamente a mesma.

Ou talvez não seja o caso de se pensar no fim da estória em si, mas no meio dela e como aquilo tudo é contado. Sem quebrar o encanto que há nela. Como a amiga do falso noivado que chegou na minha casa dizendo que no mesmo dia conheceu Malu Mader e que depois sofreu uma tentativa de assalto antes de chegar lá, mas que seu spray de pimenta salvara toda a situação. E um amigo gaiato perguntou "deixa ver o spray, tá na sua bolsa né?" e a infeliz tirou de tudo dentro da bolsa e sem sucesso emite uma resposta absurda para não admitir sua mentira: "ih, acho que esqueci", Ilógico, mas a lógica do meu amigo quebrou o encanto da estória.

Já que falei em novela me lembrei de outra, Roque Santeiro, na qual a existência da cidade e das vidas das personagens se sustentavam justamente em uma mentira. Essa mentira que nos sustenta. Será que não era essa a ideia de Dias Gomes.

Por isso, por vezes, melhor que "ser você mesmo" é melhor escolher uma boa mentira, uma que faça você e o outro se sentirem bem...e para isso, imaginação é necessária.  É ela talvez que dê a sinuosidade e a beleza que Wilde dizia.

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