domingo, 3 de outubro de 2010

Futil demais para ser profundo


A frase do título é do Osmar para uma de suas várias personagens, mas que serve também para o filme a que assistimos ontem pelo Festival do Rio. Bear City, dirigido por Douglas Langway com roteiro do próprio Douglas em parceria com Lawrence Ferber.


Para quem não sabe - acho difícil um leitor deste blog não saber da subcultura gay dos bears (ursos) - os bears são um nicho no chamado "mundo gay" de homens que valorizam mais características supostamente masculinas como barba e pêlos e em alguns casos valorizando o excesso de peso (há mais subdivisões) e um estilo talvez mais "unfashion", bem diferente da expressão mor da cultura gay pós AIDS da Barbie fortona, musculosa, fundamentalmente lisae às voltas com produtos de griffe. Claro que essa definição está bem superficial, não muito diferente do que o filme mostra.



Em primeiro lugar, o roteiro pretende mostrar a referida subcultura como um viés diferente, mostrando que há subdivisões, fofocas, preconceitos em uma cultura que em tese deveria ser o oposto disso. O filme tenta, mas esbarra em vários problemas. Eu que fui com a intenção de encarnar Barbara Heliodora acabei ficando com cara de Marília Gabriela perguntando ao seu entrevistado "o que quer dizer?"


Talvez analisando a trama das personagens principais pode-se perceber o amontoado de clichês ruins e a falta de direção do filme.


Fred e Brent é um casal que pensa em abrir a relação. Ali não sabemos se o filme vai caminhar para um drama decente ou se vai cair para um escracho. O que se tem é algumas cenas que rendem algumas risadas e só. E Stephen Guarinho, que vive Brent, e já fez o papel de bicha-afetadinha-fashion em Confessions of a Shopaholic de uma forma legal se dilui, creio que tragado pela absoluta falta de talento do resto do elenco. Aliás que elenco?


Temos o casal principal Roger- que não sei se é daddy, muscle bear ou boto rosa- e Tyler. Ali era pra se ter um gancho romântico bobo: o machão comedor fudedor que se redime ao descobrir o amor. O que se tem é um ator canastríssimo, um roteiro que não consegue explicar como se dá essa mudança e um outro personagem chatinho, que seria a fronteira entre dois mundos: das bichas magras lisas e obrigatoriamente fúteis contra o mundo tão "interessante" dos ursos. O filme faz isso de uma maneira infantil e maniqueísta, evidente na (relação?) de Tyler e seu outrora companheiro de quarto. Aliás onde estavam as bibinhas do começo do filme? Corte de custos?

Sinceramente, de machões canastrões fudedores prefiro Carlo Mossy e Davi Cardoso, deliciosamente canastrões e nos anos 70 bem mais interessantes. Não é delírio nacionalista, mas apenas um registro da minha relação libido e cinema. E aqueles diálogos "existenciais" de Roger com o seu "peguete" espanhol e com Tyler são tão gostosos como uma sonda na uretra. Passo!

Ainda em relação a Roger não entendi o que a estória pretendia: condenar seu comportamente supostmente "promíscuo". Mostrar sua "redenção" como o machão que resolve passar por cima da opinião alheia ao mostrar o seu "amor impossível"? Ou glamurizar e mostrá-lo como o ideal de gay ativão, machão, competitivo, em sua, o mito do paraíso masculino que a "comunidade gay", assim como os heteros querem de volta nesse mundo pós-feminismo? Num entendi o que ele falou?

E os dilemas de Michael e Carlos - um dos personagens que encarnam o esteriótipo do latino estúpido no filme- em relação a gastroplastia de Michael não avançam muito e beiram ao surrealismo. No mundo real um rapaz novo e bonitão diante da ameaça de perder o corpo gordo e consequentemente o controle sobre seu namorado, parte imediatamente para outra como quem troca de roupa. Até porque uma relação centrada em uma caracterísitca física não tem mesmo como ser profunda emocionalmente. Como diz sabidamente Frei Betto, "é o Platão na contramão" dos tempos atuais do privilégio do corpo em detrimento da "mente" esquecendo-se que na realidade as duas instâncias estão ligadas, para não dizer unas. Isso é outro assunto.

Enfim, é uma filme que como cinema é mal feito: roteiro fraco, falta de continuidade nas tramas, elenco péssimo, amontoado de clichês e sempre mais do mesmo. O final do filme é inacreditavelmente previsível sem provocar maiores emoções.

E o título do filme diz que pretente mostrar a cena bear em Nova Iorque. Se há uma coisa que não existe nesse filme é a "city". O que se vê é um universo não só olhado pela ótica bear, mas o mundo real não existe. O máximo que existe é um ridículo "eu trabalho na bolsa" ou algo assim dito por Roger. E quem não é "bear" é obrigatoriamente ridicularizado, como os entrevistadores de Michael, os amigos de Tyler no começo do filme e por ai vai. Esse tipo de maniqueísmo é irritante e só reforça uma coisa, é um filme bear feito só para bears se sentirem um pouco mais felizes.

O filme não tem a capacidade de ir além, suscitar maiores discussões. É quase um filme didático com cenas de sexo sem contexto em ritmo de videoclipe que funciona mais para um discurso moral mais besta que os conselhos do He-Man no fim de seus episódios. E não critico o filme por suas cenas de sexo, pois as achei pertinentes em Cachorro - um filme bear bobo que não me agradou muito mais supera em muito Bear City-, O Fantasma e em Madame Satã. Aliás o longa de Karim Aionuz é uma aula de como uma personagem gay pode ir além de um submundo (ou subcultura) e apresenta de maneira formidável, sem pintar de cor de rosa, a cidade das personagens. Em bear City Nova Iorque, o universo e as boas ideias somem na "caverna dos ursos". Infelizmente ele é "fútil demais para ser profundo".

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