segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Sobre o "norte" do desejo


Comentei certo dia aqui que falaria sobre "corpo". Na verdade uma sucessão de acontecimentos me fizeram pensar "naquilo". Isso mesmo, sexo. O que dizem que tem muita gente que só pensa nisso, quando talvez seja ele algo nosso que mostra muito do nosso "todo". Que todo é esse que menciono?

Penso na frase de Lacan: "não existe relação sexual". Estranha mesmo, ela diz que a ideia de encontrar no sexo uma completude finita, capaz de resolver todas as suas faltas é ilusória. Não só apenas em relação ao ato sexual em sim, mas a uma série de outras coisas. Por exemplo, quando domingo vejo as cartas das pessoas pro Alberto Goldin, logo de saída elas falam que são bem sucedidas, tem bom emprego, estabilidade financeira e estão sofrendo. É como se o fato de aparentemente satisfazer todos os desejos do que a nossa sociedade exige pudesse livrar-nos da falta. Não existe desejo sem falta.

Tá, mas esse blablabla todo tem a ver com o que? E o lance que eu mencionaria sobre o corpo?

Bem, dia desses o meu querido Josh Junior postou lá no facebook dele uma foto do Fraçois Sagat. E falou que por mais "übber macho" que ele parecesse isso não o atrairia. Engraçado que Sagat preenche todos os requisitos do ponto de vista físico do que muitos desejariam, tanto como alguém para estar junto ou ao mesmo tempo ser como ele. E depois pensei nas pessoas que já conheci, especialmente homens, que estabelecem padrões para si mesmo sobre que tipo de pessoa deseja fisicamente para estar junto.

Lembrei-me de um amigo que o quanto sofreu em um relacionamento com uma pessoa que não tinha nada a ver com ele, mas que o relacionamento aconteceu por conta do tesão, pelo fato do rapaz com quem ele estava ser do tipo físico que ele gostava.

Bem, talvez estamos criamos categorias para dar uma espécie de "norte" ao nosso desejo, que não tem bússola na verdade. Ele se assemelha ao mar para os navegadores europeus antes do despertar da Idade Moderna, cheio de mistérios, mitos, possibilidade de aventura e, por que não, de encontro com a morte. Só que assim como o se verificou depois, o oceano não era plano e é dinâmico. O desejo se parece com ele nesse sentido.

O desejo, por mais que recusemos é dinâmico. Pensei no Sagat dos filmes pornôs e das fotos que alegram as fantasias sexuais de seus fãs. Interessante que nesse mesmo post que mencionei outro rapaz mencionou que ao vivo ele era uma pessoa sem graça, no sentido de que entrou na festa, ninguém deu confiança e depois foi embora. Não digo que o Sagat seja assim, mas pensei na forma como esse rapaz o viu.

Nessa busca por um "norte" colocamos nossos ideais, perfeitos. Só que existe uma coisa chamada realidade sempre pronta para quebrar os pedestais dos nossos santos particulares. Alguns o chamam de rotina, como acontece nos casamentos que no começo são perfeitos ideais românticos e depois acabam desgastados.

O que acontece que essa coisa chamada realidade, somada à falta, torna o desejo algo dinâmico, cheio de encontros e possibilidades das quais não podemos ter controle absoluto. Tal como a caravela no meio do Oceano que em busca de um continente conhecido (as Índias) acabam descobrindo algo completamente novo (as Américas). E tal como navegantes europeus destruídos por malária, escorbuto ou pela defesa de nativos à sua invasão, isso pode acontecer também com o desejo, por mais que o catequizemos.

Deve ser o ideal algo a ser condenado? Creio que não. Fiz um exame da minha própria consciência erótica e, apesar de nela habitar, do ponto de vista físico, uma variedade tamanha - o que fez um amigo chamar-me de onívoro- sei que tenho as minhas preferências físicas, os meus "nortes". O exercício mais difícil para todos nós é saber o quanto não estamos presos nesse norte sem saber que existem outras direções, ainda que o imã da bússola aponte sempre para ele. Ou ideal pode ser visto como o sol, fundamental para identificarmos as nossas posições, mas não necessariamente somos obrigados a ir na direção dele.

Essa "liquididificação" sobre isso tudo, confusa assim desse jeito, combina com o que foi minha vida afetiva/amorosa nesse ano ao lidar com pessoas que elegeram tantos ideais, especialmente acerca de si mesmas - há o desejo que investimos em nós mesmos - e no fim percebi que o que era "sólido", para eles, "se desmancha no ar", para parafrasear Marx. Se desmanchou para mim também porque não há relacionamento com o desejo de um só. Minha sorte talvez seja reconhecer que esse "ar" que desmancha as coisas é a realidade e, dada a especificidade do desejo, ele nunca é completamente satisfeito. Ainda bem porque se assim não fosse, sequer teríamos inventado a roda.

Um comentário:

Rodrigo disse...

Ter desejo é saudável, mas ficar preso a ele é terrível. Devem ser muito tristes essas pessoas que gostam EXCLUSIVAMENTE de um tipo físico "ideal" e não estão abertos às nuances. Eu tenho o meu norte, mas dá para contar nos dedos de uma mão quando esse meu desejo foi totalmente satisfeito. Há umas 2 ou 3 semanas, o Contardo Caligaris deu uma ótima entrevista para o Roda Viva e num dado momento ele fala em como é difícil casar o desejo/fantasia com a afetividade. Procure no youtube, vc deve gostar.

Eu vi o François Sagat na minha frente, num sex shop de Paris (acho q devia ser o começo da fama dele, lá pelos idos 2004 ou 2005), mas abafemos esse caso, pois sou um rapaz de família. :p