domingo, 26 de março de 2017

Relacionamentos ruidosos

A partir de uma conversa que tive ontem, fiquei pensando nos ruídos na comunicação que existiram e existem nos meus relacionamentos afetivo-sexuais. E obviamente, sei que eles nos acompanham desde sempre, desde a brincadeira do telefone sem fio às discussões pessoais (reais e virtuais). Alguns acham que a forma de evitar tais ruídos nas relações é falar menos, pois complicamos demais as coisas. Mas sendo o complicado inevitável é importante sim que coisas sejam ditas e pensar em como elas são ditas, seja pra quem está transmitindo ou recebendo a mensagem.

Existe uma piada, um esteriótipo que me incomoda demais, afirmando que a famosa DR (discussão de relacionamento) é "coisa de mulher". Os homens, em tese, mais racionais e objetivos, não teriam tempo a perder com coisas menores, com complicações sem sentido. Acontece que tais complicações são nossas emoções, que existem independentemente do gênero/identidade sexual da pessoa, e menosprezar tais emoções nada mais é que uma manifestação machista que, ao considerá-las como atributos femininos, as desprezam. É a base do famoso "homem não chora".

Outro ponto a se pensar é o que Lacan chama de "imaginário". Neste vídeo, pra quem tiver interesse, há uma explicação boa sobre esse imaginário e as outras duas instâncias pensadas pelo psicanalista francês.  Em suma, a partir desse conceito julgamos que aquilo que dizemos é imediatamente percebido pelo outro, quando na realidade não é isso que ocorre, pois as nossas palavras vão passar pelo mecanismo de interpretação de alguém que é diferente de mim, e pelo imaginário, julgamos que esse outro é igualzinho a nós mesmos (espelho)e que assim vai ter total compreensão. E não tendo isso, surgem os ruídos.

Pensei nesses dois pontos, o machismo e a relação imaginária, em exemplos da minha vida. Ouvi de algumas pessoas com quem já tive e tenho relacionamentos que a minha mania em querer falar sobre as coisas, discutir, analisar e interpretar é uma perda de tempo e que as coisas poderiam ser bem mais simples se eu não complicasse tanto. Paradoxalmente lido com uma cobrança justa de que me fecho demais e não coloco pra fora o que realmente sinto e assim não tem como o outro ficar sabendo o que se passa comigo. E também há o caso de me falarem que há sim a demonstração de sentimentos, de carinho, afeto e atenção, não por palavras, mas por outros gestos que por vezes não dou atenção, pois me preocupo com as palavras. E aí em parte dou razão pois existem sim essa dificuldade de interpretação (imaginário) e ao mesmo tempo de colocar meus sentimentos pra fora, por conta desse aprendizado machista em lidar com as emoções.

Já ouvi alguns amigos homens cis heterossexuais chegarem pra mim e dizer que no relacionamento entre dois homens as coisas seriam mais fáceis, inclusive no sexo. Que a pergunta clássica "você é ativo ou passivo?" já é uma forma de comunicar aquilo que se sente e gosta e seria assim uim facilitador. Concordo em parte com isso, mas sei que no relacionamento entre dois homens as coisas vão além disso e há respostas a essa pergunta clássica que não são lá muito bem aceitas. De qualquer forma eu devolvo: por que vocês não conversam com suas parceiras e, fundamentalmente, não as escutam? Aí diante disso segue-se aquela cara de "Sinhá Mariquinha, cadê o frade?"

Relacionar-se com homens é esbarrar nessa atitude machista da não necessidade de não se discutir sobre o que se gosta ou incomoda de forma mais profunda, pois isso seria uma forma de complicação. É lidar também com o imaginário de esperar uma resposta "x", quando o outro diz "y", jurando que x=y. É lidar com o bloqueio das próprias emoções também, e de saber escutar as emoções e desejos do outro.

De qualquer forma os relacionamentos vão esbarrar nesses ruídos. Não há uma comunicação fluida, 100% compreendida. No entanto, quebrar com certas amarras há tanto tempo estabelecidas, permitindo uma valorização da emoção, falar francamente sobre os desejos (inclusive os sexuais), de forma que não sejam menosprezadas é fundamental pra que se tenha uma relação franca, segura e gostosa para todos os envolvidos. Não é tarefa fácil, pois não é receita de torta de 2 minutos num vídeo do Tastemade, mas vou tentando.

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