segunda-feira, 13 de março de 2017

O Sonho das Duas Dimensões

Freud, Jung e Lacan, cada um a seu jeito mostra o quanto do nosso psiquismo não é unitário. O último até usa o conceito de Outro, o inconsciente visto como uma alteridade, alienado de nós mesmos, que tomamos como algo diferente, pois a própria linguagem, na qual ele se estrutura, vem de fora. Para podermos falar e dar sentido às coisas dependemos de um idioma feito por outros antes mesmo de nós nascermos.

Começo com esse ponto, da integração pra pensar sobre o meu sonho mais recente relatado, que pode ser conferido no meu blog específico para sonhos aqui. Então, creio que a compreensão do texto depende fundamentalmente da leitura daquele sonho.

Ele começa em uma rodoviária. Ônibus são elementos recorrentes nos meus sonhos. Na minha infância eu achava divertido andar neles, especialmente quando corriam muito, o que não é difícil no Rio de Janeiro (anos 80, já com trânsito forte, mas não tão intenso como hoje).  Então a presença deles sempre me traz essa sensação da necessidade de movimento. E o excesso de pessoas, eu tendo que passar por elas pode significar alguns obstáculos que podem ser ultrapassados.

E há nele uma espera de alguém que nãos sei se vem ou não, mas que na verdade, não impede que eu caminhe e faça o que tenho que fazer, o que tem a ver com desejo de independência. Esse alguém vem de São Paulo, que significa ao mesmo tempo o passado (ex namorado) e o presente, em que tenho contato com alguns amigos de longa data e novos. Inclusive de um amigo que tem se mostrado muito presente e importante nos últimos 4 anos e costumo brincar que ele é o namorado paulista. Creio que a referência deve ser também a ele, que não por um acaso apareceu ontem num momento de socorro. Sincronicidades.

O ponto alto é a presença do casal citado. Trata-se de duas pessoas que há alguns anos tivemos forte contato, especialmente nos meus dois últimos anos de Rio de Janeiro. Parte da relação com um deles já estava estremecida um ano antes da mudança, uma vez que fiz algo que o desagradou e ele, que sempre foi aquela pessoa que "falava na cara, sou sincero, não sou grosso" resolveu comentar numa postagem de blog algo que não gostou meu, mas nunca teve a coragem de falar diretamente comigo, mesmo quando o interpelei para tal. E eles voltam agora, pois no último carnaval me lembraram deles e aí lembrei que no meu último encontro real, eu estava bêbado, os vi na rua e os tratei de forma fria, o que difere muito da postura diplomática que costumo ter muitas vezes.

O "oi falso" representa muitas coisas: aquelas duas pessoas não são quem elas aparentam ser. A minha amizade com elas já se acabou, daí a não aprovação do meu "oi" já esperada. E num sentido mais profundo, representa a minha própria "falsidade", que o inconsciente revela. Pois sentimentos são sempre escamoteados, não revelados, ou coloca-se no mundo real de uma forma diferente. Posso por vezes querer parecer ser sincero (como o amigo falso) com o que sinto, mas esbarro numa série de barreiras emocionais que impedem que ele se manifeste tal como eles são. Mas os sonhos existem pra isso, basta lê-los. E admitir isso não é fácil.

O apartamento por sua vez é pequeno e velho. Os amigos de outrora precisam estar no espaço deles. Só que esse espaço deles é,  paradoxalmente, o espaço que ele ocupam na minha subjetividade. É um espaço pequeno, velho e cabe a mim ceder esse pedaço pra eles. E ainda assim, ainda que próximo, deito em um velho colchão. Deitar pra mim tem o significado de se entregar as emoções, de se permitir, mas isso ali é precário.

Daí aparecem os vizinhos que parecem estar em um prédio vizinho ao que eu morava quando criança. Ali era um espaço em que eu costumava brincar com outro vizinho, éramos crianças e hoje não tenho menor notícia de que fim aquela família levou. Mas fica uma lembrança boa, com entendimento que aquilo está no passado. Um jargão típico da minha família materna é esse "não falemos sobre isso, isso é passado!".

Os vizinhos são de Minas. Isso tem tudo a ver com a mudança minha pra região que moro hoje. Por várias razões. O casal do sonho algumas vezes zombou, na vida real, a minha mudança, o meu novo lar. E aqui os mineiros têm fama de serem desordeiros, de fazerem muita bagunça pelas praias e meu inconsciente absorveu esse dizer preconceituoso. E o principal é motorista de van com o qual tenho um envolvimento erótico, me chama pra uma festa. A van é o principal meio de transporte na minha cidade e ao mesmo tempo é "fora da lei" é clandestino, Então esse erotismo, a festa, a cerveja, o motorista, tudo isso representa uma necessidade de quebrar com leis (supereu?) estabelecidos. E nessa quebra não há espaço sequer pra um dos dois rapazes, pois ele é repelido pelo outro e abandono eles ali, naquele lugar precário, para uma nova diversão.

Nesse sentido o fato de eu ter dito a eles que eu estava em outra dimensão e que as coisas deveriam ser integradas é isso. Além do próprio anoitecer, meu momento preferido do dia e que ao mesmo tempo representa fim de ciclos.  Não é pra ser uma questão no estilo "deixa pra lá, o que tá no passado sumiu, não existe". Na verdade ele existe sim, por vezes como uma boa lembrança, como as brincadeiras infantis ou então merece sim um lugar, o lugar da precariedade, da falta de recursos emocionais, uma relação que não merece mais quaisquer investimentos, pois ela e empoeirada como os móveis, o colchão e as paredes daquele apartamento, É hora de, conduzido pelo motorista da van (a desordem, a arruaça, a quebra da lei) de ir pra outra festa.

E resumidamente é sobre isso, Sobre desapegos. De como esses apegos são sustentados por leis que me colocam numa dimensão que atualmente não faz o menor sentido. Que é hora de quebrar com normas que estabelecemos para nós mesmos e tacar o foda-se. Esse último sonho foi, basicamente sobre isso.

Ps: nesse momento vem na playlist uma música do Hercules and The Love Affair, chamada Visitor, que diz, entre outras coisas:

It's no time to stand

It's time to jump
No time to sleep
It's time to bump


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