terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Millenium: o homem que odiava as mulheres



Neste verão eu decidi fazer algo de diferente. Ficar na minha casa nesse verão maravilhoooooooooooso das Baixadas Litorâneas fluminenses, tomando meus bons Montillas e dividir com vocês esses momentos meus, que inclui bancar o cinéfilo de ocasião e comentar os filmes oscarizáveis.

É que cinema pra mim tem sido como ir a um restaurante bom ou ir no McDonald's, ou seja, seja um filme de arte ou um blockbuster cerejão é algo que faço raramente e, quando o faço, sei distinguir entre uma coisa e outra.

Mas o cerne do post não é esse, e sim comentar o que vi da versão estadunidense para a obra do jornalista e escritor sueco Stieg Larsson (1954-2004), "Man som hataar kvinnor" (quedê o trema para o a de man, abnt? #classemediasofre) e que na versão de David Fincher é a "A Garota com a Tatuagem de Dragão" e no nosso dialeto brasileiro tornou-se "O Homem que não amava as mulheres". Coloquei os três títulos porque achei interessante quanto ao seu significado. Mas vou deixar a papagaiada psicolingúistica para o fim.

Estou com a versão sueca do filme na fila, que é de 2009 e dirigida por Niels Arden Oplev e quando vê-lo comentarei aqui, para as inevitáveis comparações.

Vamos ao tio Fincher. Esse é o tipo de filme que não dá pra ver assim de relance, aliás como todo o filme de mistério, detetives e afins em teoria devem ser. Não li a obra, mas pelo roteiro ele mescla uma história aparentemente nada absurda em termos de mistério, mas faz isso de uma maneira muito bem feita. Não foi difícil saber quem era o assassino do filme - acho que deduzi mais pela escolha de quem desempenhou o papel do que pela lógica em si, sou péssimo pra essas coisas - mas Fincher conseguiu trabalhar isso de forma  muito boa, partindo dos clichês habituais sim mas sem o lugar-comum: o investigador que se envolva com a assistente, o velho nazista em uma casa empoeirada, a garota hacker-gótica-maluquinha-usuária-de- drogas-bissexual, o senhor rico elegante e tudo o mais. E claro que além do bom roteiro de Steven Zaillian - o mesmo de Tempo de Despertar, A Lista de Schindler, Missão Impossível, Gangues de Nova Iorque, A Intérprete entre outros- aliado com as atuações do ótimo elenco, bem como detalhes técnicos como a fotografia, edição e montagem contribuem para isso.

Daniel Craig faz com competência Mikael Blomkvist, o jornalista da revista Millenium (título do filme) que perde um processo para Hans-Erik Wennerström, um "vilão" que pouco aparece no filme, até porque ele não é o foco central, mas o começo e o desfecho da trama. Craig teria tudo para repetir o 007 - tanto é que assim como em Casino Royale temos uma cena de tortura com tom homoerótico- e, por sua competência não o faz. Ele consegue achar o equilíbrio entre o jornalista derrotado, o pai ausente, o investigador inteligente e um homem submetido ao desejo de mulheres em situação de poder maior, seja pela editora Erica Berger (Robin Wright), chefe de Blomkvist ou pela jovem Lisbeth Salander (Rooney Mara), mais rápida, inteligente e que, sexualmente é quem toma a iniciativa diante de Mikael. 

A presença de Stellan Skarsgård é muito boa, ainda que eu o ache uma espécie de Gerard Depardieu sueco, ou seja, se o filme é sueco ou tem lenda nórdica na história, chamem Stellan. Para quem viu "A Casa de Vidro", em que ele era Terry Glass (vidro em inglês)  pode fazer uma ótima conexão, pois a personagem dele em Millenium, Martin Vanger, mora em uma casa envidraçada de fora a fora e dentre os membros da família Vanger é o mais simpatico e "transparente", juntamente com seu tio Henrik.

Bom rever Christopher Plummer que ficou na minha memória como o Capitão Von Trapp do clássico "A Noviça Rebelde". Mas uma vez ele é rico e mora em um lugar isolado de tudo...e a sua participação como o patriarca Henrik Vanger está ótima. 

Outro que merece destaque é o ator holandês Yorick van Wageningen, que faz do seu Nils Bjurman a medida exata entre o advogado comum, gordo , pai de família - sutileza do diretor na presença leve do álbum de retratos em sua mesa- e o cara perverso, fazendo um bom jogo com Rooney Mara sobre quem dá as cartas em alguns momentos do filme. 

A escolha do titúlo em inglês "A Garota com a Tatuagem de Dragão" é excelente, pois o filme é de Lisbeth Salander, a dita garota. O bacana é que essa tatuagem durante o filme é mostrada uma vez só durante um banho da personagem e já é o suficiente para sair do clichê (nossa, como estou usando essa palavra aqui). E se Lisbeth tinha tudo para ser a caricatura da garota esquisita rebelde maluca, a atuação econômica de Rooney Mara deu o ponto exato para a personagem que transita entre o violento, sexual, rigidez, dureza, afeto, carinho, infantil, inteligente tudo isso no momento certo, preciso.



Outros bons pontos é o fato do filme não terminar na resolução do mistério principal "quem matou Harriet Vanger?" e voltar para a briga de Blomkvist x Wennerström e Rooney Mara num visual mezzo Kate Perry, mezzo Raquel Assunção no julgamento de Ruth (sim, eu tenho que mencionar a teledramaturgia).

Aliás em relação ao apelo "gótico" de Lisbeth, é bom lembrar que a trilha tem o senhor Trent "Nine Inch Nails" Reznor, o homem do rock industrial tão querido pelos "goths, já que não só o filme, mas como o cenário, desde Estocolmo até o chalé de Blomkvist no norte da Suécia dá exatamente esse clima sombrio, mas sem cair naquele esquema fácil do noir-cinzento (pelo contrário o lugar é coberto por alvíssima neve). Há referência a Trent na camisa que o gordo que vende apetrechos eletrônicos para a espionagem de Lisbeth. 

E sim, nada de vilão voltando dos mortos para encher o saco e amarrando o final da história. O tempo nesse sentido é trágico e não dramático e isso é bom para o filme.

E as mais de duas horas de filme, enfim valem a pena. Se bem que nunca vi um filme gringo com merchandising descarado - quase no modelo brasileiro em que nomes de bancos vêm escancarados nas cenas- como esse, incluindo a Apple - claro em todo filme tudo mundo usa Mac, mas nesse, diferente de outros que vi, mostra o uso do MacOs- Coca Cola, Marlboro e Mc Donald's. Nada que comprometa o filme.

Consigo fazer mais leituras que me chamaram a atenção sobre Lisbeth: o fato dela oscilar bem entre a fragilidade e a força, entre a vítima e a vingadora, entre a louca e a sã, a tutelada e a independente. Outro ponto, no fim do filme, é que ela, mesmo sabendo de cabo a rabo a vida de Blomkvist ainda é surpreendida na cena final do filme por uma atitude tão comum feita pelos homens. Não vou contar para não fazer spoiling.

E por fim, no Brasil quisemos nos aproximar do título sueco "Man som hataar kvinnor", como "O Homem que não amava as mulheres". O que acontece, meus caros distribuidores brazucas é que uma coisa é "não amar", outra coisa é "odiar", onde é um desejo realmente existente com objeto e objetivo constituído, como o filme bem mostra. aliás quando li "hataar" me lembre do inglês "hate". Tá bom, não interessa a ninguém saber meus exercícios de etimologia vagabunda só pra dizer que sei alguma coisa).


Ps: Vejo nesse momento a que categorias do Oscar o filme está concorrendo

- Melhor atriz (Rooney Mara);

- Melhor Fotografia ( Jeff Cronenweth, que já trabalhou com Fincher em O Clube da Luta e A Rede Social, diga-se de passagem o segundo ainda não vi por pura implicância e o primeiro impliquei por anos para depois gostar muito do filme);

- Edição (Kirk Baxter e Angus Wall, companheiros de Fincher em A Rede Social, Zodíaco, O Curioso Caso de Benjamin Button, sendo que o segundo fez o Quarto do Pânico, para mim um suspense mediano)

- Edição de Som: Ren Klyce, também dos filmes já citados

- Mixagem de Som: David Parker, Michael Semanick, Ren Klyce and Bo Persson. Parker, já participou de inúmeros filmes, de O Retorno de Jedi a Gi-Joe, Piratas do Caribe entre tantos blockbusters. Semanick já tem duas estatuetas, uma por O Senhor dos Anéis- O Retorno do Rei (2003/4) e outra por King Kong (2005).  E o sueco Bo Persson já trabalhou com Bergman em Fanny e Alexander de 1982).

- Nada melhor que o IMDB nessa vida né mesmo? Dá um ar de que a gente sabe tudo de cinema, mesmo sendo um lammer, meu caso.

Nenhum comentário: