quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um meio bem resolvido



Há cerca de 10 anos eu pensei em uma peça, um tanto baseada em um ex de um amigo meu, um tanto baseada na mudança de sentimentos que eu estava passando e outro tanto baseado num grande clichê entre os homossexuais. O nome era "Fora do Meio". Não entrarei em detalhes porque ainda um dia pretendo escrevê-la, mesmo há 10 anos maturando em minha cabeça.


Ontem me aparece mais um tipo desses. Em princípio, orgulhoso por não namorar ninguém há 10 anos. Até ai morreu Neves. Estou há quatro e nunca fui o tipo de pessoa de acreditar de que para estar feliz você precisa de um namorado, marido, esposa etc e tal. Usando outro clichê, o mais importante são os amigos, algo que o tal "tipo desses" também concordou.


Mas o moço não se limitou a dizer que estava bem com o fato de ser solteiro. Ele poderia ser um Gary Haynes não evangélico ou algo do tipo tamanha a sua propaganda. Natural defender os seus pontos de vista. O interessante é que o discurso esbarra na velha questão do Eu e o Outro. Vejamos.


Ela culpava o fato de "99% das pessoas do meio só quererem putaria" - eu já mencionei a palavra 'clichê' nesse texto? -e que para se livrar de tanta mentira, decepção e mágoa das pessoas preferia estar solteiro e com os amigos. Foi quando eu perguntei se esse tipo de gente só se encontraria em um relacionamento afetivo e a figura não me respondeu, limitou-se a me fazer perguntas. Aí a coisa ficou mais interessante.


Para a sua decepção e geração de uma série de "sei" duvidosos - vi ali que meu coração aprendeu a lição de cagar e andar se a pessoa acredita em você ou não, tal como um amigo me dissera há quase 20 anos -  disse-lhe que no meu "meio" havia várias pessoas e, consequentemente, relacionamentos. Dali a figura pediu para parar com "o jogo de gato e rato" - eu estava apenas mostrando a minha realidade, sequer emitindo opinião sobre nada ainda - e para o nosso Platão do paralelo 12ºS (ou do meridiano 38ºW fica a critério do leitor) o seu encadeamento de perguntas perdeu o sentido.


Este caso, assim como tantos outros mostra algo para além da simples relação eu e outro. Claro, há a ironia de alguém que, em princípio tão absoluto de si e certo de que sabia evitar o sofrimento, na verdade creditou aos outros, e não às suas próprias escolhas a vivência de seus próprios desejos. Fora do meio....até certo ponto, quando projeta nele as velhas desculpas para ser quem é e não admitir fielmente as suas próprias escolhas. Não entrarei no mérito se ser solteiro para ele é uma escolha real ou desculpa, não vem ao caso. O interessante mesmo é essa responsabilização do outro e não tomar para si as suas escolhas.


O ser humano de uma forma geral - não me excluo desse papel - tende a fazer isso quando algo lhe incomoda. Bem como criar meios para ter "segurança emocional": eu evito os outros, 99 por cento falsos, mentirosos e tarados e assim eu vivo bem, já que "não sou nada disso". Esse tipo de auto-santificação já evito, pois convivi com milhares de santos durante a minha formação católica e, arrumar mais um ou ser mais um está fora de cogitação.


Mas sim, segurança emocional, seguro de si. Engraçado como buscamos isso, mais uma maneira de evitarmos a dor quando emoções são sim instáveis, cambiantes, flutuantes. Ou indo para outro ponto, uma citação de Rubem Alves que diz que "as pessoas bem resolvidas estão mortas". No caso de ontem, alguém que mata o próprio desejo.






A ideia de "meio" é um tanto parecida com o modelo atômico de Dalton, uma bola de bilhar maciça. Se cria uma ideia compacta de como esse meio é e determina como todas as pessoas são. No caso de homossexuais isso se relaciona com a própria homofobia que carregamos conosco. Colocamos todos em uma mesma categoria, usamos adjetivos depreciativos para referir a todos eles e assim nos mantemos aparentemente seguros. Criar a ideia do meio e viver nessa relação de "ele é culpado" versus "eu fujo dele" é intimamente uma forma de dizer "eu fujo de mim, do que eu realmente desejo".


Eu penso na ideia da ideia caótica da nuvem de elétrons e tendo consciência que assim como os átomos e as suas partículas tudo é um modelo que criamos para lidarmos essa coisa estranha chamada universo, que é bem mais que o mundo e se revela uma realidade instável, caótica e por isso mesmo, muito viva.



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