terça-feira, 17 de abril de 2012

Um sentimento que assombra



Rubem Alves comenta que um instrumento fundamental para o aprendizado é o assombramento. Ao mesmo tempo o importante é ler as coisas pelo avesso. A fala do analisado mostra isso, mostra os lapsos, as falhas, os sonhos, o que escapa à razão e se manifesta no consultório e o psicanalista, em atenção flutuante, também faz (ou deveria fazer) essa escuta também pelo avesso. Ponto para eu pensar: o que me assombra? O que me vira do avesso?

Pensei nas emoções, em especial a Raiva. Ela me vira do avesso e ao mesmo tempo me assombra. Não o assombramento diante de algo novo e inesperado que extasia, mas algo antigo, presente em mim e que ao mesmo tempo se relaciona com outros sentimentos, como a tristeza e o medo.

Lembro-me de uma festa junina quando eu tinha cinco anos. Eu estava no pátio do colégio com aquela gravata amarrada com caixa de fósforos junto com meus pais e minha irmã. Um moleque mais velho passa e me diz qualquer coisa puxando a gravata. Eu me esquivo dele e o garoto vai embora. Isso foi o suficiente para uma severa repreensão materna "como você é bobo! como você deixa eles agirem com você desse jeito!". A violência é sim ensinada e mexe com a gente. Mexe e tem papel de um educador tirano que diz como eu tenho que lidar com uma emoção que é natural, como a raiva.

Será que é essa a mesma base da violência por motivos absurdos, porém ensinadas em nossa sociedade? É isso que motiva a "obrigação" de um cara do time A brigar com o do time B num estádio de futebol, só para citar como exemplo entre tantos outros. Bem, esse seria outro assunto. Agora em pauta estão sentimentos meus.

Uma reprimenda parecida levei aos 12 anos pelo fato de não ter sido "malandro" o suficiente pelo fato de eu ter me apresentado ao diretor como um dos garotos que resolveram sacanear o professor com desenhos e frases na lousa. Hoje é um fato histórico entre os meus colegas de colégio e damos muitas risadas, mesmo com o cagaço da sala da diretoria. Mas o que mais chama a minha atenção não foi a suspensão, foi esse esporro. Não considero-o como algo traumático ou algo do tipo, mas me faz pensar, me virar do avesso sobre como lidar com esses sentimentos.

Um dos textos do meu "alfabeto" é exatamente sobre essa condição que liga raiva e ego. Por um lado percebo que habita em mim um sentimento de repressão deste sentimento - já que é visto como assombroso- como risco de perder o amor do outro. Mantém a integridade (falsa) de um ego intacto e estável. Por outro causa um efeito "panela de pressão" que quando explode vem muita coisa junta.

O momento pediu que essa raiva aparecesse por uma causa externa. Mas por que será que tenho que ser tão implacável? Por que uso as palavras de forma a deprimir o outro? Sei que eu devo ter aprendido isso junto com as freiras do colégio que estudei que elas eram muito boas nisso.

Se há um objeto de amor porque então agir como o alienígena de um sonho antigo, com o qual eu mesmo eu iria me encontrar para desafiá-lo quando percebo que o chefe de uma invasão destruidora e desordenada era, nas palavras dele, eu mesmo?

Estes exercícios duplos de uma raiva dirigida ao outro como se quisesse de alguma forma garantir o ego é avassalador. E meu supereu me cobra agora outras contas por não seguir certos desejos que não assumi tê-los. Mas se não tê-los, como diria Vinícius em relação aos filhos, como sabê-los?

E assim vou me virando do avesso, tentando perceber se de fato sou o otário ou se isso é apenas uma crença equivocada na qual eu, adulto, posso perfeitamente analisá-la, pensá-la e decidir: não essa tese não é nada. Virando do avesso, nada há.

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