quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Para onde vai essa arca?


Aproveitei esses dias para ver Noah's Arc, seriado americano de 2005-6 que há muito tempo o Evandro tinha falado para eu ver. Acabo de ver toda a primeira temporada e, sendo assim, minhas observações se basearão nelas.

O seriado tem os seus pontos positivos: para a época chama a atenção que temos um elenco de atores negros, algo bastante negligenciado. São pessoas que vivem fora do "gueto" e as personagens parecem-me bem menos plastificadas do que os que vimos em Queer As Folk, em que todos falam de forma impoluta, quase num cantochão. No caso de Noah's há espaço sim para a bicha pintosa que não é tratada de forma negativa. Isso não é excluído.

Pena que os pontos positivos ficam nisso. Poderia aqui falar que o seriado poderia ser feito por atores brancos, exceto na questão de alguns temas que foram mal abordados: a questão da masculinidade, uma personagem que se relaciona com um negro "do gueto", o comportamento que é chamado de DL (mal traduzindo seria estar no armário) e a relação com as igrejas, que representam um papel importante naquela sociedade.

A questão é que tudo isso é tratado com extrema superficialidade. Sem falar que todos se encaixam num molde de ricos, bem vividos e mesmo de diante de conflitos mais sérios (como a personagem que se relaciona com um médico soropositivo) é tratado de maneira rápida, sem chance para o drama que a série, ao optar em discutir isso, deveria ter feito. Ai o seriado não sabe se é um Queer As Folk ou um Will and Grace com atores negros, sendo que no caso da última série, ela tem uma agilidade nos diálogos que permitem a comédia funcionar e atente ao que ela propõe. Em Noah's isso fica muito indefinido.

Quando se pensa em minorias as discussões tendem a polarizar. Dois exemplos: se o foco são os gays surgem dois discursos básicos, que são o da bicha pintosa esteriotipada ou da bicha rica bem sucedida que não dá pinta num claro processo de "limpeza" da imagem. Se o foco são os negros, pode-se pensar nos negros nos guetos em contexto violento de alta criminalidade ou no negro bem sucedido e rico podendo posar em comercial de margarina. Essa polarização é o problema.

Se a questão toda é discutir diversidade que se coloque. Crie-se espaço para as diversas formas. O problema em Noah's Arc é que isso ficou preso. Fora que é evidente outra polarização entre os atores principais são "flamboyants" e que se relacionam, cada um deles, como o tipo "macho man", muitas vezes inertes. As personagens Trey Iverson, um cara que a gente não sabe se é enfermeiro ou o Coisa do Quarteto Fantástico (a atuação de Gregory Keith é quase uma pedra) e Wade (Jenssen Atwood) são alguns exemplos. No caso de Wade há várias possibilidades, mas Atwood está mais preocupado em mexer o queixo da mesma maneira, esteja sua personagem rindo ou chorando.

E é aquilo: série de TV está preocupado com o lado comercial. Então não consigo encará-la como algo "revolucionário" e inclusivo "per se". Ao mostrar personagens só com esse aspecto o que enxergo é a grande questão quando se discute politicamente os direitos das chamadas minorias: queremos direito como cidadão ou queremos ser apenas consumidores de produtos? No caso de Noah's Arc pelo que se vê na primeira temporada, ele opta pelo segundo caso. Uma pena.

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