segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Queda livre

No ano que passou, o austríaco Felix Baumgartner quebrou o recorde mundial de queda livre saltando a 39 mil metros acima do solo. Quando soube disso me vem sempre as perguntas dos críticos quando alguém realiza esses feitos: para que esse feito? Qual o objetivo disso? Satisfação pessoal apenas? Qual a utilidade prática de alguém escalar o Everest?

No mundo capitalista meritocrático provavelmente muitas desses experiências poderão render bons livros de auto-ajuda e palestras motivacionais milionárias, em especial se considerarmos que o discurso e os saberes são em nossa sociedade um meio de produção que pode ser capitalizado. Mas o meu pensamento de hoje não vai de Marx. Vou para outros pensadores.

Mas por que pensei no Baumgartner? Fui questionado hoje sobre "me sentir só" e com uma conotação negativa, como se eu não reconhecesse o amor de quem está a minha volta diante dos momentos de tristeza. Daí pensei numa série de perguntas a mim mesmo, a saber:

1. Eu me sinto sozinho quando estou triste? Sim. A minha tristeza tem uma necessidade grande por solidão. E acho que a maioria das pessoas também reage dessa forma como forma de reflexão. A solidão aparece ai como necessidade para que essa mesma tristeza seja depois quebrada.

2. Estar sozinho me deixa triste? Se a escolha é voluntária não. Ela parte de uma necessidade e que seria estranho que isso obrigatoriamente conduzisse à tristeza. Por outro lado existem as solidões que não comandamos, a do abandono, sobre a qual não temos controle e, nesse sentido, a solidão como fruto desse abandono pode deixar triste. Freud esmiuça isso bem no seu clássico "fort-da" em "Além do Princípio de Prazer" quando o menino é deixado pela mãe e, para ter algum controle da situação, brinca com uma bobina  para não lidar com a dor da saída da mãe. A solidão voluntária tem um quê disso também.

3. Estar acompanhado pode aliviar a tristeza? Depende se a companhia está na mesma sintonia que a minha e se eu a desejo. Caso contrário há um conflito de interesses e aí é aquele famoso clichê do "sozinho na multidão" justamente por nossa cabeça estar em um ponto e as pessoas ao nosso redor em outro. E aí entra uma questão fundamental que é até base do amor: o reconhecimento.

O Baumgartner estava lá se jogando no espaço e aparentemente sozinho no meio daquilo tudo. Mas junto com ele havia uma série de equipamentos que o comunicava com a base na terra e ele era visto por pessoas no mundo inteiro no momento de seu feito. Ainda assim, creio que no momento da entrada na atmosfera a comunicação vai embora e esse olhar do outro é zero. O que se passaria na cabeça dele ali sem esse reconhecimento?

4. É possível estar feliz sozinho? Sim, é. Daí pensei em duas solidões. A primeira é kafkaniana, na qual eu fico num quarto fechado e angustiado sem ver o mundo externo. Essa é muito ruim, mas por vezes necessária quando o objetivo é apenas ficar quieto. A segunda é nietzschiana, que pensa no homem a sós consigo mesmo empreendendo uma viagem sem um objetivo último e superando sempre um ponto. E para superar esse ponto ele não pode pensar em um fim último, numa ideia acabada (daí a sua crítica à metafísica de Platão e a ininteligibilidade de Aristóteles). Nesse sentido não há o "essencial invisível aos olhos" simplesmente porque não há uma essência a ser buscada. É bom se perder em meio a viagem e sem se preocupar em encher os bolsos com certezas. Essa solidão por vezes é muito boa e a boa viagem não é confortável...ela é feita a pé com bastante desgaste das pernas e dos pés pois nada pode ser alcançado por uma Divina Providência. A dor simboliza o potencial humano. E é essa solidão que talvez me bate na cabeça agora.

E onde ficam os espaços do reconhecimento, do auxílio e até mesmo o cuidado do outro? Há espaço para isso? Estar a sós consigo é impedir a si mesmo de ser amado? Significa uma barreira?

Por vezes o caminho da solidão é necessário em meio a tristeza na busca de alguns novos conhecimentos acerca de si. Em outras ocasiões pode mascarar uma certa arrogância que se julga capaz de lidar com as dificuldades de maneira absoluta. E sou capaz de perceber esses dois movimentos meus, já que muitas vezes assumir dizer que está triste é assumir uma fraqueza ou se colocar vulnerável. Aliás força e fraqueza são temas interessantes para eu pensar daqui pra frente. De qualquer forma nenhuma solidão ou tristeza são coisas absolutas. Sentí-las faz parte da vida e ainda bem.

Mesmo num mundo que tenta a todo custo evitar o sofrimento, como no alerta do post anterior do "preciso entender se você está confundindo as coisas para te proteger" quando na verdade pode ser apenas um exercício de poder que retira a autonomia da descoberta e proteger o ego de quem faz a pergunta de uma possível retaliação futura. A eterna gangorra do Eu e o Outro, do só e do acompanhado.

Independente de qualquer coisa, assim como Baumgartner, estou quebrando as minhas barreiras...






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