domingo, 13 de janeiro de 2013

Meu inferno é todo meu

Certa vez, saindo da faculdade, em frente ao Iate Clube esperando o 107 junto com o André Russi ele me saca a pergunta: já pensou Odilon, se o inferno fosse pessoal? Acho que conversava com ele sobre a peça Huis-Clos de Sartre que se passa no inferno.

André naquele tempo já era agnóstico. Ele tinha um passado espírita-kardecista e o rejeitava por considerá-lo muito moralista. Se bem que ele sempre me dizia "Odilon, temos que ter um crivo moral". André faleceu em 2008, ano que para mim também foi marcado por rupturas emocionais que se estendem até hoje.

Existem perguntas desconcertantes e que revelam o que termos de pior e de melhor. De forte e de fraco. E, se o "inferno são os outros" para Sartre, talvez ele habite dentro de nós mesmos. Nos sentimentos que ainda somos incapazes de compreender ou permitir que eles existam. Apesar de que muitas vezes sermos "fiéis ao que sentimos e/ou pensamos" implique em absurdos, grosserias e até mesmo violência. Mas esse é outro tema.

Voltanto às tais perguntas ou a uma pergunta apenas: Odilon você não está confundindo as coisas? Pronto era a chave que eu precisava para liberar o diabo dentro de mim. Parto para acusações pesadas por saber muitas coisas do interlocutor. Meu objetivo é colocá-lo para baixo, castigá-lo em uma arena emocional que em nada deve ao "choro e ranger de dentes" e fazê-lo se dar conta de que aquela pergunta jamais deveria ter sido feita. E por que tanta raiva assim?

Ela revela sentimentos meus. Intenções e muitas, mas muitas fraquezas. Vai me remeter a situações passadas e amores passados. Momentos em que me mostrei completamente inerte e que ao invés de viver um amor concreto e real fiquei preso ao imaginário. E se alguém me questiona se o mesmo está ocorrendo de novo o inferno é outro. É necessário rebaixar, desmoralizar e deixar claro que o indagador nada conhece sobre o amor e, logo, não tem o direito e nem a competência para me perguntar sobre qualquer coisa. Deve permanecer calado. O meu diabo é como o espiritismo segundo o André, tem algo extremamente moralizador.

Depois eu mesmo tenho que vencer esse tirano em mim e descer ao meu Hades. E nele aparecem homens significativos - aliás devo um texto ao meu "alfabeto" sobre esse aspecto- na minha vida e como me relacionei com cada um deles. Aparecem situações que eu mesmo me senti subjulgado e, exatamente por isso o meu diabo emocional é tão punitivo comigo mesmo e sádico com os outros. E provocar esse "diabo" causa rupturas ao ver que na verdade podem existir forças muito mais poderosas, criadoras e, por que não, mutáveis.

É o momento de chorar muito, de soluçar. De se sentir sem proteção alguma. De se sentir sem chão e ao mesmo tempo jogado nele. De se sentir em estado bruto, primal. A chave se abre como o parto e a criança se dá com o mundo exterior. E dá o primeiro choro. Mas agora não estou em 1978 e sim em 2013 com os 35 no meu cangote e com duas perguntas: que homem eu sou e que homem desejo ser? Essas são as perguntas de fato mais desconcertantes e significativas do que o "você não está confundindo as coisas". E qual a razão disso?

"Você não está confundindo as coisas?" tem uma intenção: um cuidado, um medo de "me fazer sofrer". Uma evitação de frustração. Como se os sentimentos pudessem ser captados como imagens do satélite e fazer a previsão mais ou menos certa do que pode acontecer e assim preparar a lavoura para o tempo que chega. Só que essa pergunta se esgota em meio a um turbilhão de sentimentos dos quais ciência alguma é capaz de prever. E nela o interlocutor dá para si um poder de me fazer sofrer, escondido na sombra do "só estou cuidando de ti", quando na verdade quem transfere esse poder ou não sou eu. Ainda tenho que discorrer sobre a síndrome de Dorothy e mostrar como a intenção dessa pergunta pode se desfazer mais fácil que a Bruxa do Oeste depois de levar água.

Prefiro mesmo as outras duas: sou e que quero ser. São dinâmicas. Quem eu sou é uma pergunta do passado e do presente e sem uma resposta definitiva, justamente porque o passado mostra o quanto ela não é nada estática. O que quero ser permite a mutabilidade também e aponta para o futuro. São os baldes de água na bruxa e mostra que o caminho não está em uma estrada de tijolos amarelos, mas está dentro de mim. E isso é mais eficaz que rebaixar o outro, pois ao invés de querer humilhar o interlocutor que faz a pergunta que traz em si um narcisismo ainda que não intencional, eu posso dar valor ao que há dentro de mim. Esclarecer melhor os meus próprios sentimentos.

E daí vem a terceira pergunta: você prefere se manter narcisista fechado em si mesmo? De forma alguma. Essas situações quebram com a necessidade de lutas ou brigas externas por esses motivos e me coloca diante de uma série de emoções presentes e futuras, sem esquecer as que estão no passado e transformar isso em algo sempre melhor. Até porque como diz o Erly em um de seus filmes "diabo não existe, meu inferno é todo meu". Era essa a resposta talvez que não consegui ver naquela tarde há mais de 10 anos com o André.


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