Em um ano que os meus
sentimentos mais internos estão como verdadeiros tornados, fui
obrigado a pensar sobre um deles:a raiva. Pensei em vê-la até com
um modelo emprestado da física, ou seja, pensá-la como uma forma de
energia. Sendo assim ela seria produto de uma força de de um
deslocamento.
A força no caso eu
entenderia como as motivações. Fossem elas externas – algo que
alguém tenha feito para eu reagir dessa forma – ou internas, ou
seja, ligados a sentimentos que dirijo contra a mim mesmo ou outros
que não consigo explicar a causa aparente dele.
O deslocamento seria
pensado no sentido de que a raiva tem as suas consequências. Ou
seja, se estou com raiva de mim mesmo em função de algo que
desagrada a mim mesmo isso me provocará certos efeitos até mesmo
ligados a outros sentimentos, sejam eles medo, tristeza e até mesmo
motivação para certas ações. Por outro lado esse deslocamento
pode ser dirigido ao outro e ai tenho três caminhos que pensei
inicialmente: atacar o outro em função da minha rava, guardá-la
para mim e isso se transformar em um ressentimento ou ser claro e
comunicar essa raiva de forma clara sem que isso se traduza em
agressão. Mas como fazer isso? Cadê o manual de instruções?
Em um texto do meu alfabeto ela aparece de forma implícita. Me lembro de que quando fiz
análise ela era um sentimento forte, porém não declarado. Quando
me lembro da analista falando algo como “falta da falta” era como
se eu tivesse medo de nomear o que me fazia falta, porque naquele
momento a minha raiva apareceria de forma brutal. Nesse sentido vejo
esse sentimento como uma energia atômica: em um núcleo de um átomo
de tamanho irrisório há uma energia enorme. Aquele era um momento
muito delicado da minha vida onde eu estava começando a exercer
minha sexualidade de forma mais plena. E se por um lado eu me sentia
deprimido depois das sessões por conta desses sentimentos raivosos
não assumidos, por outro me motivou a seguir adiante e, 13 anos
depois daquilo tudo muita coisa se transformou em mim.
Obviamente essa
transformação é gradual, eternamente gradual e não há um ponto
máximo em que tudo se estabeleça de forma perfeita. Também o uso
de um modelo físico não dará conta de todas as contradições que
os sentimentos trazem e a raiva não é diferente disso. E qual foi o
gatilho para isso tudo?
Achei que alguém
tivesse a obrigação de me dar satisfação, um sinal de vida no
momento em que eu bem queria. Isso não aconteceu. Tentei apelar para
algo mais zen, no sentido de que, de fato eu estava sendo um completo
babaca egoísta por conta desta exigência e que um homem de espírito
superior e melhor estaria além dessas coisas. Quem em 2013, ano
novo, eu seria uma pessoa diferente que é magnânima o suficiente
para assumir seus sentimentos, mas sem que isso levasse a uma
exigência raivosa e descabida ao cobrar satisfações de alguém.
O fato é que, se por
um lado, tentei escapar do ressentimento, por outro, a falta de
clareza – aquele terceiro caminho que falo na procura de um manual
de instruções que não existe- no momento de comunicar o que eu
sinto logo de cara, fez com que esse alguém quisesse se abrir em
seus sentimentos como forma de chegar nos meus e compartilhar isso.
Acontece que, quem está com uma raiva absurda como eu estava, já
deveria ter deixado de cara que, enquanto aquela raiva não fosse
discutida de forma clara, aberta e imediata, a tal “abertura de
sentimentos” seria impossível por conta da minha inabilidade,
naquele momento, em querer ouvir tudo aquilo de peito aberto, sem
deixar a sombra da raiva se manifestar.
Agora sou capaz de
compreender isso de uma forma melhor e de que essa necessidade de
comunicar esses sentimentos, mais que questionar as outras pessoas,
se faz necessária. E isso não é um puro exercício egoísta, pelo
contrário. Quando se coloca os sentimentos para fora estou sujeito
sim a avaliação do outro, quer eu queira ou não. E seria
importante ver isso mais que um compartilhamento, mas uma
transformação. Uma mudança que não necessita de manual de
instruções, mas que permita que o caminho da chamada abertura
esteja limpo, pronto para encontrar futuros muros que possam ser
quebrados e, mais que tudo, que esse não seja o caminho de um só,
mas um caminho seguido pelos dois. Diálogo, discurso de dois,
compartilhamento, mudanças ao assumir que a raiva tem uma energia
sim, poderosa e é algo contraditório, mas que pode impelir para
transformações importantes, como as que se deram 13 anos atrás.
E, o mais importante: esse caminho não é certeiro, como que tem "um ponto a chegar". Ele permite que, ao quebrar os muros com essa energia toda, a possibilidade de prosseguir e sempre estar aberto a novidades, a novas descobertas, epifanias e grandes reflexões, como sempre tive com esse alguém. Se já tenho um destino estabelecido - as minhas certezas do que é certo ou errado- essas descobertas se tornam impossíveis e essa jornada será apenas uma mentira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário