sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Um caminho incerto, ainda bem


Em um ano que os meus sentimentos mais internos estão como verdadeiros tornados, fui obrigado a pensar sobre um deles:a raiva. Pensei em vê-la até com um modelo emprestado da física, ou seja, pensá-la como uma forma de energia. Sendo assim ela seria produto de uma força de de um deslocamento.

A força no caso eu entenderia como as motivações. Fossem elas externas – algo que alguém tenha feito para eu reagir dessa forma – ou internas, ou seja, ligados a sentimentos que dirijo contra a mim mesmo ou outros que não consigo explicar a causa aparente dele.

O deslocamento seria pensado no sentido de que a raiva tem as suas consequências. Ou seja, se estou com raiva de mim mesmo em função de algo que desagrada a mim mesmo isso me provocará certos efeitos até mesmo ligados a outros sentimentos, sejam eles medo, tristeza e até mesmo motivação para certas ações. Por outro lado esse deslocamento pode ser dirigido ao outro e ai tenho três caminhos que pensei inicialmente: atacar o outro em função da minha rava, guardá-la para mim e isso se transformar em um ressentimento ou ser claro e comunicar essa raiva de forma clara sem que isso se traduza em agressão. Mas como fazer isso? Cadê o manual de instruções?

Em um texto do meu alfabeto ela aparece de forma implícita. Me lembro de que quando fiz análise ela era um sentimento forte, porém não declarado. Quando me lembro da analista falando algo como “falta da falta” era como se eu tivesse medo de nomear o que me fazia falta, porque naquele momento a minha raiva apareceria de forma brutal. Nesse sentido vejo esse sentimento como uma energia atômica: em um núcleo de um átomo de tamanho irrisório há uma energia enorme. Aquele era um momento muito delicado da minha vida onde eu estava começando a exercer minha sexualidade de forma mais plena. E se por um lado eu me sentia deprimido depois das sessões por conta desses sentimentos raivosos não assumidos, por outro me motivou a seguir adiante e, 13 anos depois daquilo tudo muita coisa se transformou em mim.

Obviamente essa transformação é gradual, eternamente gradual e não há um ponto máximo em que tudo se estabeleça de forma perfeita. Também o uso de um modelo físico não dará conta de todas as contradições que os sentimentos trazem e a raiva não é diferente disso. E qual foi o gatilho para isso tudo?

Achei que alguém tivesse a obrigação de me dar satisfação, um sinal de vida no momento em que eu bem queria. Isso não aconteceu. Tentei apelar para algo mais zen, no sentido de que, de fato eu estava sendo um completo babaca egoísta por conta desta exigência e que um homem de espírito superior e melhor estaria além dessas coisas. Quem em 2013, ano novo, eu seria uma pessoa diferente que é magnânima o suficiente para assumir seus sentimentos, mas sem que isso levasse a uma exigência raivosa e descabida ao cobrar satisfações de alguém.

O fato é que, se por um lado, tentei escapar do ressentimento, por outro, a falta de clareza – aquele terceiro caminho que falo na procura de um manual de instruções que não existe- no momento de comunicar o que eu sinto logo de cara, fez com que esse alguém quisesse se abrir em seus sentimentos como forma de chegar nos meus e compartilhar isso. Acontece que, quem está com uma raiva absurda como eu estava, já deveria ter deixado de cara que, enquanto aquela raiva não fosse discutida de forma clara, aberta e imediata, a tal “abertura de sentimentos” seria impossível por conta da minha inabilidade, naquele momento, em querer ouvir tudo aquilo de peito aberto, sem deixar a sombra da raiva se manifestar.

Agora sou capaz de compreender isso de uma forma melhor e de que essa necessidade de comunicar esses sentimentos, mais que questionar as outras pessoas, se faz necessária. E isso não é um puro exercício egoísta, pelo contrário. Quando se coloca os sentimentos para fora estou sujeito sim a avaliação do outro, quer eu queira ou não. E seria importante ver isso mais que um compartilhamento, mas uma transformação. Uma mudança que não necessita de manual de instruções, mas que permita que o caminho da chamada abertura esteja limpo, pronto para encontrar futuros muros que possam ser quebrados e, mais que tudo, que esse não seja o caminho de um só, mas um caminho seguido pelos dois. Diálogo, discurso de dois, compartilhamento, mudanças ao assumir que a raiva tem uma energia sim, poderosa e é algo contraditório, mas que pode impelir para transformações importantes, como as que se deram 13 anos atrás.

E, o mais importante: esse caminho não é certeiro, como que tem "um ponto a chegar". Ele permite que, ao quebrar os muros com essa energia toda, a possibilidade de prosseguir e sempre estar aberto a novidades, a novas descobertas, epifanias e grandes reflexões, como sempre tive com esse alguém. Se já tenho um destino estabelecido - as minhas certezas do que é certo ou errado- essas descobertas se tornam impossíveis e essa jornada será apenas uma mentira.


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