quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O dinheiro que não protege

Um tema que estou há tempos para "liquididificar" é o racismo. E como ele tem a sua grande dose de perversão, fica aquela coisa "Odilon, não é melhor não discutir isso, parece que você está se vitimizando etc e tal e bal bla bla" E por ai vai.

Tudo bem que nunca fui um negacionista ou mesmo alienado quanto a isso. Está na minha carne, está em minha própria identidade e disso não tem como fugir. O que eu estava sentindo falta era de uma leitura mais profunda sobre o tema, já que como psicólgo social sempre me foram sensíveis questão de gênero, sexualidade e violência. Considerando o racismo como algo ligado á violência estrutural e tendo experiência em lugares pobres em que a maioria da população era negra assim como eu, sempre senti falta, mesmo nesses trabalhos de apontar isso de forma mais direta e intensa.

E ai vieram a questão das cotas. Os debates a respeito do tema. O chorume de gente como Demétrio Magnoli e Ali Kamel. O caso envolvendo "Caçadas de Pedrinho" do Monteiro Lobato. As velhas manifestações no dia da Consciência Negra em que me dá mais revolta quando vejo um negro repetindo o discurso negacionista. Eu sei que como estrutura e instituição, essa opressão é devidamente internalizada por todos. Ainda assim, mexe comigo. Bem como as falácias sobre o tema, as mais clássicas ditas até por pessoas cuja inteligência admiro, mas esbarram feio quando não tem ou não querem entender o seu privilégio na sociedade. Poderia até fazer uma lista deles aqui, mas seria chover no molhado. Ou deixo para um próximo post.

Dito isto, vejo hoje o caso do Neymar no campeonato paulista. O jogador foi chamado de "macaco" pelo técnico do ituano e na hora reclamou com o juiz. Depois fez o estilo "deixa disso" e disfarçou dizendo que era apenas um "mal entendido". Cá nessas terras temos a esquizofrenia de um país em que as pessoas sempre conhecem alguém racista, mas ninguém admite que o é.

O negacionismo de Neymar é recorrente. Ele mesmo ao desconversar sobre racismo ele disse que nunca o sofreu porque "eu sou branco". Algo parecido foi dito por Ronaldo Fenômeno. E vejo isso, especialmente nos meios mais pobres, já que no país, sendo a cor um patrimônio, como bem explica Muniz Sodré, o tom de pele do negro mestiço um pouco mais claro confere-lhe uma aparente "vantagem", mas essa mesma se desmonta. Eu mesmo percebo isso, quando algumas pessoas ficam indignadas comigo quando afirmo a minha negritude e dizem "mas Odilon, você não é negro, é moreno (ou moreno escuro, seja lá o que for) e ai me lembro da melhor frase de Fabiana: "meu filho, nem meu cu que não pega sol é moreno".

No entanto o ocorrido com ele no jogo é um fato que desmonta algumas ideias. A primeira é a afirmação de que "raça" não existe, ou que querem "racializar" o brasil. Bem, quando alguém xinga o jovem jogador de "macaco" tem duas coisas ai: primeiro a raiva  em um discurso racista. Outro ponto é que esse xingamento não é uma novidade criada pelo tal técnico, mas ele é comum em nossa cultura racista. Então, o racismo é sim um fato social e psicológico, ainda que alguém apresente 50 teorias da biologia dizendo que raça não existe (ela está certa em seus pressupostos, mas a biologia não dá conta dos fatos sociais). Se tem gente que acha que Adãoe  Eva é verdade absoluta como alguém vai deixar de ser racista só por conta de dados do projeto Genoma?

Além disso mostra que a velha falácia do preconceito apenas social é mentira. Neymar tem seu nome e prestígio no futebol apesar da pouca idade. Deve ganhar 50 vezes mais que um ministro do STF (não fiz as contas, mas com certeza é mais, me permitam a hipérbole) e é contratado em diversos comerciais e tudo o mais. Veja, se o preconceito fosse apenas social no Brasil como alguém o chamaria de "macaco" durante uma partida?

Uma das coisas que sempre me chamaram a atenção no futebol, eu como torcedor, é que nele paixões são liberadas. Sentimentos absurdos surgem, entre eles a raiva, por conta da disputa. Não é à toa que, infelizmente, vemos brigas de torcida com morte mostrando o caso mais extremo da violência e geralmente contra alguém que o assassino sequer conhece e o odeia por apenas torcer para outro time. Pois bem, é nesse cenário que as censuras baixam e a sombra do nosso negacionismo aflora. Não que o racismo seja circunscrito ao futebol, que ai seria uma loucura da minha parte afirmar isso, mas como esse caso do Neymar é um bom exemplo de como esse tema é presente em nosso país, em nosso mundo.

Sendo assim, um tom mais claro, grana, fama e sucesso não vão te resguardar do racismo. Ele é uma instituição mais entranhada do que isso. E um passo importante será nós mesmos não negarmos isso e não ter medo de encarar a situação de frente, nem medo de dizer o que pensa sobre isso, tal como estou fazendo agora.

Ps: Aqui tem um texto interessante sobre o racismo sob a ótica da psicologia behaviorista.






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