terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Não há nada especial



“Seria a experiência de que não somos grande coisa e, em particular, não somos a única coisa que falta para que o mundo seja perfeito e para que a nossa mãe seja feliz. Isso parece (e é) uma coisa fácil de saber e mesmo de admitir, mas uma experiência efetiva dessa superfluidade de nossa existência é uma outra história. Nesse momento final, o sujeito vivenciaria, logicamente, uma espécie de desamparo depressivo, mas também uma extrema liberação.
Por que liberação? Pois é, o que mais nos faz sofrer talvez seja justamente a relevância excessiva que atribuímos à nossa presença no mundo, pois essa relevância é a pedra de fundação de todas nossas obstinadas repetições, é graças a ela que insistimos em ser sempre “iguais a nós mesmos” (sendo que, no caso, essa expressão não tem um sentido positivo).”
–Contardo Calligaris, em “Cartas a um Jovem Terapeuta” Quibado daqui

Ainda me lembro que na época do meu primeiro relacionamento o Fábio me disse: “Odilon, não cai nessa do ‘você é especial’ que isso é mentira, balela”. Na época achei um tanto radical a postura do meu amigo (em geral, meus amigos são radicais). Afinal, por que razão não somos especiais para quem nos diz que nos ama? Parece cru, mas a minha experiência me mostrou que a crueldade de fato está nesse “ser especial” muitas vezes.

Parei para pensar no mundo que me cerca  - por vezes é muito difícil me alienar dele- e pensei em alguns pontos. Na era em que vivemos não só reis, rainhas e príncipes podem ser especiais. Tendo dinheiro você pode querer se sentir especial pela roupa que comprar ou o carro que dirige. Se tem capital social também você é o especial na área VIP no show aberto da Praia de Copacabana no réveillon. Outros querem ser destaque, diferente das pessoas comuns em outras frentes. Pode ser participando de uma palestra motivacional, lendo um livro de auto-ajuda ou indo para uma igreja em que o pastor diz que você é um eleito porque Jesus te ama e você há de prosperar.

Me vem a primeira pergunta: será que esse ter – junguianamente falando – pode nos levar a sermos especiais?

E sobre ser especial para alguém? E quando se sai do plano material e entramos no campo dos amores e dos relacionamentos, será que meu amigo está errado em sua radicalidade?

Parece que vivemos em um mundo que temos pânico do ser comum, ao mesmo tempo em que as coisas mais simples ganham status de originalidade. Me lembrei dessa matéria que outro amigo postou sobre um local sem rede wi-fi que de repente se tornou especial para a estratégia de marketing da kit-kat.

O psicanalista Joel Birman  certa vez disse que o processo analítico é quando deixamos de pensar que somos especiais e vemos que somos todos ridículos. Penso nisso quando a associação livre que nos torna sujeitos e faz aparecer o sujeito do inconsciente nos faz perder toda a lógica cartesiana elaborada do mundo e ali nos vemos com a “sujeira” que estava debaixo do tapete: nossas raivas, mesquinharias, desejos, amores, tristezas, medos, invejas, culpas e tantas outras coisas e como qualquer mortal. E não há nada de especial nisso.

Quando alguém afirma que sou especial me dá um certo medo. As pessoas podem criar essa categoria para a qual há um conjunto de regras para serem seguidos que outras pessoas fora dessa caixinha de especialidades não pode. Fulano me maltratou, me tratou como o cocô do cavalo do bandido, mas você Odilon, não pode porque é especial. É essa a crueldade do "ser especial"...você entra numa redoma de idealização e a pessoa joga a culpa para cima de você em função desse rótulo e impede qualquer discussão de forma realmente humana , isto é, fora de idealizações, de igual para igual. É um amor narcísico no qual só a ideia que a própria pessoa cria de você conta e não quem realmente você é interessa. Imagino Narciso no lago olhando a imagem de um outro amado que na verdade é ele mesmo.

Claro que dentro dos relacionamentos amorosos a minha ideia de “não ser especial” justifica toda a sorte de impropérios que você pode dirigir ao outro. Eu sei que por muitas vezes já manifestei raiva, ódio e menosprezo com aqueles que amo. Mas nesses casos o que cabe em mim é julgar eticamente o que eu faço como um ser humano mortal como qualquer outro e não como um cara que tinha a carteirinha do “acesso vip do coração do outro” e de repente a perde diante de uma falta, por mais grave que ela seja.

Junto com o “ser especial” vem as idealizações. Elas são frutos do investimento que fazemos. Por isso seria um absurdo eu falar que não tem essa de “ser especial” porque não faço investimentos amorosos e/ou sexuais. Claro que os faço: sejam com meus livros, com as minhas roupas, minhas ideias ou as pessoas a minha volta. Não julgo isso moralmente enquanto não prejudico a relação com o outro. O que é importante, sempre, é saber que posso fazer sim as minhas idealizações, escolhas e investimentos. E isso se dá não porque eu e o outros somos especiais, mas sim porque nos amamos, com todo tipo de qualidade e defeitos.

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